quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Ecos Culturais| Darcy Ribeiro

Natural de Montes Claros, o mineiro Darcy Ribeiro (1922-1997), antropólogo, sociólogo, etnólogo, educador, escritor e político completaria 100 anos em 2022. Junto com o economista Celso Furtado, continua sendo uma das pessoas mais importantes para pensar, entender e refletir sobre o Brasil. Era um intelectual visionário que foi muito além da teoria; foi à ação prática, cotidiana, buscando concretizar sua utopia de país independente, diverso e educado.

Trabalhou com o Marechal Rondon, no Serviço de Proteção ao índio (SPI) de 1947 a 1955. Aos 24 anos, ex-estudante de medicina, mudou-se para uma comunidade indígena, no Pantanal, para entender como viviam os povos originários. Acabou se apaixonando por aquela cultura e lá permaneceu. Depois morou com outros povos indígenas na Amazônia, Para e Maranhão. Com os irmãos sertanistas Cláudio (1916-1998) e Orlando (1914-2002) Villas-Bôas, criou o Parque Indígena do Xingu (1961), hoje tão afrontado. Ao ser elogiado pelo muito que “teria feito aos índios”, Darcy Ribeiro respondeu, em uma de suas falas históricas, que os índios haviam feito muito mais por ele: “Eles me deram dignidade e hoje posso ir a qualquer país do mundo falar de índio".

Imagem. Arquivo Fundação Darcy Ribeiro-FUNDAR, RJ
Conviveu com o educador Anísio Teixeira(1900-1971) e passou a defender a educação pública gratuita e de qualidade para todos. Dizia que sem a educação, os colonizadores acabariam vencendo. Vem daí outra de suas frases seminais, no início dos anos 1980: “Se os governantes não construírem escolas, em vinte anos faltará dinheiro para construir presídios". Foi ministro da Educação e chefe da Casa Civil no governo de João Goulart (1919-1976), no período de 1961-64, derrubado pelo golpe militar. Exilado, lecionou e participou da criação e reforma de diversas universidades na América Latina. De volta do exílio, foi vice-governador do Rio de Janeiro, no governo de Leonel Brizola (1922-2004), pelo PDT, no período de 1983-87, e senador da República (de 1991 até sua morte) quando criou o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996), a chamada Lei Darcy Ribeiro, ainda em vigor e que “estabelece pontos para a formação dos profissionais de educação, para garantir o acesso de toda a população à educação gratuita e de qualidade, para valorizar os profissionais da educação e do dever da União, do Estado e dos municípios com a educação pública”.

De seu legado vale destacar: a criação do Parque Nacional do Xingu (1961) e da Universidade de Brasília – UnB (1962), da qual foi reitor; a criação, como vice-governador de Brizola, dos CIEPs - Centros Integrados de Educação Popular, escolas de tempo integral que, além da educação formal, cobriam atividades nas áreas de música, arte, esporte, literatura; a criação do Museu do Índio (1953), do Memorial da América Latina (1989), em São Paulo; do Monumento a Zumbi dos Palmares (1986), no Rio; e do Sambódromo (RJ) em 1984, que deveria ser usado como escola nos períodos fora do Carnaval). Escreveu livros, romances, ensaios, além de ser tema de inúmeros trabalhos acadêmicos.  

Aos 72 anos, em 1994, Darcy teve um problema de saúde e quase morreu. Na ocasião, tribos indígenas fizeram inúmeros rituais por sua cura. Em 1995, Darcy fugiu do hospital para concluir seu livro O Povo Brasileiro - a Formação e o Sentido do Brasil, um clássico que virou documentário. Dizia: "O Brasil é um gênero novo humano. Fundir herança genética e cultural índia, negra, europeia num gênero humano novo. Numa coisa nova. Nunca houve. Isso é a aventura brasileira". Morreu em Brasília em 1997 e ainda escreveu a autobiografia Confissões. Sua maior tristeza era ver que o novo Brasil ainda não tinha dado certo, pois crianças ainda choravam de fome enquanto uns poucos se refestelavam em esbanjamentos e desperdícios. Dizia que o país não tinha memória! Alguma semelhança com o Brasil de hoje?

Sua frase mais emblemática, talvez, seja aquela que disse ao receber o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade Sorbonne, em Paris, e que resume sua carreira de forma brilhante:   

 Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.

Em 1992 Darcy foi eleito para ocupar a cadeira nº 11 da Academia Brasileira de Letras (ABL), mas isso não importa. O que importa é que imortal mesmo é sua obra. Esta, sim, eterna, brilhando como um farol! Com esperanças renovadas, torcemos para que seus sonhos se realizem, fazendo florescer um novo Brasil, diverso, desenvolvido, inclusivo, com educação séria, crianças alfabetizadas e povos originários respeitados. Tomando emprestado o título de seu livro, Viva O Povo Brasileiro, mas, sobretudo, viva Darcy Ribeiro, Brasileiro com B maiúsculo! 

Referências

Cortella, Mário Sérgio em texto extraído do programa "No Meio do Caminho", da CBN, em 26 out. 2022

https://noticias.unb.br/39-homenagem/1261-nos-20-anos-da-morte-de-darcy-ribeiro-uma-entrevista-imaginaria

https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2022/10/26/100-anos-de-darcy-ribeiro

https://revistapesquisa.fapesp.br/a-chama-da-utopia/

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63393757 https://anitadimarco.blogspot.com/2021/04/ecos-urbanos-compaz-centros-auspiciosos.html

6 comentários:

  1. Excelente, Darcy, dos nossos maiores brasileiros e que olhou para o nosso povo com a visão acolhedora e educadora.

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  2. Excelente texto deste gênio brasileiro.Darcy Ribeiro, sempre será lembrado por todas as suas obras,feitos e dedicação a esse País chamado Brasil.

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  3. Que legado incrível nos deixou Darcy! Tive a sorte de estudar no Mespt, na UnB, para ver de perto seu tamanho! Em 2012, os yawalapiti fizeram um Kuarup para ele, veja o vídeo que a Revista Darcy fez, é emocionante!

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  4. Meu Deus! Que linda trajetória. Não sabia que ele era de Montes Claros, nem que tinha criado o Parque do Xingu.
    Sim, era pro Brasil ter crescido mais e melhor.
    Surpreendente o tanto de feitos gigantes desse estudioso!

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  5. Anita, agradeço este seu texto! Não sabia da importância do Darcy para o Brasil. Infelizmente, o Brasil ainda está muito distante do Brasil que ele sonhou!

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  6. Em tempo, exposição 100 anos de Darcy Ribeiro, no Sesc 24 de maio em SP até 20 março 2023.

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