Recuando no tempo, vou tentar contar essa história um tanto confusa. Recomendo a leitura do artigo de GHIRARDELO e FERRARI para os interessados. Em1858, o governo imperial construiu dois postos militares para defesa e futura ocupação - Itapura e Avanhandava, os quais herdaram seus nomes dos respectivos saltos. O local escolhido para a colônia militar de Itapura foi "o pontal do Tietê-Paraná, no chamado “sertão do Itapura”, entre os Saltos de Itapura, Urubupungá e Jupiá, a aproximadamente 13 quilômetros da foz do Tietê no Paraná, à sua margem direita, junto ao Salto do Itapura". (GHIRARDELO e FERRARI). Itapura foi pensada ainda para ser uma cidade com plano topográfico moderno e regular, com malha em xadrez. No entanto, com a dificuldade de acesso pelo rio a esses postos e com o fim da guerra do Paraguai (1864-1870), as duas colônias perderam a importância estratégia e foram desativadas.
Quase 50 anos depois, em 1905, só havia ruínas por ali; em 1910, os trilhos da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil deram origem a um novo povoado ao redor da Estação Itapura. A antiga colônia militar, considerada de caráter único, dentre as demais colônias, teve, então, uma trajetória para lá de sinuosa: foi anexada a Monte Aprazível (1924), mudou de nome (Novo Oriente), teve a sede transferida, parte de suas terras vendidas e, por fim, em 1959, com sede no antigo povoado, foi recriado o Distrito de Itapura.
Salto de Itapura. Wikicommons. |
Ruínas da antiga Usina Eloy Chaves. |
Uma nova cidade foi criada em 1969, para realocar os habitantes da antiga Itapura. Vale lembrar que Itapura, em tupi-guarani, significa pedra que emerge das águas. Hoje, com menos de 5.000 habitantes, a estância de Itapura vive do turismo, da pesca esportiva, dos passeios pelas corredeiras, cachoeiras, dos mergulhos, da hidrovia e eclusa Paraná-Tietê. Com guias especializados, os mergulhos levam os turistas a visitar os vestígios do que foi submerso pela Usina de Jupiá, em 1968: partes da antiga Itapura; ruínas da antiga usina Eloy Chaves; o Salto de Itapura (a 32 m de profundidade); e (a 20 m abaixo da superfície), o Tamandathay, um vapor militar imperial de 1860 comprado dos ingleses e que naufragou em 1883 nas águas do Tietê; segundo seu diário de bordo, "sem sacrifício de nenhuma vida”.
Antigo Palacete do Imperador. Foto: Divulgação. |
Único remanescente da velha colônia, o antigo casarão do comandante naval foi tombado em 1969 pelo Condephaat e, hoje, está em fase final de restauração. Ótima notícia para a cidade, a cultura e a memória; para despertar o interesse da sociedade pela sua história, valorizar nosso patrimônio e, talvez, formar mão de obra especializada na área de conservação e restauro. A proposta do município é instalar no edifício restaurado a Secretaria de Turismo, uma biblioteca e um museu fotográfico. Abaixo, o palacete em fase final de obra. Imagem divulgada pela Gestour.
Palacete do Imperador |
Em infinitas camadas de tempo muito distantes entre si, num trabalho lento e minucioso, a natureza vai construindo e moldando a paisagem; em poucos anos e em poucas camadas de tempo, talvez duas ou três, na nossa visão estreita e imediatista que não admite o contraditório, nós nos apropriamos dessa mesma paisagem, a modificamos, a destruímos e a substituímos.
Muitas vezes, a natureza se revolta e retoma o que lhe tiraram; esta é apenas uma constatação, não uma previsão. Talvez, agora, seja tempo de, urgentemente, repensar e procurar novas formas de interagir com o meio ambiente e de devolver, na medida do possível, as matas, os cursos d’água, os rios, os saltos e a paisagem natural à paisagem e às suas gentes. Termino com uma frase do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898 -1956): “...Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento, mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem”.
Referências
MARTIN, Andrey Minin. Pelas páginas do progresso: Memórias e Discursos na construção Hidrelétrica no Alto Paraná. Assis| Unesp, 2012
https://amitesp.com.br/municipios/itapura/itapura-132706
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/itapura/historico
https://www.hojemais.com.br/andradina/noticia/geral/itapura-conquista-mais-de-r-1-milhao-para-recuperar-e-restaurar-o-palacio-do-imperador
https://www.youtube.com/watch?v=3rYIFLcWw5E&t=25s
https://www.unisantos.br/pos/revistapatrimonio/paineleaca.html?cod=816
https://pt.wikipedia.org/wiki/Itapura
https://www.guiadoturismobrasil.com/cidade/SP/98/itapura
https://itapura.sp.gov.br
https://www.marinaurubupunga.com.br/
https://www.cidadesdomeubrasil.com.br/sp/itapura
Belo texto!
ResponderExcluirBela reflexão!
Esperemos que a cada reflexão …poderemos introjetar a existência de vários saberes, olhares sobre o mesmo fenômeno e então conseguirmos deixar fluir o rio naturalmente entre as suas margens compactas ou nas planícies aluviais…
Profundidade e concisão, Anita. Com os rios que não correm e saltam mais, ao menos cuidem das matas ciliares das margens das represas, nem que seja para aumentar sua vida útil .
ResponderExcluirUm banho de historia desconhecida por muitos
ResponderExcluirMuito bom texto. Eu desconhecia. Adorei. Parabéns 👏👏
ResponderExcluirMuito bom seu texto! Assim vamos conhecendo um pouco desta história escrita por você com todo cuidado.👏👏👏
ResponderExcluirLindo texto. A gente vê as imagens, o que devia ser antes ... dá aquela nostalgia do que foi vivida pelos antigos moradores.
ResponderExcluirTudo tão poético. Sim, é urgente mudar de paradigmas e técnicas.
Parabéns, Anita!
Ótimo texto. Já passou da hora de rever os manejos com a natureza
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