quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Ecos geográficos | Tristes Trópicos

São deprimentes, estarrecedoras e chocantes as imagens mostrando as condições humanitárias, sanitárias e de saúde do povo Yanomami. São pesadas, vergonhosas, revoltantes e não refletem a menor gota da tal caridade preconizada por uns e tão cobrada por outros, mas só na teoria, porque sua prática tem sido exatamente o inverso. Ao mesmo tempo, quem tem olhos de ver, percebe uma total inversão de valores da sociedade. Tristes Trópicos, tristíssimos. De novo, o antropólogo francês Lévi-Strauss estava certo... 

Lamentavelmente, é tragédia anunciada. No final da década de 1970, lembro-me de ter participado de manifestações em defesa dessa etnia, já ameaçada. E essa é só uma. Outras tantas existem e isso não é “fake”, notícia falsa, mentirosa ou inventada. Basta pesquisar em veículos sérios (não em grupos de WhatsApp, FB e congêneres) sobre as atividades ilegais de garimpo, extração de madeira, narcotráfico e crime organizado em toda a Amazônia.

Já existe um sem número de documentários sobre o tema, dentre eles: A Última Floresta, trailer aqui, escrito por Davi Kopenawa Yanomami e Luiz Bolognesi. O filme aborda o cotidiano do povo Yanomami, sua origem, o avanço do garimpo ilegal e suas consequências trágicas, bem como o feitiço do ouro. Uma das frases mais fortes do documentário é do próprio Davi Kopenawa que, há poucos dias, esteve nos Estados Unidos, a convite da Universidade de Princeton para expor e discutir, mais uma vez, a situação de seu povo: 

As mercadorias deles podem enfeitiçar a gente. Eles parecem bons. Querem ajudar. Mas quando você fica sozinho, ninguém se importa com você e você passa fome. Tem fome e não tem o que caçar. Não te dão um lugar para dormir. Somente na nossa floresta você pode dormir em paz.  (Davi Kopenawa)

Destaco, também, a animação Amazônia sem Garimpo, narrado em yanomami, legendas em português, com direção, produção e roteiro de Tiago Carvalho. A animação é fruto de um trabalho realizado em parceria com a Fundação Osvaldo Cruz - Fiocruz para avaliar o impacto do mercúrio, usado no garimpo em áreas protegidas, metal que envenena animais, rios por décadas e centenas de quilômetros e os povos da floresta. É preciso conhecer o povo yanomami:

Os brancos não nos conhecem. Seus olhos nunca nos viram. Seus ouvidos não entendem nossas falas. Por isso, eu preciso ir lá onde vivem os brancos. (Davi Kopenawa)

Outra reportagem do lúcido jornalista Bob Fernandes (aqui) traz os capítulos de uma verdade chocante que muitos insistem em negar.  E, mais uma vez, a literatura se apresenta e eu me lembro de Saramago em seu Ensaio sobre a Cegueira. 

Divulguem sem dó, mostrem a premência de sacudir as pessoas, de conscientizá-las sobre a urgência de salvar os povos originários, os primeiros habitantes e, junto com as florestas que eles protegem, o oxigênio da Terra. Eles têm direito às suas terras, à saúde, a viverem sua cultura, suas tradições e seu modo de vida em ambiente protegido. Todos têm. 

Uma sociedade, uma mídia, um 'mercado' e os grupos que destroem o próprio indivíduo, sua própria herança ancestral, tradição e natureza estão fadados à destruição. Tristes trópicos, triste mundo. Que despertemos, que tenhamos consciência e  saibamos dizer não à banalização do mal e, sobretudo, interromper essas tragédias anunciadas; que saibamos aproveitar nossa rica diversidade, honrar nossa humanidade, nossa estada aqui na Terra, fazer jus à riqueza do nosso país e compartilhá-la com todos aqueles que aqui vivem. Respeitar, honrar e possibilitar vida digna a cada ser humano (e não apenas a alguns) é dever de toda sociedade civilizada e o ponto central de todas as religiões. 

Referências

Amazônia sem garimpo: https://www.youtube.com/watch?v=WAVOR3Ob1_g&t=3s

Bob Fernandes: Um Brasil doente finge não ver o genocídio dos Yanomami, não ter sido golpeado pelos militares, no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=gsHAbPdqIH8

Documentários sobre indígenas: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/8-documentarios-sobre-as-culturas-indigenas/

Filme A última floresta: https://amazoniareal.com.br/a-ultima-floresta-e-um-olhar-de-urgencia-pela-protecao-dos-yanomami-diz-diretor/

Jornalismo do Centro do Mundo: https://sumauma.com/

Netflix: https://www.netflix.com/br/title/81503933

5 comentários:

  1. Triste/dramatico destino de nossos semelhantes das florestas como se nao bastasse a situaçao precaria dos favelados de.nossas metropolis. J.campos ribeiro

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  2. É um verdadeiro grito. Seu texto, nosso horror, aquilo que vc diz sobre "não banalizar o mal".. tudo isso, que nem parece verdade.
    Assisti a animação, gostei muito. Lindo.
    Depois vou ver as outras indicações suas.
    Abs, Anita.

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  3. Anita, seu texto é um grito de socorro! Que ele seja ouvido! Que ele toque o coração e a consciência das pessoas! É muito triste!

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  4. Estou sem palavras! Texto forte e marcante, para nós que buscamos o bem, ver isso acontecendo incomoda profundamente ! É preciso agir!

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  5. Ótimo texto Anitinha! Nos entristece ver o descaso de governo,políticos, sociedade não se importarem com os nossos irmãos indígenas. Eles merecem o nosso respeito.

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