sexta-feira, 13 de junho de 2025

Ecos Culturais | Notícias falsas ou mentiras

A tragédia da disseminação insana e irresponsável das chamadas notícias falsas (nada de nome em inglês), que nada mais são do que mentiras deslavadas, virou um problema crônico, danoso e muito perigoso. Infelizmente, num país em que a grande maioria da população teve um letramento insuficiente, sobretudo uma população que tem cor, classe e região, a questão da interpretação de texto é complicada. Se muitos não entendem um texto pequeno, um cabeçalho até, como vão entender e discernir a verdade da mentira? O falso do verdadeiro? A realidade da canalhice? O fato real da manipulação? Já falei sobre isso a partir da resenha do livro Gramática da Manipulação da jornalista Letícia Salorenzzo (aqui).
 
Em maio de 2025, o premiado jornalista Leonardo Sakamoto, professor, doutor em Ciências Políticas e colaborador de vários veículos de notícias, publicou a coluna Brasil analfabeto midiático crê em tudo o que vem do zap e compartilha fake Vale muito a leitura! Crítico talentoso e sagaz, ele fala que, sim, "é verdade que falta amor no mundo, mas falta também capacidade de interpretação de texto". Certíssimo! Ele ainda cita uma pesquisa da Ação Educativa que alerta para a incapacidade de ~33% da população de ler compreender mensagens de forma eficaz.  Isso quer dizer que, ao menos, pensar criticamente utilizando a dimensão histórica em torno de qualquer fato está a anos-luz de 33% da população brasileira.  
 
Essa porcentagem representa indivíduos sem habilidade e pensamento crítico para discernir e entender o que leem e, por isso, acabam acreditando em tudo o que se compartilha nas redes sociais e, pior, de forma acrítica passam adiante o que leram. No mais das vezes, sem questionar a veracidade do conteúdo, porque a falsa informação atende ao que pensam. No artigo, Sakamoto ressalta que “se o analfabetismo funcional é terrível, o analfabetismo midiático é uma desgraça”. 
 
Infelizmente, sabemos que, se nossa capacidade de compreender um texto é baixa, não é melhor o conhecimento da história real do Brasil, que exige estudo, tempo, análise, desconfiômetro, questionamento, pensamento crítico e, sobretudo, uma bibliografia adequada e ampla, escrita por personagens com variados pontos de vista, não só o defendido pelos vencedores. Porque, 
na grande maioria das vezes, a história é contada pelos vencedores, pelos colonizadores, pelos dominadores: homens de uma elite branca, machista e preconceituosa. É urgente trazer à luz outras visões, falas de outros lugares, com outras percepções, outras conotações e vivências. 
 
Calma, não adianta brigar. Isso é fato. Eu vejo a história, a partir do meu ponto de vista, da minha perspectiva de mulher branca, mais velha, trabalhadora, escolarizada, de classe média, com curso superior e pós-graduação. Essa visão será diferente daquela de uma mulher negra, sem escolaridade, da classe baixa, trabalhadora e mais jovem; ou de um indígena, ou de um quilombola, ou... É evidente que a história será vista com outros olhos, a partir de outros pontos de vista. Isso é o tão falado "lugar de fala" e não significa o que eu falo, mas de onde eu falo, ou seja, de que lugar, de que vivências, de que pontos de vista... Enquanto isso, o que podemos fazer? Reivindicar uma educação de qualidade e oportunidades para todos, além de ampliar o lugar de fala dos que falam e escrevem sobre a história.   
 
Na questão midiática, inclusive, os tais algoritmos criam bolhas e aumentam essas diferenças, porque, de modo geral, a tendência é cada grupo se fechar e ficar só naquele círculo, sem relação com quem pensa diferente, sem  ouvir vozes vindas de outros personagens, diferentes de nós. Esse isolamento, essa bolha em torno de um modo de agir e pensar, não faz bem a nenhuma sociedade.  
 
Alerta. Desenvolver o pensamento crítico é fundamental e faz bem à saúde mental e emocional do praticante, portanto, à sociedade como um todo. 

Repetindo o que sempre diz e repete a professora e filósofa Marilena Chauí: pensar leva tempo e, portanto, moldar o pensamento crítico leva mais tempo ainda. Por isso, é preciso treinar  desde cedo esse olhar e esse pensamento crítico; é preciso ensinar a questionar e buscar a veracidade das informações; é preciso pensar criticamente, discernir e assumir a responsabilidade de não compartilhar textos mentirosos. Sakamoto, a esse respeito, ainda diz que “O letramento midiático é tema urgente no Brasil e no mundo para garantirmos um debate público saudável e o arrefecimento da ultrapolarização burra, que tenta destruir a diferença.”

Concluindo seu desabafo, Sakamoto lista dez regras para contribuir com esse processo de alfabetização midiática da população. Transcrevo o decálogo ípsis líteris:

1) Não compartilharás conteúdo noticioso sem antes checar a informação;
2) Não divulgarás notícias relevantes sem atribuir a elas fontes primárias de informação;
3) Postagens "apócrifas", sem fonte, jamais serão aceitas como instrumento de checagem ou comprovação;
4) Não esquecerás que informação precede opinião;
5) Não matarás - sem antes checar o óbito;
6) Lembrarás que mais vale uma postagem atrasada e bem checada que uma rápida e mal apurada. E que um número grande de likes não garante credibilidade;
7) Serás assertivo apenas naquilo que tens certeza do que diz;
8) Não se esquecerás que apuração precede pitaco;
9) Não terás pudores de reconhecer, rapidamente e sem poréns, o erro em caso de divulgação ou encaminhamento de informação incorreta;
10) Na dúvida, não compartilharás. Pois, tu és responsável por aquilo que repassas. Ou seja, se der m..., você também é culpado.

O jornalista e professor de jornalismo termina seu desabafo com um alerta: “Burrice não é falta de um conhecimento específico, nem a diferença nos padrões de fala, mas a atitude daquele que menospreza o conhecimento, seja ele qual for [...] e essa burrice mata o futuro!”

Referências

https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2025/05/05/o-brasil-analfabeto-midiatico-cre-em-tudo-que-vem-do-zap-e-compartilha-fake.htm 

https://anitadimarco.blogspot.com/2019/04/ecos-literarios-gramatica-da-manipulacao.html  

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Ecos Humanos | Conselhos e voltas que o mundo dá

A vida é circular e nos traz situações inusitadas, por vezes, antes do que esperávamos. Quando crianças, ou nem tanto, ouvíamos (e/ou questionávamos) os conselhos recebidos de pais, avós, tios, professores. Ai de nós se não ouvíssemos os conselhos – era machucado na certa, gripe, dor de dente, dor de ouvido, tombo, castigo, nota baixa e por aí vai... E palavra de mãe é como praga, pega mesmo... Depois crescemos e, então, chegou nossa vez de dar conselhos aos filhos. Hoje, diferentemente daquele tempo distante, nossos pequenos deixaram de ser pequenos e são eles que nos dão conselhos...  Mas sempre digo que mãe que é mãe nunca vai parar de “aconselhar” seus rebentos, tenham eles a idade que tiverem.   

Esse é o tema do livro “Conselhos para filhos de todas as idades” (São Paulo: Fontenele, 2025), dirigido a filhos, filhas, pais e mães jovens ou mais velhos. É o primeiro livro de uma querida aluna e amiga, a promotora Marina Dehon de Lima. Além dos vários adjetivos que a identificam (sorridente, atenciosa, alegre, entusiasmada, ética e propositiva), Marina acrescentou outra qualificação ao seu nome: escritora. 
 

Mãe presente e participativa, profissional atuante e empenhada, ela sempre priorizou os filhos, mas, como poucas, conseguiu, equilibrar a família e a carreira profissional, sobretudo por contar com uma boa rede de apoio. Agora, ela concretizou algo que, há tempos, já estava pronto em seus sonhos e no coração: dar conselhos! Como ela mesma diz, “conselhos são uma forma de abraçar”. Gentil ao me pedir para fazer a preparação/revisão do livro, suas palavras muito me comoveram, mas alguns alunos tendem a ser exagerados e generosos com seus professores! Foi esse o caso, tenho certeza, mas mesmo assim, fiquei lisonjeada e agradecida. 

O lançamento foi ontem, 05 de junho de 2025, às 19 horas, na Biblioteca Pública Municipal de Varginha, evento que teve a firme condução da produtiva bibliotecária Eliana Costa. Independentemente de qualquer viés religioso, o livro será útil para todos nós, porque, embora nem todos sejam pais, todos são filhos de alguém.  
Então, vida longa à nova escritora e ainda aos filhos, pais e todos que dão, pedem e seguem bons conselhos.  

 

Referências 

Instagram da autora: @maridehonautora 

https://www.instagram.com/maridehon.autora/profilecard/?igsh=MWRkMjZ3dTZudDcyYQ==

https://www.amazon.com.br/dp/6558717379

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Ecos Imateriais | O não-reagir

Ao abraçar uma religião ou filosofia de vida, vivenciar o caminho escolhido não se restringe à prática diária ou semanal de frequentar um templo, uma igreja ou local de prática. Yoga, por exemplo, é um sistema completo, uma filosofia de vida, um caminho, uma escolha de como ser e agir no dia a dia. Não adianta executar uma postura (asana) com perfeição absoluta, mas ser violento, preconceituoso, desonesto, individualista, mentiroso e ignorar a dor do outro no dia a dia. A cada aula, o praticante é lembrado que a pessoa que está praticando naquele momento é a mesma que age no mundo, ou seja, o que se aprende nas aulas, na experiência e nos livros sagrados deve ser aplicado no cotidiano, já que yoga é uma filosofia prática, não livresca. Como vivemos em sociedade, o convívio social exige atitudes civilizadas, cordatas, respeitosas e solidárias em qualquer ambiente – em casa, no trabalho, na escola, no trânsito, nas ruas. Além disso, mesmo que ninguém mais veja suas atitudes, sua consciência é onipresente, vê e sabe como você age.

Hoje muitos fatos, situações e notícias desafiam nosso equilíbrio emocional, mas é exatamente nesses momentos que é necessário aplicar o que o yoga nos ensina há milhares de anos. Não se trata de viver numa bolha, mas de identificar o que nos perturba, tomar uma atitude e agir, se for o caso, mas também buscar formas de relaxar corpo e mente, evitando as consequências físicas e emocionais impulsivas derivadas de reações descontroladas, como raiva, por exemplo. Nossas reações não podem controlar nossas ações.

O praticante consciente, idealmente, não permite que o ambiente o desequilibre. Para atingir a paz interior, ele dispensa incenso, música suave, iluminação sutil e a voz de um professor. O fato de se perceber, de tomar consciência de seu estado já é um resultado da prática de yoga, é verdade, mas o saber lidar com situações adversas e aplicar o que aprendeu é mais importante. Então, sempre que algo o(a) afligir, realinhe-se antes de agir: respire com consciência, ore, entoe um mantra ou repita mentalmente ao inspirar “estou” e, ao expirar, “tranquilo” - estou tranquilo, estou tranquilo - e volte ao seu centro. Se preferir, faça uma meditação caminhando, observando o toque dos pés no chão, o ritmo respiratório, as cores e sons da natureza. Logo você consegue retomar seu equilíbrio e aí pode agir, sem correr o risco de apenas reagir irrefletidamente, no calor das emoções. E isso deve ser buscado o tempo todo, em todas as situações. A prática facilita a obtenção desse estado. 

Um último e importante detalhe: embora às vezes pareça impossível perceber, a luz que brilha em você é a mesma que brilha no outro. O que nos diferencia é a intensidade do brilho de cada um, como um diamante, cujas arestas estão mais ou menos lapidadas. Mas, não se engane, fazer brilhar essa luz é trabalho e esforço individual e intransferível de cada um. Namastê! 

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Ecos Humanos | O deplorável efeito “manada”


Em meio às minhas leituras, encontrei um artigo bem interessante de Pedro Valadares, professor de português, revisor de texto e autor do site Clube do Português, dedicado à língua portuguesa e à literatura. O artigo, A camisa vermelha da seleção e a lógica do clique, falava sobre a febre dos cliques e a consequente manipulação de amplas camadas do público leitor. Valadares mostrou como a simples divulgação de um fato, a "suposta" inserção da cor vermelha em uma segunda camisa da seleção brasileira de futebol, explodiu a cabeça de muita gente e virou um monstro pegajoso e sem forma. Ele ainda destacou que a grande mídia (falada, impressa ou digital) pura e simplesmente reproduziu a notícia, em vez de, antes, pesquisar e se aprofundar no assunto para verificar a veracidade da informação. 
 
Conclusão: milhares de cliques, memes, vídeos sobre a tal "notícia". Como se diz na linguagem digital de hoje, a mensagem viralizou. Como Valadares ainda realçou, o mais preocupante é que “mesmo que seja desmentido depois, o estrago já está feito” e o efeito disso nós sabemos muito bem. Basta ver a história recente do nosso país, de tantos países, invasões e guerras por aí. 

Tristes tempos esses nossos em que as pessoas fazem ou assinam embaixo de qualquer coisa só porque "todo mundo faz"... Assumem qualquer mensagem lida como verdade e vão compartilhando loucamente, divulgando e clicando, sem parar para refletir, sem pensar na lógica do que foi lido, sem questionar os fatos, sem sequer saber de onde vem a informação, sem dar a devida dimensão histórica ao fato. Enfim, sem exercer o menor pensamento crítico.  Fico chocada com esse tipo de atitude, muito mais comum hoje em dia do se pode imaginar. 

Aliás não é só nos cliques que essa atitude de manada se repete. Acontece também nas “modas” passageiras, no mau “exemplo” daqueles que têm “superlativos” justapostos ao seu nome e no que os denominados “infuenciadores” dizem e fazem. Por tudo isso, nesses nossos tempos, a ética e o pensamento crítico de quem escreve são, cada vez mais, necessários, urgentes e imperativos. Considero tudo isso muito triste e, para amenizar esse desconforto e essa tristeza, cito o educador, psicanalista e escritor Rubem Alves (1933-2014): “As palavras só têm sentido se nos ajudam a melhor ver o mundo. Aprendemos palavras para melhorar os olhos.” Se nem isso conseguimos fazer, o momento é muito mais delicado do que supúnhamos. 
Em tempo: só lembrando que o tom avermelhado pode ser associado ao pau-brasil (Paubrasilia echinata), madeira de onde deriva o nome do nosso país.

Referências

https://clubedoportugues.substack.com/p/a-camisa-vermelha-da-selecao 

https://anitadimarco.blogspot.com/2019/04/ecos-literarios-gramatica-da-manipulacao.html

https://www.clubedoportugues.com.br/

https://www.instagram.com/clubedoportugues.com.br/

https://www.youtube.com/c/PedroValadares