sábado, 9 de setembro de 2017

Ecos Culturais | O Lavandário: como tudo começou

Serra do Quebra-Cangalha. Cunha ao fundo. Foto: Anita Di Marco

Era uma vez uma mulher forte, determinada e atenta, entre outras características, que adorava viajar. Generosa e sempre disposta a emprestar um ouvido para os amigos, ela estudou, viajou e, ao longo de sua vida profissional, trabalhou como professora universitária, publicitária e editora de livros entre outras funções. Fernanda Freire é seu nome.   

Admiradora da antiga arte em cerâmica, fez uma visita a Cunha, no interior de São Paulo, cidade de bela paisagem serrana e conhecida pelos trabalhos em cerâmica, muitos ateliês e artistas com suas técnicas especiais. Encantou-se pela região. Envolveu-se com a atividade dos ceramistas locais e daí para contribuir a fundar um instituto para divulgar a cerâmica queimada nos fornos Noborigama (o forno que sobe montanhas) foi um passo. As atividades do Instituto e a paisagem levaram Fernanda a alugar um imóvel naquele município para evitar as constantes viagens entre Cunha e São Paulo, onde morava. 
 
O horizonte é logo ali... Foto: Anita Di Marco
 Observadora e com amplo repertório pessoal, formado a partir das inúmeras viagens e experiências vividas, Fernanda percebeu certa proximidade da Provence francesa com a região de Cunha. Situada a 1200 metros de altitude na serra do Quebra Cangalha, terra bem drenada, clima frio à noite e ameno durante o dia, temperatura média entre 10 e 25 graus, circundada pelas colinas e montanhas da Mantiqueira e da Bocaina, Cunha localizava-se entre as cidades de Guaratinguetá (SP) e Paraty (RJ) e já era um local bastante procurado por uma população urbana que fugia da cidade grande para reencontrar a natureza, o clima, o aroma e a paisagem de montanha.   

Uma nova luz a cada olhar. Foto: Anita Di Marco
Perspicaz, não deixou escapar a oportunidade; estudou, investigou e analisou as condições de solo e clima da região. Os resultados confirmaram sua ideia inicial; no entanto, como nunca havia atuado na área agrícola, decidiu, literalmente, fazer uma experiência. Plantou dez pés de lavanda compradas no Ceasa de São Paulo para verificar, empiricamente, se aquela sensação inicial de "parece-ter-um-quê" da Provence fazia  sentido. Ao perceber que aquelas mudinhas se desenvolviam bem, continuou seu estudo atento das espécies, das técnicas de plantio, dos  suprimentos necessários para corrigir o PH do solo, de períodos, formas e técnicas para poda, corte, extração do óleo essencial e das possibilidades que a plantação lhe oferecia. Alugou destiladores, mergulhou na pesquisa das espécies mais adaptáveis ao nosso clima, investiu na terra, na educação da mão de obra e no sonho.   
 
Cultivo em Kent, Inglaterra, 2013. Foto: Anita Di Marco
O ano da experiência? 2011. Feliz com o resultado de seu teste, mas sensata, percebeu que, se quisesse fazer daquele lugar um negócio, de fato, teria que estudar e se aprofundar, um pouco mais, no tema. Voou para a Provence e conheceu mais, visitou instalações, fazendas, produtores e destilarias, verificando o quê, como, quando e quanto poderia ser feito com a lavanda.

Decidida, voltou ao Brasil com a decisão tomada e pronta a embarcar e concretizar um novo sonho. Aumentou a área do sítio e começou a prepará-lo para o plantio. Comprou livros, vídeos, fez cursos e, a partir de 2012, investiu no cultivo da planta. De sonho abstrato de unir aroma, beleza e saúde, o cultivo das lavandas passou a negócio concreto. Dois anos depois daquelas dez plantas, já no final de 2013 a empresária inaugurava O Lavandário, seu sonho do cultivo de lavandas, extração de óleos essenciais, pesquisa e desenvolvimento de produtos naturais. Aquelas dez mudas não só vingaram como foram as matrizes de toda a plantação de hoje, que conta mais de 45.000 pés. Nesse meio tempo, visitou fazendas de cultivo de lavanda na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Nova Zelândia e na África do Sul. Hoje, ainda segue pesquisando, aprendendo e inovando.  
 
As cores da propriedade ao cair da tarde.
 
Agora especialista em lavandas, a empresária lembra que, além de ornamental, a lavanda - ou alfazema - é planta nativa da região mediterrânea e muito cultivada para a extração de seu óleo essencial, utilizado em perfumaria e produtos cosméticos. Salienta que a grande vantagem em relação à região provençal francesa é que o clima brasileiro, mais tropical, permite uma florada a cada três ou quatro meses, a depender da poda. Esta é a etapa mais importante e delicada do plantio e deve ser feita logo que a planta começa a secar, após a florada exuberante. Assim, o manejo eficiente e a poda rotativa garantiriam áreas floridas o ano todo.  
    
Mel de lavanda é um dos produtos oferecidos.
Diz ela que, no mundo, existem seis famílias de lavanda que se desenvolvem de acordo com as características geográficas do local.  A mais popular e a que mais encanta é a Lavanda angustifolia, em suas mais de 70 variedades, mas a espécie precisaria de um clima pouco mais frio do que o nosso para hibernar por mais tempo e explodir em florada exuberante.  No Brasil, de clima mais tropical e um pouco mais quente, a espécie que melhor se adapta é a Lavanda dentata, mais canforada do que a L. angustifolia o que lhe dá um aroma mais forte, mas de excelente qualidade para uso terapêutico.
Hora de agradecer e ir embora.Foto: Anita Di Marco
Incansável, Fernanda Freire continua a estudar e a fazer experiências. Hoje, sua propriedade tem quatro espécies da planta: Lavanda stoechas (cujas pétalas secas são usadas para decoração de bolos, pudins ou saladas); Lavanda multifida sidonie (usada, sobretudo, no temperos de carnes e no molho pesto, substituindo o manjericão); L.angustifólia (mais perfumada e que dá um agradável toque aos pratos doces); e, a grande vedete da propriedade, L.dentata, a mais adaptada ao solo da região e empregada para extração de óleos essenciais. 
Hoje, além da lavanda, são plantadas outras ervas como alecrim, gerânio, manjericão e verbena, para extração de óleo e desenvolvimento de produtos.
 
A Provence em Cunha. Foto: Anita Di Marco
Direta, diz que mais que ser um ponto turístico ou de venda de produtos, seu objetivo primeiro foi reunir beleza, aroma, bem-estar e saúde, despertando nas pessoas a sensação e o privilégio de ver e sentir de perto a lavanda e suas propriedades  terapêuticas. Foi trazer  para nosso meio o imenso potencial dessa planta suave e resiliente que se adapta às colinas e ao tempo frio; que devolve os cuidados recebidos com múltiplos benefícios para o corpo e para a mente, já que o óleo essencial de lavanda tem propriedades anti-inflamatórias, antibacterianas, antivirais, antidepressivas, relaxantes, descongestionantes e tonificantes, combate a insônia e alivia queimaduras e picadas de insetos.  

 Juntas desde o início Foto: Anita Di Marco
Empreendedora, a partir dos óleos essenciais destilados no Lavandário (de lavanda, alecrim, manjericão, verbena e gerânio), a empresária desenvolveu uma linha de produtos cosméticos (creme facial, corporal e de mãos, shampoo, condicionador e sabonetes); produtos terapêuticos como os óleos para massagem (de semente de uva, de gergelim e de amêndoas associados ao óleo essencial de lavanda), almofadas terapêuticas e os óleos essenciais; produtos para uso culinário como diversos tipos de chá, mel (edições limitadas), ervas aromáticas para tempero, açúcar, sal grosso e azeite  aromatizados com lavanda, ou alecrim e alho, biscoitos salgados ou doces de lavanda) e produtos para a casa (aromatizadores de ambiente, água de passar, inseticida natural, velas, flores secas, toalhinhas, sachês e jogos americanos, além de sementes e vasos com a planta. 
 
Cores e aroma no ar. Foto: Anita Di Marco.
Com relação à questão ambiental, Fernanda Freire garante  que “o cultivo de lavandas no alto da serra, em área de antiga pastagem, responde a quesitos de sustentabilidade, recuperação e desenvolvimento de uma vocação regional”. Além disso, tudo é reaproveitado, como mostra o processo de destilação do óleo essencial: após a poda rotativa, a destilação é feita por arraste a vapor; 80 quilos de lavanda podada rendem, em três horas de destilação, aproximadamente 400 ml de óleo essencial; a palha da lavanda é usada como adubo e o vapor d’água condensa e se transforma em hidrolato, utilizado puro como inseticida na própria plantação ou na fabricação de outros produtos, como água de passar. Por sua vez, as flores são colhidas, trabalhadas manualmente e desidratadas para formar buquês, guirlandas, sachês e velas, ou separadas para uso culinário.  
   
Didática, ela busca educar os visitantes, despertando neles o respeito aos demais visitantes e ao meio ambiente, à fauna e à flora do local, ainda preservadas em toda a área. Na loja, um vídeo explicativo situa o visitante nos processos do manuseio da lavanda, do plantio até os produtos industrializados. Na propriedade, placas de sinalização e linhas de demarcação orientam o visitante e balizam o passeio ao longo dos canteiros. 
 
Vivências Foto:Anita Di Marco
Criativa, criou vivências e massagens terapêuticas e relaxantes para difundir os benefícios da lavanda. As vivências de três horas são mensais (um sábado/mês). Nelas há uma visita guiada, através da qual conhecem o viveiro de mudas, aprendem a distinguir diferentes espécies e usos; plantam, podam e seguem a destilação da planta para extração do óleo essencial. Durante o passeio, conversam e tiram dúvidas sobre as dificuldades do cultivo. As inscrições devem ser feitas através do site, de acordo com o calendário. No caso das massagens, o interessado relaxa e sente, literalmente, na pele os benefícios dos óleos essenciais, recebendo as propriedades terapêuticas da lavanda. Para ambos os casos, o interessado deve consultar o site e fazer agendamento prévio.   
 
A lojinha provençal. Foto: Anita Di Marco
Ainda cheia de planos, quatro anos depois de sua inauguração, ela coleciona entrevistas, reportagens, vídeos e prêmios, como o Prêmio  Sebrae como mulher empreendedora de 2015. Recebeu da Trip Advisor o selo de excelência e o local recebe, a cada final de semana, centenas de visitantes que saem dali encantados. O Lavandário é um presente para os olhos, para os sentidos e para a alma. A loja é graciosa e convidativa, pelo seu espaço interior que exala o aroma da lavanda, como pela proposta de releitura da arquitetura da Provence. O projeto é do arquiteto Nelson Dupré, conhecido pela restauração da Estação Júlio Prestes e criação da Sala São Paulo de Concertos, na capital paulista.   
 
Foto: Anita Di Marco
Faça uma visita sem pressa, sem atropelos ou cobranças. Vá de coração aberto e desfrute do sonho inicial de uma mulher batalhadora e de visão. A beleza não é gratuita; é fruto de enorme esforço, de trabalho constante. Deleite-se com a proximidade de um campo de lavandas, tão pouco acessível à maioria da nossa população até há pouco tempo. Entregue-se àquela natureza lilás rodeada pelo verde do mar dos morros da região. Saboreie o chá (quente ou frio), os bolinhos doces ou salgados, o sorvete... tudo com um toque da lavanda. Mais do que isso, sinta o aroma inconfundível dos produtos à base da L.dentata, da L.angustifolia, do Alecrim, da Verbena, do Gerânio e do Manjericão. Respeite as plantas, o espaço, a natureza. Compartilhe as experiências, internalize-as e agradeça. 
 
A idealizadora, Foto: Anita Di Marco
Só emoção! Foto: Anita Di Marco
Algumas dicas:
- As lavandas são lindas em qualquer horário, mas o pôr do sol realça o colorido das flores e o azul do céu.  
- Os visitantes podem caminhar por praticamente todas as áreas plantadas, em torno dos canteiros. Por serem flores rágeis e sujeitas a danos, a proprietária instalou cercas de proteção. Sem isso, não teríamos a beleza das lavandas o ano todo. Afinal, a área é de cultivo agrícola.
- Não se esqueçam de que o trabalho de campo ocorre quando não há visitação; assim, é imprescindível que a visitação seja limitada. Se quiser continuar a ver campos de lavanda floridos o ano todo, respeite os horários e as regras.
- As massagens, vivências, fotos, filmagens e visitas de grupos devem ser agendados pelo site.

  Tour O Lavandário: Publicado em 13 set. 2016. 
Localização
Rodovia SP-171, Km 54,7, s/n. Cunha – SP.  CEP:12530-000. Tel.: (12) 3111-6034
Horários de visitação e entradas:
De sexta-feira a domingo e feriados: das 10h até o pôr do sol, dependendo da estação do ano. Confira os horários e as entradas no site.

Como chegar 
De carro:
Para quem vem de carro de São Paulo,  a viagem dura mais ou menos três horas. O melhor caminho é a Dutra (BR-116) até Guaratinguetá. À direita, pegue a saída para Cunha, a rodovia Paulo Virgílio (SP-171), chamada Estrada Cunha-Paraty. Siga por ela, em meio a um cenário cheio de colinas e diferentes tons de verde até Cunha. Se for direto para o Lavandário, siga por mais dez quilômetros (km 54,7) até a entrada à esquerda, sinalizada por um banner vertical de 12 m. de altura.
Para quem vem do Rio de Janeiro, o percurso é mais longo, quatro horas em média, pela Dutra até Guaratinguetá. Nesse caso, a SP-171 fica à esquerda.  
Outra opção é vir por Paraty, subindo a serra em direção a Cunha, atravessando um trecho do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Após subir pela sinuosa estrada, o viajante chega ao Lavandário, agora à sua direita. Embora recuperada, o trecho dessa estrada tem trechos bastante íngremes e estreitos.

De ônibus:
Ônibus para Cunha (Viação São José) saindo de Guaratinguetá.

Observações:
- A estrada Cunha-Paraty, desde  Guaratinguetá, é cenário de torneios de ciclismo ou simplesmente ciclistas em busca de descanso. 
- Para acessar o interior da propriedade, após a guarita, há uma rampa bastante íngreme de cerca de 100 metros. Recomenda-se que os carros desliguem o ar-condicionado para subir de forma mais tranquila. 
- Carros grandes como vans ou ônibus não podem subir a rampa de acesso ao interior da propriedade e podem estacionar na área ao lado do portão de entrada.

Mais informações:
E-mail: olavandario@lavandario.com.br - SAC (11) 98334 7172
Todas as fotos de autoria de Anita Di Marco.  

4 comentários:

  1. Muito bom e completo esse post.
    Ajuda a entender o processo, fundamental para quem se interessa pelo assunto, para quem visita e também para quem quer conhecer a origem dos produtos.

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    1. Oi Soninha,
      Faltou muita gente na foto, inclusive você... Achei que ajuda a entender o todo e a origem, claro! um beijo, meu bem e volte sempre.
      Anita

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  2. Anita, matérias como esta valem a Internet. Parabéns pela percepção e pela elaboração.
    Eu ousaria palpitar que você está enveredando por ecos não estampados no blog: rurais. Há muitos lavandários mais entre uma cidade e outra... avante nesta rica trilha!
    Abraço!

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  3. Donizete,
    Que bom vê-lo por aqui... obrigada pela visita. Tenho um grande afeto pelo Lavandário e me sinto meio parte daquilo... As pessoas costumam esquecer as histórias das coisas, por isso resolvi contar...Você precisa conhecer, tenho certeza de que vai amar... grande abraço e apareça sempre por aqui.
    Anita

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