Só quem não
leu ou não compreendeu os livros infantis de Lobato (1882-1948) pode julgá-los
racistas. Seus livros não ensinam o moralismo sentimental. Antes, induzem à
crítica, ao exame, à independência do pensamento individual e autônomo.
- Coli,
Jorge
A citação de Jorge Coli, professor de história
da arte na Unicamp, em texto publicado na Folha de são Paulo e no Portal
Vitruvius (1), é precisa. A famosa
coleção original da turminha do Sítio do Pica-pau Amarelo (a minha, publicada pela
Brasiliense e com ilustrações de André Le Blanc) tem lugar de honra na minha
biblioteca, já que o genial Monteiro Lobato foi o primeiro grande
incentivador dos meus saudáveis hábitos da leitura e do pensar. Minhas primeiras noções (e as de muita
gente, acredito) de história, geografia, mitologia, ciência, meio
ambiente e justiça vieram de seus personagens e livros infantis. Sua obra
cumpre o papel precípuo da arte e da literatura: não só entreter, mas também incitar, questionar
e fazer pensar.
Lobato foi um dos primeiros autores de literatura infantil do Brasil, da América Latina e um dos fundadores do mercado editorial brasileiro. Só por isso, sua importância é incontestável. Há algum tempo, resolveram questionar o uso em seus livros de termos considerados racistas e ofensivos à tia Nastácia, personagem negra do famoso sítio. Ora, quem leu a coleção sabe: tia Nastácia era personagem-chave de quase todos os livros da coleção. Foi ela quem criou a boneca Emília; foi ela quem amoleceu o Minotauro com seus famosos bolinhos; era a voz dela (de trovão) que livrava as crianças de muitas encrencas, tirando-as do mundo de faz de conta e trazendo-as de volta à vida real. Os termos usados pelo autor faziam parte da sociedade da época e não há sentido em negar o que foi escrito, muito menos, procurar modificar a obra original, a partir de critérios e padrões atuais. Contextualizar em sala de aula, notas de rodapé ou discussões, sim, mas mutilações da obra, não.
Além disso, como jornalista e ensaísta, defendeu
causas similares às defendidas pelo grupo modernista paulistano, como a nacionalização do petróleo, entre outras. A conhecida desavença com o grupo modernista parece ter tido origem (questionada) na crítica que Lobato fez da arte de Anita Malfatti,
recém-chegada de Paris, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, às
vésperas da Semana de Arte Moderna de 1922.
Quando escreveu Urupês, retratando os vilarejos do Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, na crise do café, destacou a pobreza e a preguiça do típico caipira, Jeca Tatu, chamando-o de caboclo ignorante e incapaz
de ajudar a desenvolver o campo. Na quarta edição do livro, no entanto, Lobato
se explicou e pediu desculpas ao homem do interior, afirmando
que as características do personagem eram motivadas por uma doença, ou seja, pela pobreza
e miséria em que o povo vivia, conforme salienta Luís Augusto Fischer, professor de Literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2). Alguns críticos dizem que ele demorou um pouco para se retratar, mas, a seu favor, destacam que seres humanos e seus personagens são contraditórios.
A humanidade forma um corpo só. Sem hierarquias.Quando uma parte sofre, é o corpo inteiro que sofre.
(Frase do livro A Chave do Tamanho)
O que não se pode negar é que Monteiro Lobato
despertou em toda uma geração, ou mais de uma, o valor da leitura, o interesse
pelo conhecimento, pela mitologia, pela história, pela ciência, pela cultura
afro-brasileira, suas lendas e personagens. Mostrou às crianças um mundo real, duro e não um mundo só feito de coisas belas e coerentes.
A própria dona do sítio e amorosa avó das crianças, Dona Benta, com infalível coque e óculos de tartaruga, era obedecida e respeitada, mas também
questionada e desafiada, sobretudo pela Emília, que personificava o ser
contraditório. Dona Benta, por sua vez, contava histórias, instigava os
netos e os leitores, incentivando-os a buscar conhecimento e a questionar o que
lhes era dito. Assim, os personagens do sítio, tanto quanto seus leitores infantis ou não, leem, questionam, aprendem, discutem, inventam, criam e
recriam as coisas.
No dia 18 de abril, data de nascimento do escritor, jornalista
e crítico Monteiro Lobato, comemora-se também o Dia Nacional do Livro Infantil.
Setenta e um anos após sua morte, depois da polêmica envolvendo a editora
Brasiliense e a família do escritor, os livros voltam a ser reeditados,
sobretudo após 2018, quando seu trabalho entrou em domínio público. A editora FTD Educação, por exemplo, apresenta a obra repaginada, em seis
coleções que cobrem das histórias infantis aos contos adultos. Leitura para todas as idades. A proposta é
respeitar o texto original e oferecer adaptações para outras linguagens, como a
do teatro, além de material de apoio para pais e professores.
Para comemorar a data, a Biblioteca Municipal de Varginha montou uma exposição com trechos dos livros infantis do autor e programou uma palestra do psicanalista, pesquisador e escritor José Roberto Sales, presidente da Academia Varginhense de Letras, Artes e Ciências (AVLAC). Direcionada a alunos do curso de Magistério, a palestra teve como tema “Monteiro Lobato, racismo, direito autoral e obra aberta”. Citando a filosofia maniqueísta, Sales destacou que é impossível analisar uma obra fora de seu contexto e qualquer análise que resulte em modificação do texto original contraria a lei de Direito Autoral. Em outras palavras, mutilações não são permitidas, mas explicações, notas de rodapé, discussões e contextualização em sala de sala, sim. Destacou ainda o conceito de obra aberta, defendido pelo linguista italiano Umberto Eco, para quem uma obra de arte é aberta a quaisquer interpretações, desde que analisada a partir de seus próprios pressupostos.
Embora curta, foi uma boa discussão ao redor desse ícone da nossa literatura. Que venham outras ....
Notas e referências:
(1) Jorge Coli in <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/18.206/7250>
(2) Luís
Augusto Fischer in
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1704200811.htm>
(3)
Jorge Coli in <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/18.206/7250>
Muito bom. Sempre admirei o Monteiro Lobato. Justiça seja feita a um escritor original e crativo.
ResponderExcluirNão é? Apareça por aqui; seus comentários são semrpe bem-vindos!
Excluirabs
Anita
Monteiro Lobato... nem preciso dizer que faz parte da minha infância também. Não vejo nada de ofensivo em suas histórias. Essas coisas de racismo, bulling, preconceitos, na minha opinião, são fomentadas por pessoas sem amor no coração. Um que olha torto para o outro e em resposta é olhado torto também.
ResponderExcluirO certo era ninguém se importar com as diferenças do outro e, o outro, por ser diferente, assumir que é e ponto. Não se incomodar do outro achá-lo difetente porque ele é. Não dê ouvidos. Não se ofenda.
Na verdade a nossa sociedade é cheia de mimimi.
Olá, Sueli! As pessoas olham muito para fora e pouco para dentro...
ExcluirObrigada pela peresença e pelo comentário. Apareça sempre... abraços
Anita
E como era amada pelas crianças, a tia Nastácia!Claro que também foram meus primeiros livros. E li e reli. Sabe o que acho, amiga? EMILIA era aquariana!!! Kkk Como você. Bjs
ResponderExcluirIone
Hahahah, boa! Só poderia vir de você... Aquariana como eu! Ela era divertida demais....beijos, querida
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