quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Ecos Urbanos | Os mitos da colonização

Sempre fui adepta de um aprendizado contínuo na vida, sobre tudo e em qualquer idade. Como se sabe, conhecimento não ocupa espaço e, uma vez adquirido, o novo conhecimento vai se somando ao já existente, formando novas sinapses ou conexões e reforçando (ou questionando) o que já sabemos, ou achamos que sabemos. (Ver aqui Tradução e Vitamina C). O novo se soma ao que já temos consolidado e, assim, vamos aprendendo um pouco mais, a cada dia, e aumentando nosso repertório de conhecimentos. Porém, se não reforçarmos as tais ligações com o que já temos acumulado, o novo se perde. Por isso, não se pode parar de observar, ler, estudar, refletir, analisar, comparar com que já sabemos e continuar aprendendo. Sempre com olhar atento, pensamento crítico, dimensão histórica e capacidade de análise e síntese. 
 
No campo da arquitetura e do urbanismo, a questão urbana sempre me interessou mais do que o projeto, propriamente dito. A cidade é nossa casa coletiva, nosso palco e espaço de ação, troca, aprendizado e intervenção. A cidade ideal é democrática, segura, arborizada, harmoniosa em termos visuais, com ruas largas, amplas calçadas, fachadas ativas, prédios a meia altura, bons equipamentos de saúde, educação e esportes, e qualidade de vida para todos. Quem não gostaria de viver numa cidade assim? Onde o meio ambiente, o cidadão, os equipamentos, espaços públicos e privados fossem respeitados? Onde o direito à cidade fosse respeitado?  Como coletiva, porém, é preciso relembrar o tempo todo que o que é público é de todos, ou seja, de responsabilidade coletiva: gestão, organização, limpeza, manutenção, segurança e cuidados. Tudo é dever de todos. 

Jane Jacobs. Divulgação
Evidentemente, sem isentar o poder público, aqueles que foram eleitos e são pagos para pensar e gerir bem nossas cidades, incluindo-se aí, com certeza, o poder legislativo. Ademais, deveria ser desnecessário lembrar que os objetivos primeiros dos que foram eleitos devem ser o de garantir um espaço inclusivo, seguro, democrático, agradável, com qualidade de vida e ambiental, ou seja, boas oportunidades de moradia, saúde, educação, lazer e esportes, cultura e segurança para toda a população. 
A jornalista e ativista Jane Jacobs (1916-2006), autora do conhecido livro Morte e Vida das Grandes Cidades (Martins Fontes), de 1961, dizia que a segurança das cidades está nos moradores, ou seja, nos habitantes e usuários da urbe. Nós somos os olhos da rua. Ela fala da importância da rua, do bairro, das relações humanas, da paisagem e do organismo vivo que é a cidade. Mas, vamos ao que me motivou a escrever sobre a cidade. 
 
Um ótimo artigo do ativista e humanista Thomas Angotti, professor de Planejamento Urbano de Nova York, trouxe afirmações que vieram ao encontro de convicções minhas, oriundas do meu aprendizado, experiência de vida e de conversas que tenho, todo dia, com meus botões, quando caminho pelas cidades. Ao caminhar, a gente olha, vê, analisa, compara, critica, repensa e age. Pois bem, em seu livro Mitos e transformações na Metrópole: Nova York e cidades da América Latina (Thomas Angotti, 2017, 102 p.), o autor questiona o fato de o rumo para certo desenvolvimento das questões urbanas ser sempre o fornecido pelo Norte Global e destaca que, antes de uma nova proposta surgir em qualquer área urbana, é preciso desconstruir conceitos criados/impostos há muito  tempo, como os modelos hegemônicos dos países centrais sobre os periféricos. 
 
www.gc.cuny.edu/people/thomas-angotti
O autor explica alguns dos mitos vendidos a ingênuos moradores. Defende os planos de bairro em contraponto a ações excludentes, como os processos de gentrificação e substituição dos moradores locais, nas intervenções de revitalização de grandes áreas urbanas. Fala da necessidade de uma ação transformadora do cidadão por meio de ações que integrem terra, moradia, mobilidade, transporte, participação cidadã, além do combate ao racismo e à desigualdade. Para espanto de muitos, ainda afirma que as áreas mais ricas de Nova York, portanto, com melhores condições e habitações, recebem mais subsídios do que os bairros mais pobres. 
 
Ora, ora, descobrimos, portanto (como desconfiávamos), que não são exclusivas daqui, do Sul Global, as lutas dos movimentos sociais por moradia e qualidade de vida. Como destaca Angotti, invariavelmente é preciso "enfrentar o capital imobiliário e, por extensão, sua simbiose com governos e parlamentos”.      
O tema não é novo e, em todas as áreas e campos do conhecimento, vemos explodir ações e reivindicações do Sul Global contrapondo-se ao Norte Global, como no caso da bióloga marinha Asha de Vos (ver aqui). Vamos?

Referências:

https://anitadimarco.blogspot.com/2024/04/ecos-humanos-inspiracao-do-sul-global.html

http://www.annablume.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=454%3Amitos-e-transformacoes-na-metropole&catid=6%3Asite&Itemid=177

https://www.gc.cuny.edu/people/thomas-angotti 

12 comentários:

  1. Ótima reflexão sobre as nossas tão sofridas cidades!

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    1. Pois é, e envikve a participação de todos. Obrigada por comentar, Ramsine....

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  2. Excelente! Que se pense mais nas cidades para pessoas!

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  3. Sou paulistano, nascido e criado, lá nos idos dos anos 1950. Desde então, vejo a cidade de São Paulo sendo modificada, tendo a sua identidade substituída por pela frieza do concreto, e se tornando digna do apelido Selva de Pedra. Uma pena.

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    1. Pois é, não só concreto, mas também desprezo pelas pessoas, pela ambiência, pela paisagem urbana....triste!

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  4. "Desnecessário lembrar que os objetivos primeiros dos que foram eleitos... é garantir boas oportunidades de moradia, saúde, educação, lazer, esporte, cultura e segurança para toda a população". Isso aí! *Para toda a população* deveria ser um mantra. *Preservar o meio ambiente* também. Nosso coração fica apertado diariamente

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  5. Muito bom, Anita. Sabemos que precisamos tornar nossas cidades mais inclusivas e tomar medidas sérias para oferecer a *todos* uma vida digna, moradia, acesso a espaços de recreação, etc. Entretanto, nossos políticos, apoiados por certos segmentos da população, frequentemente tomam ações contrárias, optando pelo elitismo e a exclusão.

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  6. Seu texto nos faz pensarmos melhor sobre o desenvolvimento das cidades.Vamos enxergar com carinho, tratar bem onde moramos.Bebel

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  7. Grande texto, Anita!
    Você é seu caminhar pelos espaços!..Vou compartilhar com outras pessoas!

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    1. Obrigada, querida. É preciso olhar com atenção e senso crítico!!!!! Lembrando que a cidade tbm é nossa....
      Abraços

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