sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Ecos Geográficos (1/3) | A origem

A série dos próximos três posts de Ecos Geográficos (A origem; Paisagem Interrompida; e Saltos Submersos) surgiu a partir do pedido de um grande amigo e leitor assíduo do blog Anita Plural, alguém que conheço desde os primeiros tempos da universidade. Foi assim.

Um belo dia, assim que enviei aos amigos o link para uma das minhas postagens, Akio Baba, marido da também querida Eliana, mestre e engenheiro elétrico pela Escola Politécnica-USP e professor aposentado do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em São José dos Campos, respondeu à minha mensagem com uma pergunta, no mínimo, inusitada: – Anita, quando você vai escrever sobre o fantástico salto de Itapura?

Surpresa pela questão, surgida assim do nada (afinal, o link que lhe enviara nada tinha a ver com saltos, cachoeiras, cataratas ou algo do gênero), fiz minha bateria de perguntas habituais: – Oi? Quando? Como? Onde? Por quê?

E ele: – Ora, como assim por quê? Porque as pessoas precisam conhecer a história desse salto lindíssimo. 

Então, tá. Ficou decidido que eu iria acatar o pedido do meu amigo. E lá fui eu pesquisar mais a fundo sobre Itapura e, é claro, a coisa foi tomando corpo e ficando bem maior do que eu esperava. Daí a divisão em três postagens, para não cansar o leitor.   

Bom, quando eu era criança, ouvia falar da construção de hidrelétricas, como o Complexo de Urubupungá, formado pelas Usinas de Ilha Solteira e Jupiá, no rio Paraná, e Três Irmãos, no Tietê; depois, a história do Salto de Sete Quedas, Itaipu e por aí vai. Falava-se da inundação de geografias, paisagens, terras agricultáveis, cidades, praças e ruas para formar os lagos para as hidrelétricas, já que toda usina precisa de lagos. Ilha Solteira, então, concluída em 1978, tem um reservatório de quase 2 mil m². Já o de Jupiá (Usina Engenheiro Souza Dias), concluída em 1974, a jusante de Ilha Solteira, é seis vezes menor, com 330 km², pois a usina não precisava de grandes reservatórios já que  funcionava a “fio d’água”, ou seja, aproveitava a força da correnteza do rio para gerar as turbinas.

Bom, é evidente que proporcionais ao tamanho desses reservatórios são os impactos ambientais e sociais da construção dessas usinas: alagando extensas áreas ribeirinhas, alterando o ciclo das cheias, interferindo no meio ambiente, na vegetação nativa, na flora e na fauna da região, destruindo partes da vida das populações envolvidas – casas, propriedades rurais, matas –, realocando milhares de pessoas, só para citar os principais. Naqueles anos de chumbo (1964-1985), eram quase inexistentes os estudos sobre impactos ambientais e sociais e, apesar dos protestos (sempre inibidos), os projetos de infraestrutura energética continuavam a todo vapor.

No caso de Ilha Solteira, por exemplo, os nascidos nas décadas de 1940, 50 ou 60 devem lembrar-se do chamado “Profeta das Águas”, o Aparecidão, nascido Aparecido Galdino Jacintho. Como o líder religioso Antônio Conselheiro fez em Canudos, no sertão da Bahia do final do século XIX,  o Profeta das Águas também se transformou num líder religioso, construiu uma capela em suas terras e dizia que sua missão era impedir a construção da barragem para proteger suas terras e suas gentes. Foi acusado de subversão pelo regime militar, ficou preso por dois anos e internado num manicômio judicial por mais sete. Sem sua liderança, os camponeses foram removidos para outras regiões. O documentário Profeta das Águas, lançado em 2017, conta a história de Aparecido Galdino (ver trailer aqui.)

Por que estou falando disso? Porque Akio me deu a dica (obrigada, meu amigo!) e também porque é preciso conhecer a história em geral, da civilização, das sociedades, dos países, dos povos, dos inventos, da tecnologia, da arte, da literatura e, principalmente, a nossa própria história que é abrangente, extensa, longa e inclui - história, geografia, sociologia, antropologia, filosofia, cinema, teatro, arte, poesia, economia, engenharia, arquitetura, medicina etc... Tudo está sempre interligado, como os quadros de um mesmo filme.

Em tempo: nas próximas semanas, mais duas postagens sobre o tema.

Referências

https://ferdinandodesousa.com/2019/04/18/as-usinas-do-complexo-hidreletrico-urubupunga-no-rio-parana/
http://www.spcidades.com.br/cidade.asp?codigo=537
http://www.marinaurubupunga.com.br/conteudo.php?id=27p
https://www.mundovestibular.com.br/blog/rio-tiete
https://abcine.org.br/site/o-profeta-das-aguas/

13 comentários:

  1. Adorei o novo assunto. Esperando as próximas postagens.

    ResponderExcluir
  2. Morava numa fazenda em Rifaina. Quando me casei em 1963.
    Uma casa de pé direito alto com janelões bastante rústica.
    Essa sede ficava acima da estrada de ferro da Mogiana.
    O trem misto (carga e passageiros) saia de Franca e descia a serra passando por Pedregulho e outras diversas pequenas cidades chegando a atravessar o Rio Grande até Conquista e Sacramento.
    Eu convivi com o processo de desapropriação e a construção do canteiro de obras.
    Meu sogro era um homem muito inteligente e soube negociar bem a desapropriação.
    Além de beneficiar-se das máquinas para pequenas obras que ele fez no restante da fazenda.
    Lembro com tristeza quando derrubaram árvores e demoliram casas e barracões de currais.
    Parte da cidadezinha e a estrada de ferro.
    Passados 60 anos o lago tornou-se um atrativo turístico com pousadas, condomínios e esportes nas águas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Silvia A., querida, você não assinou, mas que bom que comentou aqui também.... Essas histórias são importantes e a gente precisa contar para filhos, netos, amigos para que nada se perca ... Beijos e obrigada

      Excluir
  3. Não fazia ideia de que tinha existido o profeta das águas e que tinha ele foi reprimido tão fortemente durante aqueles anos. Hoje, a preocupação com os impactos ambientais/sociais é impossível de não se considerar. Ótima sugestão de tema e o texto ajuda a ir desenrolando um fio temporal que organiza melhor toda essa mudança de mentalidade que nossa sociedade vem passando em relação ao tema. Ansioso pelos próximos capítulos! ❤️❤️❤️

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Daniel, por isso é preciso estudar, pesquisar e ter uma educação de qualidade para formar cidadãos críticos com conteúdo e com dados reais, né? Obrigada, querido, ....vai ganhar estrelinha pelos seus comentários!

      Excluir
  4. Quanto se aprende em seu blog, Anita. Estive em Itapura, a que foi 'reconstruida' , bem melancólica, até uma casa onde Pedro II tinha dormido foi refeita..E vc disse bem, boa parte feira na ditadura, como furnas, famílias sem qualquer instrução que moravam há gerações, receberam indenização mereça e não sabiam como investir, odo pessoal de Guape muito abriram pensão em BH.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. José Marcelino, você não assinou, mas sei que é você .... Tudo obscuro, né? E tbm me disseram que o salto era lindo.... Pena que a solução adotada não foi capaz de respeitar tudo, tecnologia e meio ambiente. .. obrigada por comentar ...abraços

      Excluir
  5. Interessante seu texto Anitinha! Conhecimento para mim de uma dessas represas que não sabia.Muito bom!

    ResponderExcluir
  6. Obrigada, Anita, pelo acréscimo de conhecimentobtrazido por suas postagens!!!

    ResponderExcluir
  7. É a abertura linda para grandes aulas suas, Anita!
    Que venham sempre! Que bom gosto de texto você tem... e adorei os títulos dos três próximos. A correnteza vai se avolumar e ainda veremos um livro!..

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valquíria, você tem o dom de me alegrar e de me estimular quando estou em períodos de desânimo.... Obrigada, querida....

      Excluir
    2. Que é isso... você tem muita força! Seus textos são muito necessários.

      Excluir