quinta-feira, 6 de abril de 2023

Ecos Culturais | Colorismo

Gradações do tom de pele. Creative Commons.
Outro dia, em uma de minhas muitas leituras aleatórias – mas nem tanto –  vi o termo “colorismo” e pensei em algo relacionado ao uso da cor, do colorido. Não era. Conforme descrito no texto, o termo colorismo surgiu pela primeira vez, em 1982, no livro  If the Present Looks Like the Past, What Does the Future Look Like? (Se o presente se parece com o passado, como será o futuro?), da escritora Alice Walker (1944). No livro , colorismo é usado como uma forma de classificar as várias gradações e tonalidades da pele negra. Walker é autora do romance A cor púrpura, de 1983, adaptado para o cinema por Steven Spielberg. Além de colorismo, Walker defende o uso de termos como mulherista (womanist) e mulherismo (womanism), diferenciando-os do chamado feminismo e justifica dizendo que uma mulher negra não se identifica, naturalmente, com as demandas do feminismo branco.  

Embora nem sempre gostemos de admitir, o fato é que o tom da pele acaba determinando a maior ou menor aceitação e/ou inclusão dos negros na sociedade. Basta lembrar as atitudes da nossa sociedade, em geral, em qualquer ambiente e as inúmeras “adjetivações” que, de certa forma, escondem e suavizam a etnia negra: cor de jambo, café com leite, marrom, cor de jabuticaba, retinto, azul e por aí vai, como se isso tornasse o indivíduo mais ou menos branco, ou mais ou  menos negro. Talvez porque a escravidão ainda seja uma chaga vergonhosa e recente, talvez porque esse conceito ainda está entranhado em nós, talvez por puro preconceito mesmo, essa classificação também remete a um lugar de pertencimento, à divisão de trabalho, de  atividades e de papeis a desempenhar. Ocorre que muito em função do tipo de colonização que tivemos, dos 300 anos de escravidão e de uma abolição mal resolvida, a sociedade e a história oficial repetem, incessantemente, o modelo que mostra os negros como sujeitos "não pertencentes" universo dos brancos, ou indignos de alcançar e ocupar "certas posições". Afinal, há não muito tempo, a própria igreja católica dizia que negros não tinham alma.

É fato que a sociedade precisa pesquisar mais, refletir e reeducar-se com relação a esse e a outros aspectos também. Disso não há a menor dúvida, mas é preciso lembrar que o mal maior começa nas escolas. É no ambiente escolar que ocorre o primeiro contato de qualquer pessoa com um grupo além do familiar, numa espécie de microssociedade. Ora, o fato de colegas diferenciarem outras crianças pelo tom de pele (diferença que, com certeza, foi aprendida em casa), quase sempre, provoca sentimentos de exclusão, baixa autoestima e um conflito interno que pode persistir pela vida toda. Como local de aprendizado, a escola tem obrigação de estar atenta e evitar tais formas de simplificação e segregação. É imperativo ensinar a tolerância, o respeito e o colocar-se no lugar do outro com uma simples pergunta: E se fosse comigo?

É fundamental valorizar a riqueza da diversidade – das diferentes cores, etnias, culturas, línguas, tradições, habilidades, modos de vida, saberes e fazeres. É assim que o patrimônio cultural de um povo se forma e que uma nação de cidadãos (com C maiúsculo) se produz. Daí a importância de um currículo escolar amplo que resgate as diferentes culturas, em especial a afro-brasileira, da qual também somos herdeiros. Nosso país é um imenso cadinho e, em maior ou menor grau, somos todos herdeiros dos indígenas, europeus e africanos. Ponto. Pura bobagem achar que somos melhores ou piores. Somos todos iguais. Bom, talvez um pouquinho diferentes, cor dos olhos, cabelos, gênio, mas no fundo, somos iguais: Eu sou porque todos somos! Ubuntu!

Aliás, pesquisas realizadas pela doutora Lygia da Veiga Pereira, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo - USP, provam isso (ver aqui). A pesquisadora explica que somos 99,9% idênticos, o que significa que as desigualdades, as diferenças entre cada ser humano (cor dos olhos, cabelo, feições) concentram-se no ínfimo índice de 0,01% do nosso DNA. Dra. Lygia é  pesquisadora e coordenadora do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE USP), laboratório que desenvolve pesquisas voltadas ao tratamento e à cura de diversas doenças.

Logo, cabe a cada indivíduo, qualquer que seja sua área de atuação e qualquer que seja sua religião, ser coerente com a religião que professa, posicionar-se para superar esse padrão tão introjetado na nossa sociedade e banir das nossas relações esse eufemismo cruel de “branqueamento” e da imposição de papeis sociais pelo tom de pele.  

Referências

https://www.politize.com.br/colorismo/

https://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/precisamos-falar-sobre-colorismo-populacao-negra-uni-vos/

https://www.em.com.br/app/noticia/pensar/2021/08/06/interna_pensar,1293294/livro-reune-os-ensaios-de-alice-walker.shtml

https://mwpt.com.br/ufsc-lanca-glossario-da-diversidade/  

https://anitadimarco.blogspot.com/2020/12/ecos-humanos-dna-e-filosofia-ubuntu.html 

https://anitadimarco.blogspot.com/2018/10/ecos-imateriais-ubuntu.html

8 comentários:

  1. Ei, Anita! Muito legal essa reflexão! O colorismo é um tema cada vez mais evidente na nossa vida. E precisamos falar sobre ele.

    ResponderExcluir
  2. Anita, texto interessante, mas precisarei ler mais algumas vezes para entender! De qualquer forma, Anita é cultura!!!!!! Muito obrigado pela oportunidade de conhecer um pouco mais! Bjs

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pelo texto Anita! Verdades que sempre precisam ser ditas! Marina

    ResponderExcluir
  4. Colorismo é uma palavra bonita. Também achei que fosse referente a outra coisa...
    Me lembro quanto chorei assistindo A cor púrpura.
    Essas heranças não têm fim, nos quesitos sofrimento, dor, injustiça, revolta.
    Esses estudos da Dra Lídia, que você traz, acabam de avassalar com os que têm restos de preconceitos.
    Restos e não poucos, infelizmente.
    Passou da hora de acabar com essas situações que se arrastam.
    Quando você fala do currículo escolar, aí o quadro muda.
    Parabéns, Anita. Precisamos sempre pensar e refletir...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, Valquíria, eu me pergunto até quando a sociedade humana vai continuar falhando tão terrivelmente... Abraços ...

      Excluir
  5. Fabuloso , Anita, clareza e argumentação impecáveis. Sugiro também o livro A falsa medida do homem, de Stephen Jay gould, que mostra o peso da ideologia no QI e nas teorias racistas e de superioridade masculina.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, conheço o livro de nome, mas ainda não li. Vai entrar para lista, infindável.... Obrigada

      Excluir