quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Ecos Urbanos | Qualidade Urbana (1): O caso de Bogotá

Peñalosa e Bogotá. Foto: Divulgação
Quando se fala de temas como cidades, qualidade de vida e dos moradores, temos um bom exemplo em Bogotá, a capital colombiana, com cerca de 7,5 milhões de habitantes, que se reconstrói e se transforma, em função de ações do poder público, todas bem coordenadas e planejadas. Entre 1998 e 2001, o urbanista e economista Enrique Peñalosa foi eleito prefeito da cidade, então uma das cidades mais violentas da América Latina. Com visão abrangente e ações focadas em sustentabilidade, mobilidade, arte e cultura para todos, sua gestão conseguiu transformar a cidade e diminuir, significativamente, seus índices de criminalidade. Em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, no início de 2002 (ver a íntegra aqui), Peñalosa afirmou que a chave para diminuir os índices de violência em qualquer país está na própria cidade, ou melhor, em ações locais que melhorem a vida de todos os cidadãos, priorizando os mais desfavorecidos. “O país não muda se a cidade não muda e o Estado tem que estar presente na cidade, o tempo todo, porque segurança pública não é um assunto só da polícia”.

Sabemos que qualquer cidade só é viva, segura e agradável quando, nas ruas, há movimento de pessoas de todas as idades. Além da questão da segurança, reforçada com tecnologia, uma polícia bem formada e punição aos malfeitos (afastando a sensação de impunidade), a cidade investiu em mobilidade urbana, com a criação de uma rede de transporte público, inspirada em Curitiba, com faixas exclusivas para ônibus, o Transmilenio, que transporta grande número de passageiros, além de uma rede de 300 quilômetros de ciclovias. 

Biblio.Basílio Barco. Arq. Rogelio Salmona. Foto: Silvia Chiarelli
Bons equipamentos, arte, cultura e qualidade de vida também entraram na equação, com a construção de ótimas bibliotecas, escolas, parques públicos, programas de nutrição, conjuntos esportivos, educacionais e projetos de infraestrutura. Vale salientar que, mesmo nos rincões mais pobres da cidade, foram construídos equipamentos tão bons quanto os existentes nas áreas mais nobres. Segundo Peñalosa, foi a maneira que o poder público teve para mostrar respeito pela dignidade humana, ou seja, demonstrando que "conhecimento vale mais do que dinheiro, o que começou a atrair pessoas que, antes, só enxergavam valores vindos do tráfico, porque se sentiam abandonadas pelo Estado”. Desde então, a população passou a abraçar e respeitar os novos equipamentos, mesmo porque atributos como beleza, qualidade, mobilidade e boas soluções não são privilégio de nenhuma classe social. 

A prefeitura investiu ainda na iluminação pública de ruas, parques e equipamentos comunitários como campos de futebol, permitindo que esses locais passassem a ser frequentados à noite, levando atividades esportivas, saúde e lazer aos jovens. Antes de sua gestão, havia uma parte da área central que era um verdadeiro retrato da degradação humana. Pois bem, com a decisão de desapropriar alguns trechos e demolir mais de 600 imóveis, um megaprojeto de reabilitação transformou a área em imenso e muito utilizado parque público.

Bogotá. Foto: Silvia R. Chiarelli
Claro, como toda cidade grande, Bogotá ainda tem problemas de violência, assaltos e gangues, e falta muito ainda para a cidade atingir níveis de segurança da Europa ou do Japão, porém importantes passos foram dados nesse sentido. Ao respeitar e atender as necessidades e demandas da população mais necessitada, toda a cidade se beneficiou. Afinal, concluiu Peñalosa, uma cidade deve priorizar o humano e se destinar especialmente aos mais vulneráveis – crianças, velhos e pobres”.

Sobre o tema da mobilidade, Peñalosa afirmou que "uma cidade avançada não é aquela em que os pobres têm carro, mas aquela em que os ricos usam o transporte público". É o que se vê na Europa, onde a maioria da população usa o transporte coletivo. Em Londres, por exemplo, do empresário ao balconista, de elegantes senhoras e modelos com salto alto a executivos com suas pastas, de estudantes de tênis a idosos ou turistas com malas e mochilas... Todos se encontram no transporte público, que fica muito mais interessante, diverso e seguro. Peñalosa faz ainda um crucial e útil lembrete aos homens públicos, ao dizer que “o poder é um meio, não um fim, e que o foco deve ser em como tornar a sociedade mais feliz".  

Parece tão simples, não? Por que não conseguimos que muitos dos nossos homens públicos tenham essa visão? Entendi... eles é que devem desenvolver essa visão sozinhos, a partir de si próprios, certo? Há exceções, claro, mas, no plano geral, é difícil. No entanto, não se pode desistir; é preciso aprender a escolher bem aqueles que nos representam – seus anseios, seus desejos, suas ações, seu coração e, sobretudo, seu caráter.

Após perder duas eleições sucessivas, Enrique Peñalosa foi reeleito prefeito de Bogotá de 2016 a 2019. Continuou sua obra, em prol da cidade como um todo, focando nos mais desassistidos e numa mobilidade urbana sustentável, um exemplo de visão e planejamento urbano para todos. 

Obs. As fotos da Colômbia, todas atuais, são de autoria da arquiteta Silvia Raquel Chiarelli, a quem agradeço imensamente.   

Referências:

https://www.fronteiras.com/leia/exibir/enrique-penalosa-o-urbanismo-contra-ataca

https://arqfuturo.com.br/post/urbanista-enrique-penalosa-e-eleito-prefeito-de-bogota  

https://www.estadao.com.br/cultura/o-urbanismo-contra-ataca/  

https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2015/10/26/interna_internacional,701501/na-colombia-enrique-penalosa-vence-eleicao-e-volta-a-ser-prefeito-de-bogota.shtml

https://citychangers-org.translate.goog/enrique-penalosa/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc

https://www.archdaily.com.br/br/01-145900/enrique-penalosa-aponta-sete-estrategias-para-melhorar-a-mobilidade-urbana 

9 comentários:

  1. Nossa!!!! amei aprender sobre este caso. O que não consigo entender, é como perdeu duas eleições depois de tanta coisa realizada em prol da população... ainda bem que foi reeleito depois!

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  2. Tenho certeza de há por aqui muita gente com capacidade de um trabalho assim, mas falta vontade política, principalmente para projetos de longo prazo que podem, eventualmente ficarem prontos durante outra administração.

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    1. Não tenho a menor dúvida da capacidade por aqui, mas essa questão da descontinuidade é dose.... Abração.

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    2. Nao sabia . Noticia boa.

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  3. Enrique Peñalosa foi um herói @ Bjs, Anita!

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  4. Anita, adoro ler os seus textos! Eu sempre aprendo com cada um deles. E com este não foi diferente. Obrigada por chamar a nossa atenção para o caso de Bogotá, por exemplo. Uma cidade, em um país vizinho, com desafios semelhantes aos nossos, por isso, tão importante e válido para nós aprendermos com as políticas públicas e urbanas que foram implantadas lá e que vingaram em bons frutos. Eu te agradeço também, em especial por essa edição, por escolher fotos minhas para ilustrar seu trabalho. E pelas nossas conversas sempre tão prazerosas!

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    1. Obrigada, querida, um elogio desses, vindo de uma profissional como vc, me emociona e enche de alegria. Obrigada, meu bem. Beijo grande

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  5. Parabéns pelo texto Anitinha. Aprendi e fiquei deslumbrada com que li.Com boa vontade muitos podem realizar mudanças. Bel

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