"O sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações, do mal será queimada a semente, o amor será eterno novamente.” (Juízo Final, de Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, lindamente cantada por Clara Nunes).
Ainda que o final de ano só mostre a mudança do calendário do último dia de um dado mês para o primeiro dia do próximo, costuma-se entender esse período como tempo de reflexão e de balanço, de pesar ações e reações, prós e contras, ganhos e perdas do ano que passou e, ao mesmo tempo prometer (para si próprio), torcer e esperar (para a humanidade) novas ações e atitudes para o ano que se inicia.
É sempre assim. Foi assim na virada de 2022 para 2023. Um período de
alegria e retomada da esperança. Depois do fatídico período da pandemia de
Covid-19, acreditávamos estar, com as vacinas, livres das dores e angústias da doença. Mas
se 2023 trouxe alívio com relação à covid, trouxe também desastres
climáticos, desrespeito às leis em geral, ao meio ambiente, aos povos originários e aos direitos
humanos; trouxe guerras, disputas por território, crescimento do desmatamento, de atividades ilegais, da insegurança geral nas cidades, do preconceito, do sectarismo, da intolerância; trouxe um aumento absurdo de brigas em estádios de futebol, de casos de violência contra a mulher e da ganância humana.
Enlouquecidas, como que dominadas e alienadas de si próprias, as pessoas parecem se esquecer de que todos perdem com essa violência crescente; parecem se esquecer de que a Natureza não precisa de nós -
nós é que precisamos dela; que qualidade de vida inclui a natureza e toda a gente, sobretudo, que o tripé amor/ compreensão/ inclusão é muito mais forte e leve que o ódio. Quando vejo
tudo isso, lembro-me do livro Ensaio sobre a Cegueira e da precisa voz de José Saramago descrevendo a terrível, surreal e absurda cegueira branca que envolvia a humanidade.
Por isso, na mudança do calendário, seria bom que cada um usasse esse tempo de reflexão para se questionar, de fato, usando o pensamento crítico e argumentos sólidos (e não o famoso "li" nas redes sociais). E tomasse por base aquelas famosas perguntas de Santo Agostinho: qual foi, em 2023, e qual será (em 2024) seu papel no mundo; como usou, no último ano, o tempo e os recursos naturais (ambos finitos); se valorizou as pessoas com quem convive, em todos os níveis; se fez o seu melhor em tudo e todo o bem que podia; se abrandou o coração; se se despojou do egoísmo, do orgulho e da mágoa; se agiu com os outros como gostaria que agissem com você; e, por fim, se iria de consciência tranquila se tivesse que deixar agora esta vida.
É tempo de reflexão e balanço; tempo de coragem para se olhar, nomear, decidir e se transformar.
Feliz 2024!