sexta-feira, 1 de julho de 2022

Ecos Urbanos | Rios urbanos brasileiros

O Tietê-SP,  altura da Ponte Grande. Imagem: Divulgação
Retomo aqui a conversa sobre a urgente e necessária despoluição de cursos d'água para aumentar a qualidade de vida dos nossos ambientes urbanos e recuperar a flora e a fauna locais, devolvendo aos cidadãos águas limpas dos rios que banham nossas cidades. Antes, um pouco de memória ajuda a contextualizar.
Começo falando do emblemático rio Tietê,  cujas águas percorríamos de barco, nos anos 1960, observando os demais remadores treinando naquele trecho da capital paulista. Quando havia competições, só ficávamos assistindo das margens. Meu pai era o remador oficial da família. Só ele. Minha mãe e os filhos (minha irmã, meu irmão e eu) só nos divertíamos. Na época, éramos sócios do então clube Floresta (hoje Espéria), vizinho  de outro clube bem conhecido, o Clube de Regatas Tietê. Cada um de um lado do rio e, não sei bem o motivo, mas havia certa rivalidade no ar entre os dois. 
Enfim, todo domingo cedo era praxe - meu pai nos levava a navegar por aquelas águas, não tão escuras e malcheirosas como hoje. As marginais ainda não existiam e, por isso, tínhamos acesso direto do píer do clube ao rio. Ele punha o barco na água, ajudava todos nós a subirmos e pronto. Depois de ajeitar os remos, sentava-se de costas para a frente do barco e lá íamos nós. Ele, pedindo para não colocarmos a mão na água - nem sempre obedecíamos, verdade seja dita - e meu irmão, no fundo, puxando um barquinho de plástico na água. Depois de remar um bocado, voltávamos de volta ao clube e fazíamos piquenique na beira do rio, com direito à rede amarrada nos troncos das árvores, jamais em ganchos...

Nosso velho conhecido, o rio Tietê nasce na Serra do Mar, em Salesópolis, e percorre 1.100 km na direção oeste até desaguar no rio Paraná. Teve e tem papel importante no desenvolvimento do capital paulista, mas foi ficando muito poluído, a partir de meados do século 20, sobretudo na região metropolitana, pelos detritos industriais e esgoto lançados em suas águas. Nos anos 1980, poluído e contaminado, exalava mau cheiro. Os demais córregos e riachos das bacias hidrográficas da capital acabaram sendo retificados, canalizados, enterrados e perderam sua várzea, em função, principalmente, da prioridade dada ao transporte rodoviário. Nos anos 1990, tiveram início os projetos para a despoluição de alguns desses rios, como o Tietê, mas numa velocidade bem menor do que a esperada e necessária. Décadas e milhões de dólares depois, não sei precisar a quantas estamos. Sabesp, Cetesb, BNDES e demais investidores afirmam que a meta é despoluir totalmente o rio ate 2025. Então, oremos! 

Rio Tietê, na capital. Foto: Divulgação

No Brasil, talvez mais que em muitos países e sobretudo em áreas urbanas já consolidadas, o processo de despoluir (ou “desenterrar”) rios e córregos pressupõe uma revolução cultural e nos costumes: ensinar as cidades a valorizarem seus cursos d'água, interromper a erosão e o desmatamento da mata ciliar, eliminar as causas de poluição e assoreamento, educar a população em geral para evitar o acúmulo de lixo e de entulho que diminuem a vazão do rio e acabam gerando enchentes... Ou seja, a solução passa por todos os envolvidos: setor público nas diferentes esferas, iniciativa privada e comunidade. Mais uma vez, os planos diretores participativos continuam a ser a solução.  

No estado de São Paulo, várias cidades iniciaram esse processo, como São Carlos que, a partir da consulta popular durante a revisão do Plano diretor da cidade, conseguiu aumentar a área non aedificanti do rio Monjolinho Outros rios, como o Jundiaí, o Sorocaba e o Piracicaba, todos afluentes do Tietê, também vêm sendo recuperados. 

Rio Pinheiros, SP. foto: Divulgação

Na capital,  vários projetos visam despoluir e fazer a população reencontrar  seus rios urbanos: o Parque do Bixiga, o projeto Rios e Ruas, o Coletivo Ocupe Abrace, o Praça das Nascentes, Existe Água em São Paulo, Secura Humana e a Ocupação Guarani pelo Centro. O Pinheiros, dentro do projeto Novo Rio Pinheiros, vem sendo despoluído há anos e já com 85% dos pontos de medição dentro das metas de oxigenação e os peixes voltando. Outros córregos já recuperados são o Pirarungáua (no bairro do Ipiranga) que esteve canalizado por 70 anos, mas foi recuperado e reaberto ao público em 2008, no Jardim Botânico; o córrego do Sapé, na região do Butantã, também recuperado com a participação da comunidade; e o riacho (ou córrego) do Ipiranga (que deságua no Tamanduateí), também em processo de limpeza e recuperação de suas margens, com término previsto para setembro de 2022, por ocasião da reabertura do Museu Paulista (ou Museu do Ipiranga).

Outros estados têm outras histórias e exemplos de engajamento popular na busca por soluções sustentáveis, culturais e educativas para toda a cidade, como o caso do Rio Belém, em Curitiba, que gerou o blog Retratos do Belém - A trajetória de um rio urbano. Em outros, há notícias sobre ações de despoluição e recuperação dos principais rios que cortam as grandes regiões do Brasil, mas tudo indica que não se tem avançado muito nesse processo. 

 

O fato é que já existem provas concretas de como a relação entre a população e seus rios afeta positivamente os aspectos urbanos, ambientais, econômicos e sociais. É hora de mudar o foco e a forma de ocupar as nossas cidades, recuperar os rios, devolvendo-lhes suas várzeas, hoje impermeabilizadas e ocupadas pelas avenidas marginais que impedem o acesso da população aos cursos d'água. Não há quem não goste de caminhar, pedalar, exercitar-se ou apenas sentar-se às margens dos rios para apreciar a natureza. Acordos mundiais como a Agenda 2030 e o Acordo de Paris pelo clima, de 2015, destacam a urgência de religar natureza e urbanidade. Será que os jovens estudantes de arquitetura percebem a riqueza que têm em suas mãos, em suas cidades, para criar ambientes mais sustentáveis, agradáveis e equilibrados, tanto do ponto de vista ambiental quanto da população? Será que a geografia urbana é trabalhada a fundo nas nossas escolas de arquitetura?

 

Um processo de despoluição pode levar décadas, ou séculos, mas é preciso começar a identificar as causas da poluição e mudar. O grande desafio é pensar, realizar e manter, pois muito mais do que construir estações de tratamento de efluentes, qualquer projeto de despoluição tem a ver com educar, mudar hábitos e despertar a consciência de que somos parte da natureza e dela dependemos. Às vezes, mas nem sempre, é possível sanar erros cometidos no passado. De qualquer forma, é melhor evitá-los, porque processos como esses de despoluição (e outros como as políticas públicas habitacionais, de educação e saúde) não podem ter começo, meio e fim. São contínuos, eternos e, por isso, devem ser entendidos e assumidos como políticas de Estado. Como dizia Rabindranath Tagore, "Aquele que planta árvores, mesmo sabendo que nunca se sentará à sombra delas começou a entender a vida!" 

 

Referências 

https://www.ecodebate.com.br/2020/11/27/os-rios-urbanos-e-a-infraestrutura-verde/

https://www.iguiecologia.com/historia-rio-tiete/

https://www.pensamentoverde.com.br/meio-ambiente/como-limpar-nossos-rios/

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-42204606

https://exame.com/tecnologia/7-cidades-que-despoluiram-seus-rios-e-podem-inspirar-brasil-2/

https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/top-5-despoluicao-de-rios,2a941d40b8d6d310VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html

http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2021/08/um-rio-limpo-ao-lado-do-campus/

https://jornalzonasul.com.br/recuperar-margens-do-ipiranga-e-desafio-coletivo-ate-2022/

https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/09/icone-da-independencia-rio-ipiranga-corre-poluido-e-vira-ponto-de-drogas.html

https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/sabesp-anuncia-projeto-de-despoluicao-do-corrego-ipiranga/

https://cetesb.sp.gov.br/blog/2021/03/12/balanco-de-dois-anos-do-novo-rio-pinheiros-aponta-resultados-positivos/

https://novoriopinheiros.sp.gov.br/

https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/sabesp-anuncia-projeto-de-despoluicao-do-corrego-ipiranga/  

6 comentários:

  1. Texto cheio de informações que nos fazem falta, Anita. E também instigante, nos leva a, além de pensar, querer agir de forma definitiva.
    Como são lindas, encantadoras as águas. E cruzando os espaços urbanos, só podem além de ajudar, oferecer o oásis que hipnotiza. As sombras das margens, que falta fazem...

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  2. "Verde que te quiero verde
    Verde campos, verd. e ramas (...) (Garcia Lorca)
    Assim quero o meu Rio Verde que começa a ser colorido com outras tons que não este, da esperança!
    Espera por um grau de percepção e consciência de que a natureza é parceira da vida.
    Excelente texto, Anita! Adorei conhecer as memórias de sua vida no Tietê

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  3. Muito bom Anitinha! Texto bom de ler que nos mostra alguns rios e seu afluentes.Rio Tietê tem história como lembranças boas de algumas épocas. Curitiba o Rio Belém e sua trajetória. Parabéns!

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  4. Anita obrigado, novamente você trazendo informações e despertando o nossa atenção para causas importantes. Também conheci o Tietê no final da retificação quando me mudei pra São Paulo em 1969, ainda tinha trechos de lagoas no parque Novo Mundo, onde íamos sempre visitar primos do meu pai. Muito bom, grato.

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  5. E essa sua memória que bonito, muito sensível.

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    1. Obrigada, meu bem, como sempre falo, o blog sou eu - pensamentos, sentimentos, lembranças e desejos. Seguimos juntos, grande abraço

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