sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Ecos Literários | Os muitos eus de Fernando Pessoa

Heterônimo e pseudônimo não são sinônimos. Um artista ou autor, por exemplo, pode criar pseudônimos para assinar uma obra sua e, assim,
ocultar sua
verdadeira identidade para fazer experimentos, reagir a preconceitos (como mulheres que assinavam seus escritos com nomes masculinos porque a sociedade da época não aceitava tal papel)  etc. Heterônimo, por sua vez,  é bem mais que outro nome; é uma persona imaginária. São outros eus com outras histórias de vida, outras biografias, características, idiossincrasias, estilos... Heterônimo é uma criatura diferente de seu criador, o autor.

O genial, multifacetado e atemporal poeta, tradutor e crítico literário português Fernando Pessoa (1888-1935), que marcou o modernismo, é, um dos mais famosos criadores de heterônimos. Suas principais criaturas, Alberto Caieiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares mostram, em seus poemas, estilos totalmente diferentes.  

• Alberto Caieiro, criado por Pessoa em 1914, teria nascido (1889) e falecido (1915) em Lisboa. É, por muitos, considerado o alterego de Fernando Pessoa. O poeta criou um Caieiro órfão, que viveu a maior parte de sua vida no campo com uma tia e, por isso valorizava a simplicidade e as coisas puras, privilegiando o sentir sobre o pensar. Era descrito como objetivo e chamado de “mestre” pelos demais heterônimos. É dele O Guardador de Rebanhos, com 49 poemas, em linguagem bem acessível, como os dois trechos abaixo:

Poema O guardador de rebanhos (trecho)
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
(…)
 

XX
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. [...]

• Álvaro de Campos, criado em 1915, esse outro "eu" de Pessoa nasceu em Tavira, no Algarve (1890), falecendo em Lisboa em 1935. Engenheiro naval e mecânico, formado na Escócia, era cosmopolita, pessimista e emotivo. Gostava de viajar, cultuava a velocidade, a máquina e as sensações. Falava também do cansaço e da depressão de sua geração. Escrevia versos livres e virou discípulo de outro heterônimo, Alberto Caieiro. A seguir, trechos bem conhecidos:

Poema Tabacaria (trecho)
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(...)

Poema em Linha Reta (Trecho).
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo
eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil.
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes, não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapete das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante.
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda
(...)

• Ricardo Reis foi criado apenas em 1913. Nascido no Porto (~1887), foi educado em escola jesuítica, teve influência da cultura greco-romana, dos epicuristas e dos estoicos, e rejeitava sentimentos exacerbados. Médico, defendia o regime monárquico e foi para o Brasil em 1919, quando Portugal virou república. É considerado o poeta clássico dos heterônimos, por escrever odes. Destacava as boas formas de viver, a serenidade e o preceito grego do “carpe diem” (“aqui e agora”). Fato interessante é que, como Pessoa não identificou o ano da morte de Ricardo Reis, outro escritor português - José Saramago (1922-2010) -, ao escrever o livro O ano da morte de Ricardo Reis, situou a morte desse heterônimo, e protagonista de seu livro, em 1936. 

 

Poema: Põe quanto és no mínimo que fazes  

Para ser grande, sê inteiro: nada  

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Poe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.  

 

Poema: Segue o teu destino
Segue o teu destino, 
Rega as tuas plantas, 
Ama as tuas rosas. 
O resto é a sombra 
De árvores alheias. 

[...]

 

Já o "Livro dos Desassossegos", numa espécie de prosa, mostra seu autor, o outro heterônimo, Bernardo Soares, como um guarda-livros de Lisboa, ao lado do próprio Fernando Pessoa

 

O fato é com ou sem heterônimo, Pessoa sempre capturou, com seus escritos, nossos corações. Ler Fernando Pessoa, aquece a alma e nos transporta a outros mundos. Viva a literatura, viva a poesia! 

Referências

https://www.portugues.com.br/literatura/ricardo-reis.html

https://www.youtube.com/watch?v=KEEuSALOams

https://brasilescola.uol.com.br/literatura/alvaro-de-campos.htm

https://www.ebiografia.com/heteronimos_fernando_pessoa/ 

https://www.culturagenial.com/poema-tabacaria-alvaro-de-campos-fernando-pessoa-analisado/

6 comentários:

  1. Exemplos que nos levam a imergir nas poesias dos heterônimos de Pessoa, sempre bem vindos ! Obrigada, Anita!

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  2. Nao voltei a atençao pra Fernando Pessoa e devo pedido muito com isso. Desisti porque ao ler uma de suas famosas plublicaços (Colegio Liceu?) mostra-se a meu ver cansativo ao descrever pormenores daquele estabelecimento de ensino
    Cansei. Entao desisti e perdi.

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  3. Ótimo apanhado deste escritor incomum

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  4. Interessantíssimo!
    Como foi genial Fernando Pessoa...
    Eu não tinha me dado conta do porquê do título do livro do Saramago.
    Excelente, Anita!
    Abs

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  5. Viva "...Pessoa na pessoa". Obrigado Anita, olhar um pouco para o Heterônicos nos fazer ver várias pessoas no Pessoa. Lindo.

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