Ilha solteira (SP). Ruínas à vista. Wiki |
As cidades? Sobradinho, Guapé, Itá, Itaparica, Itapura, Glória ...
O motivo? Aproveitar o potencial dos rios para construir usinas e gerar energia...
O resultado? Rios represados, usinas a todo vapor, terras férteis e territórios submersos, milhares de realocados...
O presente? Novos moradores, novas perspectivas, memórias perdidas e a seca deixando à mostra ruínas dos antigos núcleos...
O futuro? Quem sabe...
Quando olhamos para trás, tudo parece tão longe.... Mas não. Se o tempo é inexorável, também o são o chamado “progresso” e as inovações tecnológicas. Muitas vezes, esse caminho acaba atropelando territórios, sociedades e suas referências geográficas, espaciais, emocionais. Para construir o “futuro” apaga-se o passado, ou parte dele. Decide-se pela submersão de paisagens, plantações, terras férteis, cidades e pelo apagamento de referências.
Foi o que houve no Brasil, com maior frequência a partir dos anos 1950 e 60, quando o potencial dos nossos rios começou a ser usado para construir usinas hidrelétricas e, assim, ampliar a geração de energia. Hoje, segundo a Agência Nacional de Energia elétrica (Aneel), o país tem mais de 200 usinas de grande porte que garantem mais da metade da nossa matriz energética. Duas delas, Itaipu (pedra que canta em tupi-guarani) e Tucuruí (rio dos gafanhotos verdes), estão entre as maiores do mundo. Isso sem contar as inúmeras pequenas usinas (PCHs) e outros tantos centros geradores.
Afinal, a tônica não é mais a construção de grandes usinas, sobretudo para evitar o alagamento das grandes áreas para os reservatórios, a perda de terras férteis e o impacto humano, emocional e ambiental dessa ação, impactos que persistem por muito tempo. Para duas ou três gerações, ao menos, restam a tristeza, referências físicas e terras alagadas, memórias esmaecidas e a mudança imposta para a nova localidade, criada para alojar os moradores do antigo núcleo, submerso...
Lago de Itaipu. Foto: Divulgação |
Outras possíveis soluções passam pelo represamento da água do mar, aproveitando a diferença de nível das marés para gerar energia, por exemplo no Nordeste brasileiro. Constrói-se um reservatório para represar a água do mar quando a maré sobe, fazendo a água passar pela turbina; quando a maré baixa, as comportas são abertas para devolver a água para o mar. Aliás, na Europa já foi testado, inclusive, o aproveitamento das ondas do mar.
Ruínas de Santo-Sé, Sobradinho-BA. Wiki |
Voltando ao Nordeste. Xingó, Paulo Afonso, Sobradinho e Itaparica são algumas das usinas que usam o potencial do São Francisco. Desde a nascente na Serra da Canastra em Minas até desaguar no Atlântico, entre Alagoas e Sergipe, o velho Chico, ao longo de quase 3.000 km, viu o alagamento de inúmeros vilarejos ribeirinhos e comunidades indígenas (sempre em prol do desenvolvimento "a todo custo”). A arte não nos deixa esquecer: Pilão Arcado, Sento-Sé, Casa Nova, Remanso e Sobradinho, cantados (aqui) em prosa e verso por Sá e Guarabira:
[...] E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia
que o sertão ia alagar....o sertão vai virar mar...
Dá no coração o medo que algum dia o mar também vire sertão..
O fato é que apesar da criação de novos núcleos urbanos, dos novos recursos, da adaptação dos mais jovens aos novos tempos, os povoados e as comunidades atingidas (sobretudo as populações mais idosas) sofreram e ainda sofrem com o corte abrupto da vida que conheciam e a perda de suas casas, terras, paisagens, referências, memórias e, em muitos casos, sua saúde mental e emocional. Torcemos para que o futuro nos traga ações e tecnologias, de fato, sempre renováveis, mais limpas e sustentáveis, mas sobretudo mais preocupadas com o ser humano e com o meio ambiente.
Para terminar, recorro à poesia. O poeta da vez é Drummond que, aos 80 anos, mostrou sua inconformidade com a destruição de Sete Quedas, então patrimônio natural do país e do mundo. O poema completo (aqui) foi publicado em página inteira do caderno B do Jornal do Brasil, edição de 09 setembro 1982.
Sete quedas por mim passaram, e todas sete se esvaíram.
Sete quedas por nós passaram,
E não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
E todas sete foram mortas,
E todas sete somem no ar,
Sete fantasmas, sete crimes
Dos vivos golpeando a vida
Que nunca mais renascerá.
Carlos Drummond de Andrade, 1982
Referências
https://revistapesquisa.fapesp.br/entre-paredes-de-concreto/
https://www.alemdaenergia.engie.com.br/brasil-tem-tres-das-dez-maiores-hidreletricas-do-mundo/
https://www.epe.gov.br/pt/areas-de-atuacao/energia-eletrica/expansao-da-geracao/fontes
https://jornalggn.com.br/noticia/cidade-submersa-de-guape-ressurge-das-aguas/
https://www.360meridianos.com/especial/sete-quedas-itaipu
https://pt.wikipedia.org/wiki/Salto_de_Sete_Quedas
http://www.memoriarondonense.com.br/galeria-single/itaipu-binacional-em-fotos/24/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Usina_Hidrel%C3%A9trica_de_Itaipu