Como disse no outro post, ambos me pareciam velhos, desbotados e molengas. Pareciam gastos pelo tempo. Além disso, minha imaginação fértil tratou de rotular os dois livros: Quarto de Despejo seria triste (pelo olhar da autora na capa) e o segundo deveria ser proibido lá em casa, por três motivos: pelo próprio nome A Carne, pela capa - uma mulher vestida de vermelho, numa atitude provocante, audaciosa ou algo do gênero, e por estar na última prateleira, meio que escondido. Alguém lá em casa deve ter lido o livro. Provavelmente, minha mãe. O fato é que eu nunca cheguei a lê-lo. Então, num belo dia resolvi pesquisar sobre livro e autor.
Descobri que o livro causara escândalo desde seu lançamento, em 1888, já que a sociedade moralista da época não aprovava livros que defendessem ideias abolicionistas, de liberdade e que falassem abertamente de tabus como erotismo, paixão, divórcio, adultério etc. É evidente que, naquela época (como hoje) não havia maus tratos, nem escravizações, nem traições, nem desejo. Todos eram extremamente justos, fiéis, comedidos e, portanto, não se admitia nenhuma fala contra a religião, os "bons costumes" ou o status quo dos senhores. Então, como admitir um autor que ousasse falar contra esses valores tão entranhados naquela sociedade? O livro chegou a ser condenado e os jovens foram fortemente aconselhados a esquecê-lo. Em outras palavras, proibido.
Foi Manuel Bandeira (1886-1968), poeta, crítico
literário, professor e tradutor que resgatou a produção do mineiro Júlio
Ribeiro (1845-1890), membro da Academia Brasileira de Letras. Vejam só! Ribeiro identificava-se como
naturalista e antiescravagista. Seu livro, portanto, mostrava o que ocorria na época - a mulher vista apenas como objeto, seus desejos, sua presença na sociedade e, ainda, a questão
dos negros, maltratados, desprezados, explorados. O fato é que acabei não lendo o livro na época, claro, mas anos mais tarde, algo trouxe-o de volta.
Para quem se interessar, o site O prazer da Literatura traz uma bela resenha de A Carne, de Julio Ribeiro.
Referências
http://www.oprazerdaliteratura.com.br/2018/10/a-carne-julio-ribeiro.html
Tempos bicudos. Tomara que não voltem.
ResponderExcluirTexto instigante, Anita. Inclusive, fui ler o texto d'O prazer da literatura.
ResponderExcluirMe relembrei do primeiro encontro da Lenita com Manuel. Li há 28 anos, no então colegial. Tive uma professora de Literatura que marcou a minha vida. Me lembro de detalhes enquanto eu lia "A carne". Nunca saem da gente, essas memórias.
Não sabia que foi M. Bandeira que desencadeou a importância dessa obra.
Só o título do livro, creio eu, fazia com que meus pais o tivessem na biblioteca longe de meu olhar e curiosidade adolescente. As mesmas chagas de outrora continuam a existir esperando pensá-laa...
ResponderExcluirExato, Lilian, a hipocrisia de antes e de agora. A dificuldade em enxergar o outro, o desrespeito, a falta de empatia... Tudo precisa ser repensado para pararmos de repetir os mesmos erros, ainda que com novos nomes... Abraço
ExcluirÓtimo texto Anitinha!Antes nos eram escondidos alguns livros e hoje não é muito diferente alguns livros,filmes e comentários.Bebel
ResponderExcluirAnita, muito bom!
ResponderExcluirInteressante como certos temas continuam a incomodar: a liberdade de exopressar o erotismo, o desejo..
ResponderExcluirAinda bem que houve um grande avanço e as mulheres hj em dia conquistaram o direito maia do que justo de escolher seus parceiros sem serem chamadas por nomes vulgares; pelo menos isso, né, gente?! Se bem que ainda há homens que dividem as mulheres em "santas e p.."
Sempre houve é sempre vai haver isso..
Azar o deles que pararam no tempo!
Verdade, apesar do já conquistado a trancos e barrancos, temos um longo caminho pela frente ainda... Você se esqueceu de assinar. abraços
ExcluirQue recordação...cantei varias dela e hoje canto com meu neto...Adorei!!
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