quarta-feira, 24 de abril de 2019

Ecos Imateriais | Karma

 Karma ou carma é um conceito que vem do sânscrito, uma das mais antigas línguas indo-europeias do mundo. Seguida pelo hinduísmo e pelo budismo, a lei do carma diz que todo efeito tem uma causa correspondente, ou seja, toda atitude praticada tem uma consequência.

Em outras palavras, carma é o resultado de qualquer energia que o indivíduo lance no universo ao pensar, falar, sentir e agir. Essa energia volta para ele, quer ele queira, quer não. Como dizia Yogananda, em suas lições: “O homem é livre para agir, mas sempre sofrerá o efeito de suas ações”. Tudo o que nos acontece, portanto, está dentro dessa relação de causa e efeito, lei extremamente justa, na medida em que tudo volta na exata proporção do que foi criado. Essa lei nos o poder de escolha, o chamado livre arbítrio. Cada um pode pensar e agir como quiser, mas deve saber que sua ação terá consequências.     

No entanto, é bom esclarecer que carma não tem carga negativa, algo como “pagar o que se fez de errado”. Não. O termo Karma significa ação e, portanto, nada a ver com destino imutável, porque cada indivíduo pode mudar seu próprio carma, o que nos dá a exata noção da responsabilidade que cada um deve ter sobre seu caminho, a noção de que é fundamental assumir as "rédeas" da própria vida. Assim, decidimos o que queremos para nós e podemos direcionar nossas ações para criarmos um carma positivo.  Basta mudar os hábitos, formas de agir e estilo de vida.    
Em resumo, a vida nos devolve na proporção daquilo que lhe damos, nem mais nem menos. Como um bumerangue. Mas que fique claro, o objetivo principal da lei de causa e efeito é o de ensinar e educar, jamais punir.  Criados à imagem e semelhança de Deus, somos seres potencialmente perfeitos, como um diamante ainda não lapidado. Se polirmos as arestas e tirarmos a sujeira, a pedra brilhará em todo seu esplendor. Cabe a nós deixar que o brilho interno, a perfeição da essência, transborde sobre nossas ações cotidianas.  Isso requer esforço, coragem, persistência e vontade de mudar, um aprendizado que se faz ao longo da vida, porque, afinal, estamos aqui para evoluir, aprendendo a ser melhores seres humanos.  A vida retribuirá. 

Sabendo disso, seria interessante, então, que cada um cultivasse alguns princípios básicos para criar um carma positivo para si mesmo um e para os outros, um carma coletivo mais suave e menos doloroso. São regras, simples, ensinadas em várias tradições religiosas, há milênios:
- Ser humilde, tolerante, amoroso e solidário;
- Não se colocar acima de ninguém, porque o mundo é cíclico e se errar, estar sempre pronto a desculpar-se, refazer o caminho e reparar o erro;  
- Ser benevolente com o erro dos outros, porque a régua que usamos para medir o outro será a mesma que medirá nossas atitudes; além disso, é bom pensar que se estivéssemos na posição do outro, talvez agíssemos da mesma forma;
- Dar sempre seu melhor em qualquer atividade e situação;  
- Em resumo, ser bom e fazer o bem. 
A regra de ouro já foi dada há mais de 2000 anos: fazer ao outro o que quer que os outros façam para você; tratar o outro com o mesmo respeito, cuidado, dignidade, compaixão e consideração com que gostaria de ser tratado; deixar na sua vida um rastro digno de ser seguido. Simples, assim!
Namastê!

terça-feira, 16 de abril de 2019

Ecos Literários | Monteiro Lobato em discussão



Só quem não leu ou não compreendeu os livros infantis de Lobato (1882-1948) pode julgá-los racistas. Seus livros não ensinam o moralismo sentimental. Antes, induzem à crítica, ao exame, à independência do pensamento individual e autônomo. 
- Coli, Jorge

A citação de Jorge Coli, professor de história da arte na Unicamp, em texto publicado na Folha de são Paulo e no Portal Vitruvius (1), é precisa.  A famosa coleção original da turminha do Sítio do Pica-pau Amarelo (a minha, publicada pela Brasiliense e com ilustrações de André Le Blanc) tem lugar de honra na minha biblioteca, já que o genial Monteiro Lobato foi o primeiro grande incentivador dos meus saudáveis hábitos da leitura e do pensar. Minhas primeiras noções (e as de muita gente, acredito) de história, geografia, mitologia, ciência, meio ambiente e justiça vieram de seus personagens e livros infantis. Sua obra cumpre o papel precípuo da arte e da literatura: não só entreter, mas também incitar, questionar e fazer pensar.  
 

Lobato foi um dos primeiros autores de literatura infantil do Brasil, da América Latina e um dos fundadores do mercado editorial brasileiro. Só por isso, sua importância é incontestável. Há algum tempo, resolveram questionar o uso em seus livros de termos considerados racistas e ofensivos à tia Nastácia, personagem negra do famoso sítio. Ora, quem leu a coleção sabe: tia Nastácia era personagem-chave de quase todos os livros da coleção. Foi ela quem criou a boneca Emília; foi ela quem amoleceu o Minotauro com seus famosos bolinhos; era a voz dela (de trovão) que livrava as crianças de muitas encrencas, tirando-as do mundo de faz de conta e trazendo-as de volta à vida real. Os termos usados pelo autor faziam parte da sociedade da época e não há sentido em negar o que foi escrito, muito menos, procurar modificar a obra original, a partir de critérios e padrões atuais. Contextualizar em sala de aula, notas de rodapé ou discussões, sim, mas mutilações da obra, não.  
 
Além disso, como jornalista e ensaísta, defendeu causas similares às defendidas pelo grupo modernista paulistano, como a nacionalização do petróleo, entre outras. A conhecida desavença com o grupo modernista parece ter tido origem (questionada) na crítica que Lobato fez da arte de Anita Malfatti, recém-chegada de Paris, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, às vésperas da Semana de Arte Moderna de 1922.  

Quando escreveu Urupês, retratando os vilarejos do Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, na crise do café, destacou a pobreza e a preguiça do típico caipira, Jeca Tatu, chamando-o de caboclo ignorante e incapaz de ajudar a desenvolver o campo. Na quarta edição do livro, no entanto, Lobato se explicou e pediu desculpas ao homem do interior, afirmando que as características do personagem eram motivadas por uma doença, ou seja, pela pobreza e miséria em que o povo vivia, conforme salienta Luís Augusto Fischer, professor de Literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2). Alguns críticos dizem que ele demorou um pouco para se retratar, mas, a seu favor, destacam que seres humanos e seus personagens são contraditórios.  

A humanidade forma um corpo só. Sem hierarquias.Quando uma parte sofre, é o corpo inteiro que sofre. 
(Frase do livro A Chave do Tamanho)  
 
 
O que não se pode negar é que Monteiro Lobato despertou em toda uma geração, ou mais de uma, o valor da leitura, o interesse pelo conhecimento, pela mitologia, pela história, pela ciência, pela cultura afro-brasileira, suas lendas e personagens. Mostrou às crianças um mundo real, duro e não um mundo só feito de coisas belas e coerentes. A própria dona do sítio e amorosa avó das crianças, Dona Benta, com infalível coque e óculos de tartaruga, era obedecida e respeitada, mas também questionada e desafiada, sobretudo pela Emília, que personificava o ser contraditório. Dona Benta, por sua vez, contava histórias, instigava os netos e os leitores, incentivando-os a buscar conhecimento e a questionar o que lhes era dito. Assim, os personagens do sítio, tanto quanto seus leitores infantis ou não, leem, questionam, aprendem, discutem, inventam, criam e recriam as coisas. 

No dia 18 de abril, data de nascimento do escritor, jornalista e crítico Monteiro Lobato, comemora-se também o Dia Nacional do Livro Infantil. Setenta e um anos após sua morte, depois da polêmica envolvendo a editora Brasiliense e a família do escritor, os livros voltam a ser reeditados, sobretudo após 2018, quando seu trabalho entrou em domínio público. A editora FTD Educação, por exemplo, apresenta a obra repaginada, em seis coleções que cobrem das histórias infantis aos contos adultos. Leitura para todas as idades. A proposta é respeitar o texto original e oferecer adaptações para outras linguagens, como a do teatro, além de material de apoio para pais e professores.

Para comemorar a data, a Biblioteca Municipal de Varginha montou uma exposição com trechos dos livros infantis do autor e programou uma palestra do psicanalista, pesquisador e escritor José Roberto Sales, presidente da Academia Varginhense de Letras, Artes e Ciências (AVLAC). Direcionada a alunos do curso de Magistério, a palestra teve como tema “Monteiro Lobato, racismo, direito autoral e obra aberta”. Citando a filosofia maniqueísta, Sales destacou que é impossível analisar uma obra fora de seu contexto e qualquer análise que resulte em modificação do texto original contraria a lei de Direito Autoral. Em outras palavras, mutilações não são permitidas, mas explicações, notas de rodapé, discussões e contextualização em sala de sala, sim. Destacou ainda o conceito de obra aberta, defendido pelo linguista italiano Umberto Eco, para quem uma obra de arte é aberta a quaisquer interpretações, desde que analisada a partir de seus próprios pressupostos.  
Embora curta, foi uma boa discussão ao redor desse ícone da nossa literatura. Que venham outras .... 

Notas e referências: