quinta-feira, 25 de maio de 2023

Ecos Culturais | Misoginia ou medo da concorrência?

No início de maio, o poder executivo enviou à Câmara dos Deputados, em Brasília, o Projeto de Lei 1085/23 que garantia salários iguais para homens e mulheres que exercem a mesma função, ou seja, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. O projeto foi aprovado na Câmara e seguiu para o Senado.

No entanto, o placar não foi unânime: apesar dos 325 votos favoráveis, houve 36 votos contrários. É inacreditável, não? Quando a gente pensa que o ser humano está se desenvolvendo, que já passou o tempo em que a mulher era considerada ser inferior, é de causar espanto e tristeza o número de votos contrários, inclusive de deputadas. É preciso guardar o nome e o partido das que votaram contra a proposta para não mais votar nessas deputadas que refletem e reafirmam uma sociedade retrógrada, machista e patriarcal!

A luta feminista é cada vez mais urgente e necessária, mais ainda em tempos de misoginia, machismo explícito, autoritarismo recorrente e casos crescentes de feminicídio, sem falar no racismo estrutural do nosso país. Aos homens, basta lembrar-lhes que sem uma mulher, a mãe, nenhum deles estaria aqui. Nenhum de nós, aliás. Então, é bom que parem e pensem. Ora, a mulher já provou sua capacidade em todos os campos; ela é múltipla, pode ser o que quiser e não lhe faltam vontade, inteligência, competência, bom senso, mas principalmente generosidade, intuição e humanidade.  O que lhe falta, desafortunadamente, é respeito de seus pares. Que os pais não fujam ao seu dever de ensinar aos filhos, desde tenra idade, a respeitar cada ser humano, sobretudo as mulheres.  

Aliás, a imagem que se tornou símbolo do feminismo, a partir dos anos 1980, traz uma personagem conhecida como Rosie, a Rebitadeira (Rosie the Riveter), imortalizada na canção de mesmo nome da banda americana Kay Kaiser. Ao que parece, ao menos cinco mulheres teriam inspirado a criação de Rosie e seus cartazes. Uma delas é Rosalind P. Walter (1924-2020) que, como outras norte-americanas, decidiram assumir seu papel como força de trabalho na época da segunda guerra, já que os homens tinham ido para a guerra. O cartaz acima saiu das mãos de J. Howard Miller, em 1943, e dizia We Can Do it (Nós podemos ou sabemos fazer). Outras duas inspirações foram Naomi Parker Fraley, garçonete da Califórnia que faleceu em 2018, e Mary Doyle Keefe, telefonista de Vermont, que faleceu em 1925. Esta última foi a modelo da versão desenhada por Norman Rockwell (ao lado) e estampada na capa da edição de 29 de maio de 1943 do The Saturday Evening Post — uma Rosie de macacão, óculos de proteção, com o nome Rosie em uma espécie de lancheira e com o pé sobre uma cópia do livro de Hitler Mein Kampf

Termino com uma pergunta já cansada: até quando isso vai se repetir?

Referências:

https://www.irib.org.br/noticias/detalhes/pl-que-preve-equiparacao-salarial-entre-homens-e-mulheres-e-aprovado-pela-camara-dos-deputados

https://www.todamateria.com.br/feminismo/

https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2020/03/mulher-que-inspirou-poster-simbolo-do-feminismo-morre-aos-95-anos-ck7glxmo3024l01oankpi7vzn.html

https://www.nytimes.com/2020/03/04/us/rosalind-p-walter-dead.html

https://www.metroworldnews.com.br/estilo-vida/2020/03/06/rosalind-p-walter-mulher-que-inspirou-o-poster-de-can-morre-aos-95-anos.html

https://whenwomeninspire.com/2017/09/13/who-rosie-the-riveter-history/

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Ecos Imateriais | O tempo como alquimista

Imagem: Wikipedia
Alvo de estudos, hipóteses, crônicas, romances e teorias, o tempo segue inalterado em seu papel; continua onde sempre esteve, passando lentamente, dia após dia. Ou será que somos nós que passamos e nos movemos em torno dele? Já nos tempos medievais a alquimia era a ciência química que procurava a chamada pedra filosofal, capaz de transformar metais em ouro, e também o elixir da juventude que garantiria, a quem o encontrasse, uma vida longa e jovem. 
 
Mas basta virar a chave para entendermos  que, na dimensão espiritual, o grande processo alquímico de transmutação é transformar o indivíduo inferior em superior, nosso euzinho no EU maior, nosso serzinho egóico em um SER evoluído, ou seja, na melhor versão de si mesmo. O processo de evolução leva tempo, é verdade, mas é inexorável, porque todo ser humano carrega em si a essência divina, potencialidade pura, como mostram vários rituais da Índia, em ashrams, escolas de yoga ou de espiritualidade. Em muitos deles usa-se o coco, como símbolo do ser humano – áspero, duro, feio e cheio de marcas por fora, mas imaculado, liso e doce por dentro.

 

A alquimia, portanto, sempre esteve relacionada à transformação. No entanto, em qualquer processo, qualquer que seja a teoria por trás, não existe maior alquimista do que o próprio tempo. Ele mesmo, Cronos que, aos poucos, vai curando as feridas, modificando o ser, transformando a dor da perda do ser amado em saudade; burilando defeitos, aparando arestas, retomando narrativas esquecidas, desenterrando mentiras mal contadas, trazendo à luz verdades escondidas, mostrando a insensatez de guardar mágoas e ressentimentos.... Com a passagem do tempo e sua ação silenciosa, o ser humano muda. Sempre. Não importa quanto tempo leve. O fato é que muda. Domingos Pelegrini Jr. (1949), jornalista e escritor de Londrina, mostrou essa infalível lei em forma de poema.    

 

Mudanças 

(Domingos Pellegrini Jr.)

O tempo pôs a mão na tua cabeça e ensinou três coisas.

Primeiro: Podes crer em mudanças quando duvidas de tudo, quando procuras a luz dentro das pilhas, o caroço nas pedras, a causa das coisas, teu sangue bruto.

Segundo: Não podes mudar o mundo conforme o teu coração. Tua pressa não apressa a história. Melhor que teu heroísmo é tua disciplina na multidão.

Terceiro: É preciso trabalhar todo dia, toda madrugada para mudar um pedaço de horta, uma paisagem, um homem. Mas mudam, essa é a verdade.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Ecos Literários | Literatura Brasileira no exterior

A literatura brasileira  marca presença no exterior com muitas obras traduzidas. Talvez uma das mais conhecidas seja a obra de Jorge Amado trazendo temas sociais e vívidas descrições da Bahia, de Ilhéus, da cultura do cacau, entre outros aspectos. Mas outros autores também foram e são festejados por lá: Machado de Assis, Paulo Coelho, Rachel de Queiróz, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade e, mais recentemente, Milton Hatoum, Chico Buarque, Raduan Nassar, Paulo Leminsky, Daniel Galera, Paulo Lins, Patrícia Melo, Itamar Vieira Junior, só para citar alguns poucos. Porém, por estar envolvida já há algum tempo em estudos teóricos e práticos da área da tradução, acredito que devo dar destaque à recente publicação no exterior de alguns clássicos da nossa literatura, a exemplo da obra icônica do modernismo brasileiro, Macunaíma de Mário de Andrade. O livro foi lançado em espanhol em 2022 e em inglês, em 2023. 
 
A edição em espanhol tem tradução, prólogo e glossário da argentina de Santa Fé, Julieta Benedetto, tradutora, professora e editora independente (@lei.bailemos.ediciones). Macunaima, el héroe sin ningún carácter foi lançado em Buenos Aires, em 2022, pela Mansalva, com paratextos de Silvia Cobelo, tradutora literária, professora de tradução e roteirista. Outras traduções de Julieta incluem: Vitoria Regia, Mário de Andrade (Leí Bailemos ediciones, Bs As 2023);  Saci Sarará, Silvia Cobelo e Monteiro Lobato (Risco Editoras, Bs As, 2018); O turista aprendiz, Mário de Andrade (em tradução), entre outros. Ver AQUI lançamento no Museu de Arte Latino-americano de Buenos Aires - MALBA. 
 
Desenho da capa de Jaider Esbell
Para o inglês, a tradução foi de Katrina Dodson, professora de tradução e tradutora literária premiada que também morou no Brasil, apaixonou-se por Clarice Lispector e por Macunaíma. Segundo a própria Katrina, depois de traduzir Clarice, ela sentiu-se confiante para traduzir o nada fácil Macunaíma. A editora é a New Directions, a mesma de Obras Completas de Lispector. A capa traz desenho de Jaider Esbell (1979-2021), artista, escritor, geógrafo e arte-educador indígena da etnia Macuxi, de Roraima. O lançamento foi acompanhado da música da cantora brasileira Iara Rennó, criadora do álbum Macunaíma Ópera Tupi.  Outro livro de Mário  de Andrade que acaba de ser lançado em inglês pela Penguin é O Turista Aprendiz, que mostra a paixão do autor pela cultura amazônica. A tradutora, Flora Thomson-DeVeaux, já traduziu outros clássicos como Memórias Póstumas de Braz Cubas, de Machado de Assis

Logo, será a vez de grandioso livro de João Guimarães Rosa,Grande Sertão: Veredas, numa memorável tradução para o inglês. Ou seria transcriação? Já na etapa final, o gigantesco trabalho tem a assinatura da premiada tradutora literária australiana, Alison Entrekin, que também já morou no Brasil e é responsável por tantas outras celebradas traduções. Já é possível antever a grande recepção (e os prêmios) que o livro terá, pois apesar de existir uma primeira tradução de Grande Sertão, feita por Harriet de Onís e James L. Taylor, lançada em 1963 pela Knopf, a atual vem sendo esperada (e festejada) há tempos.

 

Sem dúvida, trabalho de fôlego feito por grandes profissionais que utilizaram os diversos estudos, modalidades de pesquisa e fortuna crítica que a tecnologia atual permite acessar, algo de que não dispuseram os tradutores de décadas atrás. De qualquer forma, é fantástico ver nossas obras divulgadas no exterior por tradutores tão competentes. Viva a tecnologia bem usada e viva a nossa literatura!


Referências 

https://ohoje.com/noticia/cultura/n/186041/t/obras-brasileiras-reconhecidas-internacionalmente/

https://mansalva.com.ar/producto/mario-de-andrade-macunaima/

https://www.clarin.com/cultura/literatura-brasilena-quiere-hacerse-lugar-argentina-autores-libros-gustos_0_VtqazLMfYs.html 

https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=-rhoDsXsH5w

https://www.nytimes.com/2023/04/07/books/mario-de-andrade-macunaima-apprentice-tourist.html

https://revistapesquisa.fapesp.br/literatura-brasileira-em-transito/

https://modernlanguagesopen.org/articles/10.3828/mlo.v0i0.124 

https://blog.estantevirtual.com.br/2011/11/21/literatura-brasileira-no-exterior-os-12-autores-nacionais-mais-lidos-no-mundo/ 

https://dasartes.com.br/de-arte-a-z/jaider-esbell-e-encontrado-morto-em-sao-paulo/