segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Ecos Humanos | A lama que nos encobre

Imagem: https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/vale
Neste momento, em que meu coração sangra, minha alma chora e se revolta diante das injustiças, da ambição desmedida, da falta de consideração eterna com o outro e da triste constatação, cada vez mais ratificada, de quão pouco vale a Vida (humana, dos animais e da própria natureza) diante de falsos deuses como o deus-capital e o deus-mercado, só posso tomar emprestada a palavra sábia, melancólica e certeira (não só premonitória) do nosso grande e eterno poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), mineiro de Itabira, cidade onde surgiu a Vale, na década de 1940. Desde sempre, Drummond sofria ao ver o ser humano tão pouco acolhido e tão maltratado; antevia e criticava a cobiça da indústria da mineração que não enxergava nada além de cifrões e minério diante de si. Na sua querida Itabira, o sensível poeta já sentia na boca o gosto de terra arrasada e esgotada. 

O poema Lira Itabirana é de 1982. Não foi publicado em livro, mas em 1984  ganhou as páginas do jornal Cometa Itabirano. Foi republicado em 2015, em vários veículos, depois do crime ambiental em Mariana, quando se rompeu a Barragem do Fundão, propriedade da Samarco, controlada pela mesma Vale do Rio Doce. O poema abaixo e um pequeno trecho de outra joia do poeta são mais do que suficientes para vestirmos a carapuça da vergonha alheia e nos questionarmos sobre nosso papel nessa tragédia, nossa indiferença e nossa apatia na luta pela justiça e em prol da Vida.

Lira Itabirana (1982)

O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.

Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!

A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.

Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

Trecho de O maior trem do mundo (1984).
...
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano

Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.

Um canto de esperança...O vídeo abaixo foi publicado em 27 de jan de 2019, por Renato Goetten, "como singela homenagem a todos aqueles que sofrem com a ganância humana. Seria emocionante se esta canção pudesse chegar até os amigos e parentes das vítimas de Brumadinho. Ajudem-nos ajudem a compartilhar, para que possamos aplacar um pouquinho da dor dos nossos irmãos de Minas". 

 
 Um canto para Brumadinho- Isamara & Renato.
Referências:

10 comentários:

  1. Amiga Anita. Lindo, poético e comovente post. Como sempre, arrepiando alma e coração. Abraços. Romanelli

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    1. Obrigada, Romanelli. Tento vibrar amor pelos que sofrem, mas meu coração chora. Oxalá possamos nunca mais ver esses crimes. Abraços
      Anita

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  2. Parabéns pelo texto, Anita!
    Vou indicar para mais pessoas.
    Linda música, tocante.
    A delicadeza em contraste com essa brutalidade que se arraiga e viceja na estuda da ignorância.

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    1. Obrigada, Valquíria! Que dor estou sentindo pelo que sofre, pelo que perde, pela ignorância... beijos
      Anita

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  3. 👏👏👏 música linda Anita.
    Muita dor por esse momento tão triste que estamos presenciando.

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    1. A música também me fez chorar... e vibrar amor, rogando para que o sol surja de novo e permaneça...
      Deixe seu nome, na sequência do texto, senão nunca sei quem foi... abraços
      Anita

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  4. Texto e canto comovente e muito apropriado para esse momento de dor que estamos vivendo.Que o sol da esperanca venca as trevas da gananci e do egismo.

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    1. Amém... mas as aç~´oes começam por cada um, a partir de nossas escolhas. que saibamos escolher bem, priorizando a vida, como um todo e o coletivo.
      Deixe seu nome, da próxima vez, para eu saber quem visita meu blog. Abraços

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