sábado, 2 de janeiro de 2016

Arte & Cultura | A sétima arte de Liv Ullmann

Imagem: www.adorocinema.com

Auguste e Louis Lumière, dois irmãos franceses, inauguravam a história do cinema com a primeira sessão pública com seu Cinématographe, em 1895. Desde então, a sétima arte vem encantando, emocionando e despertando sentimentos variados em milhões de pessoas, por todo o mundo.  
Tenho uma plêiade de atores e atrizes que admiro, mas uma das grandes artistas que marcou a minha geração foi Liv Ullmann (1938), desde os tempos da chamada 'sessão maldita', toda quarta-feira, à meia-noite no antigo cine Bijou, na Praça Roosevelt, em São Paulo. Os filmes era pra lá de especiais e, sempre que conseguia ficar acordada, era assídua frequentadora... Sempre tive fama de ser abóbora, ou seja, dormir antes da meia noite!

Além de belíssima, a talentosa atriz norueguesa (que, por acaso, nasceu em Tóquio, onde os pais estavam a trabalho) e objetiva diretora de cinema nunca se rendeu aos apelos de Hollywood. Embora tenha sido casada com o diretor sueco Ingmar Bergman, por apenas cinco anos, prolongou sua relação com ele por mais de 40 anos, dez filmes, grandes papeis e uma filha. 
Minha geração teve oportunidade de ver suas atuações incríveis em Gritos e Sussurros (1972), Cenas de um Casamento (1973), Face a face (1976), A paixão de Ana (1969), Horizonte Perdido (1973), Ponto de Mutação (1990), entre outros. A seguir, um resuminho de alguns desses títulos: 

 . Morangos Silvestres (1957) - um belo filme sobre a vida, a velhice e a memória. No caminho da Universidade de Lund, onde receberá um prêmio pelos 50 anos de carreira, um professor de medicina relembra os principais momentos de sua vida, temendo a morte que se aproxima.
 

. Sonata de Outono (1978) - drama familiar que mostra a tensa relação entre uma mãe ausente e pianista famosa (representada por outro monstro do cinema, Ingrid Bergman), que vai visitar uma de suas filhas (Liv Ullmann).  Ela se surpreende ao encontrar a outra filha, que havia sido internada em uma instituição para problemas mentais. A tensão entre mãe e filha começa a crescer devagar até ambas colocarem tudo em panos limpos, falando o que sempre sentiram e nunca haviam dito.

. Gritos e Sussurros (1972) – a ação, passada em uma casa de campo, mostra a história de uma mulher doente, que recebe cuidados de suas duas irmãs e de uma empregada da família que mistura lembranças, frustrações e imaginações em um misto de amor e ódio.

. O ovo da serpente (1977)- Berlim, novembro de 1923. David Carradine faz o trapezista judeu desempregado, que acabara de descobrir o suicídio do irmão.  Sem entender as transformações políticas do momento e sobrevivendo à violenta recessão econômica, ele e a cunhada (Liv Ullmann) aceitam trabalhar em uma clínica clandestina que realizava experiências em seres humanos.

. O sétimo selo (1957) - retrata o apogeu da crise do feudalismo, época de guerra, peste, fome e morte, quando um cavaleiro medieval volta de uma das cruzadas e se encontra com a Morte, fazendo um trato com ela: que ela poupe sua vida enquanto conseguir detê-la numa partida de xadrez. 

. A esposa comprada (Zandy’s wife) (1974) - um delicado filme com Gene Hackman que reproduz os costumes do velho oeste americano.

. Cenas de um casamento (1973), uma verdadeira DR (discussão da relação), mostrando as agruras de um casal ‘perfeito’, misturando sucesso profissional de ambos, rotina, lembranças do amor que um dia os uniu e a acomodação na mentira e no medo. 

. Uma vida de amor (2012) - documentário que conta a história da longa relação da atriz com o diretor Ingmar Bergman. Liv o conheceu quando tinha 26 anos e Bergman, 46 e já era considerado um dos maiores cineastas vivos do seu tempo. Convidou-a para trabalhar no filme Persona e a partir daí nunca mais se separaram. Dirigiu a atriz em doze filmes e, durante muito tempo, foram uma dupla imbatível no cinema. A relação como casal durou apenas cinco anos, mas continuaram a trabalhar juntos por 42 anos. Segundo Bergman, ambos passaram a vida toda "dolorosamente conectados".  

Em plena maturidade a atriz apresentou ainda o documentário ‘Quem sou eu?’, além de ter escrito dois livros autobiográficos: "Mutações" (1975) e "Opções" (1985).  Pela qualidade dos filmes que protagonizou e dirigiu, percebe-se o conteúdo humano e cultural da atriz, que rechaçava objetivos exclusivamente financeiros:  
- “Cada vez mais, os filmes são falsos, guiados pelo dinheiro. Cada vez menos se encontra aquilo que é a essência de uma grande obra de arte: a transcendência, a habilidade de ela mudar sua forma de olhar. Sou de uma época em que cinema era película. O que a luz gravava era eterno, era o retrato de um instante. Hoje, o cinema é digital, e nele você pode retocar tudo, de um rosto a uma atuação.” (Edição de O Globo, 2012).  

Sobre a passagem do tempo, ela diz: 
- “Envelhecer muda a gente por dentro. Quando uma mulher é atraente, ela deposita muito de si em seu visual. Seu rosto é uma pintura. Diz tudo. Quando ela envelhece e se olha no espelho, dependendo do ângulo da luz, ela vai se sentir bonita, achar encantos. Mas aí ela olha uma foto e vê que é mentira, pois o tempo está ali, na frente. Eu estou nessa fase, de ver que a pintura não é o rosto, é o interior. Mas ainda me sinto mais bonita do que as mulheres de botox. Minha face não tem retoques. Sou o que sou. (idem).    
Ao comentar Central do Brasil, produção brasileira estrelada por Fernanda Montenegro, tece elogios ao filme e à atriz e diz ter ouvido as falas como se não estivessem em Português:
- "É isso o grande cinema a des-territorialização pela imagem, pela sensação e pelo amor. É isso o que eu espero do cinema" (edição de O Globo, 2012). 

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