quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Ecos Imateriais | Yoga e a falácia do desempenho (2/2)

Já falamos (leia aqui) sobre o significado da atenção plena, do estar presente na prática do yoga e na vida. E em algum lugar deste blog também já falamos que não adianta nada fazer uma postura perfeita, linda e permanecer nela, mas ser incoerente, violento, desonesto, desumano, egoísta e por aí vai. É importante lembrar que, além dessa atenção em qualquer atividade, além da prática dos asanas e pranayamas (exercícios respiratórios), dos bandhas (contrações musculares), kryas (técnicas de limpeza), exercícios de abstração dos sentidos, concentração e meditação, yoga pressupõe estudar e aplicar seus admiráveis princípios éticos, os chamados yamas e niyamas, decálogo compilado pelo sábio indiano Patanjali (lê-se Patânjali), por volta do século III a.C. 

O ser humano se desenvolve e evolui a partir da observação continuada e corajosa de si mesmo, do autoconhecimento, do voltar-se para a própria essência, observando-se, analisando-se com coragem, procurando melhorar, estudando e aplicando os yamas e niyamas na vida diária. São cinco yamas e cinco niyamas. Os primeiros sãonão-violência, verdade, honestidade, controle da energia, desapego; e os niyamas são: pureza, alegria interior, disciplina/persistência, autoestudo e entrega. Sintetizando, esse estudo é o que mais me emociona e me inspira no yoga: o movimento contínuo de aprimorar-se um pouco mais a cada dia, tornar-se melhor para os outros e não melhor do que os outros, como sempre destacava o querido professor José Hermógenes. Sim, sou uma das privilegiadas que tiveram aulas com ele, com Shotaro Shimada, Maria Helena Bastos Freire, Celeste Castilho e outros que já partiram, mas deixaram sementes fecundas. 

Estudados, aplicados, relembrados e praticados todo o tempo, os yamas e niyamas reforçam essa busca de aprimoramento individual. Com a prática, eles acabam ficando introjetados na pessoa e mudando seu modo de agir no mundo. É impossível separar um do outro, pois estão profundamente interligados. Podemos começar por qualquer um deles e logo estaremos praticando todos ao mesmo tempo. Fácil não é; é desafiador, trabalhoso, exige coragem, coerência, honestidade, esforço, disciplina, entrega e muito mais. Mas é o nosso caminho: evoluir. 

Por isso, o yoga é uma dádiva, porque cada ação nossa tem a possibilidade de alterar o todo e isso exige responsabilidade. Como num imenso jogo de dominó, no qual o movimento de uma única peça (a primeira a tombar) vai formando um contínuo, sucessivo e orgânico desenho do conjunto, uma mudança de atitude sincera de alguém influencia seu entorno imediato e além, e além, e além... como o seixo jogado na superfície calma de um lago que forma infinitos círculos concêntricos. Vamos?    

Para terminar, deixo aqui uma frase, significativa e perfeita para mim, que fala da nossa responsabilidade diante da vida. J. R. R. Tolkien, autor da saga "O Senhor dos Anéis" e professor da Universidade de Oxford, dizia: "All we have to do is to decide what to do with the time given to us".  (Tudo o que temos a fazer é decidir o que fazer com o tempo que nos é dado). 

Referências

TAIMINI, I.K. A ciência do yoga. 3. ed. Brasília: Teosófica, 2004.

HERMÓGENES, J. O essencial da vida. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2005.

RODRIGUES, M.R. (org.) Estudos sobre o Yoga. São Paulo: Phorte, 2006.

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Ecos Imateriais | Yoga e a falácia do "desempenho" (1/2)

Yoga é um antigo e amplo sistema de autoconhecimento, uma filosofia de vida e um caminho de espiritualidade. Mas, quando nos deparamos com imagens em jornais, revistas e sites, o que mais vemos são posturas, no mínimo estranhas. No entanto, o principal foco dessa prática antiquíssima, com a qual a Índia presenteou a humanidade, não é a execução quase acrobática da postura (asana, em sânscrito) ou no desempenho quase atlético do praticante, mas no que existe por trás dessa ciência milenar que preserva toda uma tradição espiritual de autoconhecimento e integração com o Ser maior. 

Sim, é verdade, as posturas movimentam todo o corpo, trabalham a flexibilidade, fortalecem, alongam, massageiam músculos, órgãos e plexos, mas, sobretudo, levam o praticante a desenvolver a consciência corporal, prestar atenção na respiração, aquietar a mente, silenciar pensamentos e emoções, ou seja, manter a atenção no momento presente. A cada prática, treinamos tudo isso durante a execução dos asanas, das técnicas respiratórias e de concentração para alcançarmos essa integração com nosso eu mais profundo. Desenvolver a atenção no momento presente é um treino para colocar-se inteiro em qualquer atividade na vida diária, evitando assim a tão comum dispersão que nos leva a desconsiderar outras falas, cometer erros bobos e esquecer tarefas simples. Afinal, aquele que se exercita no tapetinho e o que atua na vida prática são um só.  

O yoga parte do mais denso para o mais sutil, ou seja, do corpo para atingir a alma, o SER. Seu objetivo maior está no próprio significado do termo sânscrito yug: unir, integrar. A um só tempo, portanto, yoga é meio e fim, caminho e meta. Assim, através do trabalho sobre o corpo, a respiração e a mente, cada praticante avança em direção ao autoconhecimento, aquieta seu emocional e harmoniza o próprio ser, percebendo a essência divina que habita em cada um. Por isso, o yoga pede de cada um uma atitude de reverência em relação à própria prática e à sua parte mais nobre, a essência.    Assiduidade também é importante, claro, pois a natureza não dá saltos. O corpo responde na medida em que se aprende a lidar com ele, de forma calma e constante. É importante persistir para se atingir a postura confortável, a ser mantida com ausência de esforço e estado de presença. Patanjali dizia que asana é sinônimo de estabilidade e conforto, e a prática não deve provocar dor ou desconforto. É preciso usar de moderação e respeitar os próprios limites. 

A partir da prática regular e frequente, do contato cada vez mais reiterado com a essência, é possível começar a pensar, falar, sentir e agir a partir desse recanto interior de paz e harmonia, o que nos trará mais equilíbrio, saúde mental, emocional e física para enfrentarmos o dia a dia com mais serenidade. Afinal, yoga é uma viagem individual para dentro de si mesmo; é um processo de autoconhecimento e de transformação que só depende do praticante.

Referências

TAIMINI, I.K. A ciência do yoga.3. ed. Brasília: Teosófica, 2004.

HERMÓGENES, J. O essencial da vida. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2005.

RODRIGUES, M.R. (org.) Estudos sobre o Yoga. São Paulo: Phorte, 2006.

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Ecos Arquitetônicos | O antigo Mappin e o Sesc

Se você ainda não leu, leia o post (Concursos de arquitetura e o Sesc), que fala do concurso promovido pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) para ocupar o antigo prédio do Mappin em São Paulo, o edifício João Brícola. 

Mais conhecido por ter abrigado por décadas a imensa e primeira loja de departamentos de São Paulo, Mappin Stores, o edifício João Brícola está localizado na região central de São Paulo, ao lado do Teatro Municipal. O projeto original, de 1936-39, é do arquiteto Elisiário Bahiana (1891-1980), também autor dos projetos para o Viaduto do Chá e o Jockey Club de São Paulo. O João Brícola tem ~15 mil metros quadrados de área construída e catorze andares em um terreno de 1245 m2. Hoje é tombado pelo Conpresp, o órgão municipal de proteção do patrimônio histórico e cultural. 
 
Alguém aqui se lembra do Mappin? Lembro-me do inconfundível elevador que,  impreterivelmente, parava a cada andar enquanto as diferentes seções eram anunciadas por uma voz com dicção perfeita: Primeiro andar - roupa de cama, mesa e banho, Segundo andar - roupa feminina e infantil... E assim por diante. Quando criança, lembro-me de ter ido lá várias vezes com minha mãe. Íamos de ônibus elétrico da CMTC, o 43. O ponto final era no Largo de São Bento. Caminhávamos até a Praça do Patriarca, atravessávamos o Viaduto do Chá sem problemas, procurávamos o que queríamos, comprávamos ou não, lanchávamos (às vezes) e voltávamos para casa, sempre utilizando o transporte público. Boas lembranças...
 
Mas de volta ao edifício do antigo Mappin, o edifício João Brícola. O nome vem do banqueiro de mesmo nome, que doou metade de seus bens para a Santa Casa de Misericórdia. Na época, o edifício deveria ser a sede do Banespa, mas a diretoria do banco recusou-o por achar que o prédio estava distante do então centro financeiro da cidade, no velho Triângulo, junto às ruas Direita e 15 de Novembro, e optou por outro edifício da mesma Santa Casa na área pretendida, o Altino Arantes, na rua João Brícola.  Foi feita, então, a troca de propriedade dos imóveis e a Santa Casa tornou-se a proprietária do edifício.  
 
Depois de abrigar o Mappin até 1999, o edifício ficou vago por algum tempo. Comprado pela empresa São Carlos Empreendimentos e Participações (SCEP), foi ocupado pelas Casas Bahia até o início de 2023 e, em abril do mesmo ano, foi vendido para o Sesc. A previsão é que em 2027, o imóvel abrigue a Sesc Galeria - São Paulo. Um dos objetivos do Sesc, ao comprar o imóvel e realizar o concurso, é transformar o icônico edifício em um museu da instituição com exposições sobre a história e ações da entidade.


Referências:

 

https://www.acervos.fau.usp.br/item/4345

https://arquivo.arq.br/projetos/edificio-joao-bricola

https://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Jo%C3%A3o_Br%C3%ADcola 

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Ecos Arquitetônicos | Concursos de arquitetura e o SESC



De modo geral, arquitetos gostam de participar de concursos de projetos, sobretudo para grandes obras públicas ou clientes especiais como os do chamado Sistema S – Sesc, Senac, Sesi e Senai. Ouço isso desde meus tempos de estudante de arquitetura. Até já participei da equipe de alguns concursos, não para o Sesc; não me recordo exatamente de quais, mas me lembro bem de um professor, o arquiteto Sergio Teperman, que escrevia criativos artigos de opinião na Revista Projeto, quando eu era prata da casa. Em um deles, ele falava de concursos, em geral, e de clientes, em especial. Para ele, o Serviço Social do Comércio (Sesc) era o cliente ideal para todo e qualquer arquiteto. Por quê? Ora, porque era um cliente que, além da diversidade de programas que oferecia e do uso intenso pela população, o Sesc apoiava modernidades, inovações, bons materiais e soluções criativas. 
  
Sesc Pompeia. Foto: Anita Di Marco

Concordo totalmente com Teperman. As inúmeras unidades do Sesc tinham e têm qualidade arquitetônica e espacial, são singulares, únicas e marcantes. Basta visitar algumas delas por todo o Brasil. Uma mais interessante que a outra, mas todas agradáveis, bem aproveitadas, criativas e, o principal, muitíssimo utilizadas pela população. Meu favorito é o SESC Pompeia, em São Paulo, projeto de Lina Bo Bardi. Já escrevi sobre isso (ver aqui), mas pergunto a você, caro leitor, se já visitou as unidades do SESC Paulista, Belenzinho, 24 de Maio, Santana, Casa Verde (razões afetivas), Itaquera, Interlagos, só para citar alguns em São Paulo. Nem vou citar as unidades de outras cidades, Brasil afora. Todas explicitam a notória preocupação da entidade com a qualidade de seus amplos espaços de convivência e de seus serviços.

Mas por que estou falando disso? Porque o Sesc promoveu um Concurso Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura, organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP), para criar o SESC Galeria – São Paulo, no antigo edifício do Mappin, próximo ao Teatro Municipal de São Paulo. Uma das diretrizes do edital destacava que, além de preservar as características exteriores originais do edifício, “o projeto deveria oferecer um espaço acessível, integrador e flexível, em constante diálogo com o entorno”. O resultado do concurso foi divulgado em julho último, no auditório do Sesc 24 de Maio, outra joia da entidade, projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Aliás, essa unidade também ocupou o antigo edifício de outra loja de departamentos da cidade, a Mesbla, e já é um ícone no área central da capital paulista.

Em tempo, a equipe vencedora do concurso Sesc/Mappin é formada pela arquiteta Marta Moreira (Equipe MMBB+ Ben Avid), coautores: Martin Benavidez, Maria João Figueiredo e Milton Braga, além de colaboradores e consultores. Em segundo lugar, Mário Figueroa com a equipe MCAA + FIGUEROA e, em terceiro, a equipe de Luis Felipe da Costa Sakata (equipe TEMPO  + SOMMACAL MAIA +Yuri VITAL + MLD (Maria Luiza Dutra). todas as equipes tiveram além dos responsáveis, uma série de colaboradores e consultores. O trabalho é longo, complexo e demanda muitos especialistas.

Aqui o leitor tem outras informações sobre as propostas premiadas. São todos excelentes profissionais, mas confesso que torci muito para a equipe que contou com a competência e a expertise da minha querida amiga, a arquiteta Maria Luiza Dutra, coautora de muitos e primorosos projetos de restauro, dentre eles, cito o do Mercadão e do Teatro Municipal, ambos em São Paulo, e do Instituto Moreira Sales, no Rio de Janeiro. Contudo a equipe da qual ela fazia parte ficou com o terceiro lugar. De qualquer forma, parabéns aos vencedores e ao Sesc! O páreo não foi nada fácil, convenhamos. 

Viva o Sesc e suas realizações! Que voltem os concursos de arquitetura sérios, pois estimulam os profissionais e alunos a estudarem, a se dedicarem, a pesquisarem mais, a buscarem novas soluções, roupagens e propostas. Agora, é só aguardar a inauguração do novo Sesc Galeria – São Paulo, no antigo Mappin, com previsão para 2027. No próximo blog falaremos mais sobre esse tema. 

Referências

https://galeriasaopaulo.concursosarqsescsp.org.br/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Jo%C3%A3o_Br%C3%ADcola

https://galeriasaopaulo.concursosarqsescsp.org.br/resultado-final/

https://galeriasaopaulo.concursosarqsescsp.org.br/wp-content/uploads/2025/07/ata_fase2_galeria_sao_paulo.pdf 

https://diariodoturismo.com.br/predio-do-antigo-mappin-sera-unidade-do-sesc/

https://anitadimarco.blogspot.com/2015/03/paisagens-construidas-lina-e-o.html