O nome do post vem do famoso livro da filósofa alemã Hannah Arendt, mas não consegui
pensar em outro título, tendo em vista a banalização de tanta
violência nos dias que correm. Episódios de violência contra crianças e mulheres me deixam, inevitavelmente, indignada, revoltada, com
o estômago embrulhado e me perguntando até quando. Por que o agressor nunca se
coloca no lugar da criança ou da mulher agredida, ofendida, assediada, violentada? E se ela
fosse sua mãe, sua filha, sua irmã?
É intolerável ver tudo isso,
mais ainda quando essa atitude vem dos chamados “ricos e famosos” (e a pergunta
que não quer calar é: famosos por quê, ricos em quê?), que deveriam ter noção
de sua responsabilidade em servir de modelo positivo para tantos jovens que os
admiram. São homens que têm autocontrole, ou apenas instintos como os animais?
E o pior é que quase nunca são punidos; mentem descaradamente, atribuem o ato a um momento de loucura, fazem um pedido
ridículo de desculpas, pagam uma fiança (ou algum "amigo" paga) e pronto. Tudo fica "normal".... É como
se pagassem um valor para poder cometer os crimes. Surreal!
É preciso parar de justificar, banalizar, de achar "normal" essas atitudes machistas e doentias. Além dos casos conhecidos e ultrajantes que parecem ter
sido normalizados por parte de uma sociedade hipócrita, há outros que não
aparecem na mídia porque tanto os abusadores quanto as vítimas são pessoas
“comuns”, nada famosas. Que
nojo, que tristeza e que vergonha para nossa sociedade! Que péssimo exemplo para as
crianças. Infelizmente, nota-se ainda como os conceitos andam deturpados, como existe uma confusão tosca na sociedade
“moderna”. Valoriza-se o superficial, o “poder”, o dinheiro, o exibicionismo, a
indiferença, o “todo mundo age assim”. Não suporto, não tolero, não aceito e sempre digo alto e em bom som: Todo mundo, não!
Vou me concentrar em um
dos mais recentes casos de violência contra a mulher, envolvendo o técnico de futebol Alexi Stival (1963), ou Cuca. Há dias, ele fez um pronunciamento (ver aqui)
a respeito de um crime que cometeu contra uma garota de 13 anos, durante uma excursão do seu time à Suíça. Foi
acusado de estupro coletivo em 1998 e, anos depois, inocentado. Ora, o veredicto não
apaga o ato infame, o crime ocorreu e a vítima, que faleceu aos 28 anos, sofreu e viveu anos com o trauma. Viveu?
O que
me chamou a atenção foi o fato de Cuca reconhecer publicamente seu erro, com o qual conviveu, por duas décadas,
como se nada houvesse. O pronunciamento veio depois de reunir-se com a família, esposa e filhas. Disse que queria se redimir e agir para diminuir a
violência contra a mulher; culpou ainda a sociedade machista que achou (e acha) natural essa violência. Afirmou que se sentia na obrigação de colaborar para mudar o
futuro e a forma como a sociedade, sobretudo jogadores de futebol
“famosos” veem e naturalizam esses episódios. Ora, é preciso protestar e reafirmar que não houve, não há e nunca haverá quaisquer justificativas para
tais crimes.
O
técnico propôs
começar essa conscientização na base da pirâmide, nas escolinhas de
futebol para crianças. Vale dizer que alguns clubes têm essa preocupação e já atuam
nessa linha, mas é pouco, muito pouco. Para mim a conscientização deve começar em casa, sempre. Onde mais? De todo modo, porém, Cuca parece ter percebido, ainda que tardiamente, que de nada adianta ser
um bom profissional, no caso um bom treinador, se o indivíduo não for um bom ser humano como um todo, como integralidade que é. Ou como diz a música Lama, de Mário Duarte, cantada por Clara Nunes em 1976: "...não adianta estar no mais alto degrau da fama com a moral toda enterrada na lama". E isso vale para qualquer profissional, em qualquer tempo e em qualquer área de atuação.
É preciso discutir as noções erradas de machismo, sexualidade, virilidade, poder e outros tabus - falsas noções aprendidas, repetidas e repassadas ano após ano. Aprende-se primeiro em casa, é certo, mas a discussão deve prosseguir em qualquer idade nas escolas, nas igrejas, nos locais de trabalho, de convivência social ou de lazer, mas a base de qualquer ensinamento
sobre o respeito devido a qualquer pessoa se dá pelo exemplo, em casa e na família. Atos de racismo, machismo, preconceito, violência e exclusão sob o manto de "brincadeirinhas" ou "joguinhos" nunca são só brincadeiras. Cabe a uma sociedade que se pretende "evoluída" ser vigilante, atenta, ética, justa e agir de forma
íntegra, de cara limpa e consciência tranquila. É vital colocar-se no lugar
do outro e isso não é empatia. É mais que isso, é compaixão, é saber-se parte integrante do todo.
Para concluir, meus respeitos à esposa e às filhas de Cuca, pela generosidade mostrada no episódio. Não
dá para desculpar, admito, mas Cuca comportou-se, agora, como um homem de
fato. Quantos podem olhar para trás e reconhecer os erros cometidos? Antes de ser
um treinador, ele também é um SER HUMANO, esposo, pai, avô, tio e filho de alguém. Isso deveria
significar alguma coisa!
Referências
https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/casagrande/2024/03/11/cuca-fez-um-discurso-historico-para-o-futebol-brasileiro.htm
https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2024/03/10/cuca-diz-querer-ajudar-na-luta-contra-violencia-a-mulher-podem-me-cobrar.htm
https://www.uol.com.br/esporte/colunas/milly-lacombe/2024/03/10/cuca-faz-depoimento-inesperado-forte-historico-e-comovente.htm