sábado, 27 de julho de 2024

Ecos Urbanos | A peste moderna (1/2)

Médico na época da Peste Negra. Divulgação
Ao longo dos tempos, vários flagelos e pragas atingiram a humanidade, como, por exemplo, a peste negra, transmitida pelas vias respiratórias, por contato com o doente ou por pulgas infectadas presentes em ratos. Só para falar das mais próximas, lembramos a terrível gripe espanhola ocorrida no começo do século XX e a recente pandemia de Covid-19. Na época medieval, a peste negra foi uma tragédia para a Europa, numa época de crise de valores, falta de higiene, habitações precárias, mudanças no clima, fome, violência e revoltas. 

Coincidentemente, hoje, no primeiro quartel do século 21, também vivemos crises de valores, violência, eventos climáticos extremos, ataques ao meio ambiente, miséria, déficit habitacional e carências várias. Será então que podemos comparar o que hoje vivemos (disseminação do ilícito, de drogas cada vez mais potentes, da violência, da ação nefasta das milícias e do crime organizado se espalhando como tentáculos de um polvo...) como uma nova epidemia, uma nova peste, um flagelo moderno? Seria esta uma comparação certeira, descartável ou questionável? Será que podemos dizer ainda que, como a peste ou a covid, o vício, o crime organizado, a ação das milícias, a crise de valores e a violência são males contagiosos? 

O tema é deprimente e nebuloso, pois muitos torcem contra, ganham dinheiro e poder com atividades ilegais como o tráfico de drogas e de armas, com a "prestação de serviços", venda de favores ou aparente proteção etc. e querem manter essa situação a todo custo. Alguns países enfrentaram e, em parte, alteraram essa situação com medidas regulatórias, programas de saúde pública e inclusão etc. Por aqui, ainda vemos uma crescente quantidade de pessoas de todas as idades atraídas para esses caminhos escusos, de aparente e traiçoeira facilidade para obter ganho fácil. Ao mesmo tempo, sob poderosos disfarces, oportunistas sem escrúpulos incentivam seu uso e enriquecem cada vez mais à custa da saúde física, mental e emocional (e da própria vida) dos que buscam aliar-se a tais grupos ou buscar refúgio nas drogas.
(Continua no próximo post.)
 
Referências

sexta-feira, 12 de julho de 2024

Ecos Humanos | Igualdade e Equidade

Podem parecer sinônimos, mas não são: igualdade e equidade. É aquela velha história de tratar os iguais de forma igual e de forma diferente os diferentes. Vejamos a diferença: igualdade baseia-se no princípio da universalidade, isto é, todos devem ser tratados de forma justa, com as mesmas oportunidades e tendo os mesmos direitos e deveres, sem distinção de origem, crença, cor, raça, etnia, gênero ou outro critério. Por sua vez, a equidade reconhece que não somos todos iguais, que há diferenças e que é preciso agir considerando as diferenças e suas circunstâncias, a fim de ajustar esse “desequilíbrio”.

Em outras palavras, para garantir que todos tenham os mesmos direitos, deveres e oportunidades é necessário levar em conta as diferenças individuais, sempre de maneira justa.  Num hospital por exemplo, a regra não é a ordem de chegada, mas a gravidade do mal apresentado, concordam? Na educação, por exemplo, há alunos e alunos; uns precisam de mais apoio, outros de quase nenhum, mas o grupo vai permanecer unido e se desenvolvendo se todos forem atendidos. Da mesma forma, ao lidar com indivíduos com algum tipo de deficiência, o atendimento deve ser diferente.    

Vale destacar que esses conceitos  visam garantir justiça, mas usam estratégias e caminhos diversos. Desenhando: se três pessoas de estatura diferente receberem escadas da mesma altura, o resultado final será incompatível com a justiça, porque a diferença entre elas vai continuar. Isso é igualdade. Equidade seria dar-lhes escadas de diferentes alturas, adequadas a cada um. 

No Brasil, o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 declara o princípio de igualdade, mas nossa realidade econômica e social ainda é marcada por diferenças e desigualdades, aliás muito antigas. A Literatura e a História nos mostram o tempo todo essa enorme desigualdade. O romancista francês Victor Hugo, em sua obra Os Miseráveis, já mostrava a enorme segregação social na França do século 19, com os privilégios da nobreza e do clero, enquanto a população enfrentava extrema pobreza e fome. As tensões oriundas dessa situação culminaram na Revolução Francesa. Foi quando o conceito de igualdade começou a ganhar corpo, juntando-se, na bandeira francesa, aos termos liberdade e fraternidade. Em seguida surgiu a  Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, publicada em 1789.  

Esses conceitos, portanto, já deveriam fazer parte de qualquer sociedade há muito tempo, mas até hoje é preciso batalhar para que sejam respeitados e aplicados em todos os campos da vida: saúde, educação, habitação e lugar de moradia, trabalho, costumes e códigos de cada cultura, para a criação de políticas públicas efetivas de combate a preconceitos e segregação de qualquer espécie.

Para isso, é importante ampliar o grau de consciência de todos – sociedade, educadores e governantes, em relação a essa questão e incentivar o uso contínuo e prático de palavras-chave como compaixão, empatia, inclusão, solidariedade e equidade. Nunca é demais repetir que somos diferentes só por fora, por dentro somos todos iguais.   

Referências:

https://www.internationalwomensday.com/Missions/18707/Equality-versus-Equity-What-s-the-difference-as-we-EmbraceEquity-for-IWD-2023-and-beyond

https://achievebrowncounty.org/2021/05/defining-equity-equality-and-justice/

https://www.handtalk.me/br/blog/igualdade-e-equidade/

https://www.politize.com.br/igualdade-e-equidade/

 https://www.tjdft.jus.br/acessibilidade/publicacoes/sementes-da-equidade/diferenca-entre-igualdade-e-equidade 

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Ecos Humanos | A arte do encontro

https://www.youtube.com/watch?v=YacrKDzDJo4

Apesar de me lembrar e de imaginar que você, caro leitor, também deve se lembrar, não vou citar aqui a famosa frase de Vinícius de Moraes que remete ao título desta postagem. Agora, não posso deixar de falar do Samba de Uma Nota Só (1959). Sem dúvida, é outra canção deliciosa da nossa MPB, mas depois de cantar e cantar e cantar, sempre perguntava aos meus botões: "uma nota só faz samba?" Nunca tive resposta, mas convenhamos, se fizer, só mesmo com alguém do nível de Tom Jobim e Newton Mendonça, seus autores...

Essa história de eu e eu sozinho, de uma andorinha só, do “eu, só eu e mais ninguém” não dá certo. Quando você declama num palco, dança uma coreografia, faz uma performance, atua ou toca um instrumento, você precisa do retorno do espectador, do ouvinte e da emoção do público: um músico precisa sentir que sua música toca os corações; um escritor, que seu livro atinge a sociedade; um professor, que seu aluno entendeu a mensagem; uma mãe, que seu filho compreendeu sua preocupação.

 Ora, se a experiência não tem interlocução também não tem retorno, e o que resta é um gostinho amargo de vazio, de não valer a pena, de perda de tempo, porque o que vale é a troca e, nessa troca, a transformação de um e de outro. Professor e aluno se enriquecem mutuamente nessa troca. Já dizia Paulo Freire que "Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar." Basta boa vontade e humildade dos dois lados. Essa troca nos faz mais fortes, mais humanos, mais tolerantes, mais ricos em conhecimento e conteúdo.

Vinda lá do meu baú, uma historinha chinesa retrata bem essa essa partilha. É assim: Dois indivíduos caminham por uma estrada, cada um com um pão; se, ao se encontrarem, eles trocarem os pães, cada um vai embora com um. Porém, se dois caminham por uma estrada, cada um com uma ideia e, ao se encontrarem, trocam as ideias, cada um vai embora com duas.” 

Talvez isso justifique a troca, uma troca que só enriquece, multiplica o conhecimento trocado e jamais o diminui. Isso é da lei da vida. No encontro com o outro, é preciso transformar e transformar-se, deixar marcas e ser marcado. Só assim aprenderemos a viver, cada vez mais, como parceiros de caminhada com o mesmo destino, não como inimigos. Como a imagem ao lado, a vida funciona como a dança circular: não dá para dançar sozinho ou fazer uma roda sozinho; a dança e a roda só funcionam e fluem quando o coletivo prevalece, quando todos acolhem e se apoiam uns nos outros.
 
Referências