A Última Ceia. Leonardo da Vinci, Milão. Imagem: Divulgação |
Ainda a respeito do grande artista renascentista homenageado na Itália, durante o ano de 2019 (Ler o post 2019. Ano de Leonardo da Vinci), é bom lembrar que Milão abriga grande parte das obras de
Leonardo da Vinci. Depois da Mona Lisa, no acervo do Museu do Louvre, em Paris, sua obra mais
famosa é a ‘A Santa Ceia’, justamente na capital da Lombardia. Feita entre 1495 e 1498 a pedido do Duque de Milão, Ludovico
Sforza, a icônica pintura mural, de 4,6 x 8,8 metros, decora uma parede do refeitório do monastério dos frades
dominicanos de Santa Maria delle Grazie.
Vale lembrar que, aqui, Leonardo
não usou a conhecida técnica de afresco (aplicação de pigmento ao gesso
úmido),
então muitíssimo utilizada. O artista preferiu usar a têmpera, técnica
experimental que misturava gema de ovo aos pigmentos coloridos para
depois aplicar a mistura sobre o gesso seco. No entanto, os problemas e rachaduras começaram a aparecer logo após a conclusão da obra, o que provou que a decisão não havia sido a melhor; e 20 anos depois, a pintura já mostrava graves sinais de deterioração. Além dos problemas da pintura em si, o próprio edifício enfrentou umidade, tempestades de verão, bombardeios, entre
outros problemas. Embora o convento tenha sido reconstruído após a segunda guerra, a parede do
refeitório, suporte para a pintura mural, ficou alguns anos sem proteção e completamente sujeita às intempéries.
Pinin Brambilla |
Leonardo da Vinci |
Assista aqui ao vídeo da BBC News, em italiano com legendas em português, que traz a restauradora, hoje nonagenária, falando sobre esse trabalho de amor que consumiu de 20 anos de sua vida profissional. Abaixo, um vídeo maior em inglês e italiano, com legendas em inglês, do qual foi extraído o vídeo acima.
Agora, imagine colocar-se diante de qualquer obra de um gênio como Leonardo para um trabalho de restauração. O indivíduo deve tremer da cabeça aos pés e, sem dúvida, a decisão envolve bom senso, sensibilidade e um grande conhecimento teórico e prático, além de uma enorme dose de humildade. O trabalho de restauração é delicado, minucioso, longo, paciente e sempre, sempre sujeito a críticas. Cada restaurador é responsável pelas decisões que toma (decisões bem fundamentadas, espera-se) a partir de seu entendimento no momento de avaliação e diagnóstico. Nesse aspecto, o trabalho é bastante solitário, como também o é o do autor de um projeto de arquitetura. O responsável pode trabalhar com vários especialistas, historiadores, arqueólogos, pintores, antropólogos, dezenas de técnicos, mas no fim das contas, a decisão é sempre pessoal, e essa decisão pesa. O mesmo se dá nos trabalhos de restauração: no caso de A Última Ceia, cuja proposta era recuperar o recuperável, houve a retirada de cinco camadas anteriores de tinta, limpeza, secagem e recuperação de aspectos originais da obra. Brambilla afirma que espera ter feito as escolhas corretas, mas isso só o tempo dirá.
Vinte anos e milhões de dólares depois, em 2017, o plano era recuperar as condições ambientais do próprio refeitório, e não a pintura
propriamente dita. O custo do projeto, de
mais de um milhão de euros, foi financiado pelo empório gastronômico Eataly, único patrocinador privado, e pelo Ministério do
Patrimônio e da Cultura e Turismo, da Itália. O projeto contou ainda com várias instituições que participaram da pesquisa inicial: ISCR, CNR, Politecnico di Milano, Universidade
Milano Bicocca.
Prevista para terminar ainda em 2019, a intervenção
envolveu o uso de maquinário específico para, diariamente, jogar no ambiente 10.000
metros cúbicos de ar limpo, três
vezes mais do que antes. Assim é possível minimizar o efeito danoso das micropartículas de poeira, micropoluentes e a umidade produzida pela respiração de milhares de
visitantes, que continuavam a degradar a obra. Isso tudo sem falar da ação do tempo, inexorável. A campanha para sua
restauração, intitulada “Um jantar não pode terminar assim”, foi pensada
para aumentar a vida da obra em 500 anos e permitir a visita de um número maior de pessoas do que as 30 permitidas hoje, a cada 15 minutos. Veja aqui o vídeo,
em italiano, de Oscar Farinetti, dono do Eataly, sobre
a decisão de proteger a famosa pintura de Leonardo.
Agora, uma pequena ponderação. Diante da visão de uma obra de arte, seja em livros, documentários ou reproduções, é natural sentirmos emoções variadas: surpresa, encantamento, alegria, choque. Porém, nada se compara à sensação provocada
pela experiência ao vivo e em cores: aí, o tempo para, ficamos estáticos e extáticos, embevecidos e
arrepiados; a respiração fica suspensa; a emoção brota e lágrimas enchem os
olhos. Tomados por uma sensação de arrebatamento e perplexidade, é natural que nos questionemos sobre a inspiração que tomou
conta do gênio que concebeu e executou aquela ideia, aquela obra, aquela visão.
Esse é o efeito poderoso, avassalador
e único da Arte, efeito insubstituível e inexorável no tempo e no espaço, na formação, criação
de repertório, no aprimoramento do pensamento crítico e no desenvolvimento do espírito
humano. Não importa o que digam. Arte, Filosofia, História, Geografia, Ciências
Sociais, Antropologia, Literatura... as Humanidades, em geral, só tornam o
homem humano, muito mais humano, despertando o melhor de cada um para agir no
mundo de todos.
Referências:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-36484529
https://www.bbc.com/portuguese/geral-48138261
https://veja.abril.com.br/entretenimento/restauracao-da-mais-500-anos-de-vida-a-ultima-ceia-de-da-vinci/
https://www.eataly.net/it_it/mondo-eataly/una-cena-cosi-non-la-puoi-perdere/
Belíssimo texto e vídeo. Conhecer sobre a história da arte é entender um pouco mais da evolução humana na sua manifestação mais bela.
ResponderExcluirNão é? E o trabalho de um restaurador é de uma grandeza única! Emocionante mesmo! Obrigada por participar. bjs
ExcluirAnita
Parabéns, Anita!
ResponderExcluirEntão, cinco camadas aplicadas de tinta, antes dessa última restauração!..
Que coragem e responsabilidade...
Como disse a você, já fui a Milão. Mas não consegui ver a Santa Ceia por motivos de restrição e necessidade de fazer reserva beeem antes.
Agora, vendo seu texto, melhorou: tanto o arejar, quanto as cores reavivadas, fazem valer a pena a visita.
Assisti o vídeo sobre a anciã restauradora. Adorei!
Abraços
Já encaminhei para alguns contatos.
Eu também não consegui ver por causa da restauração... Mas está na lista, sem dúvida!
ExcluirObrigada por estar sempre aqui, Valquíria. beijos
Anita
Ler este texto seu é voltar na história de um artista de alma brilhante.E a restauração trás a nova iluminação desta linda pintura.
ResponderExcluirSem dúvida, restauração é um trabalho belíssimo e de grande valor, mas nem sempre devidamente apreciado. é o que permite que as grandes obras do passado cheguem a nós, mais ou menos como eram. Obrigada por participar, mas não se esqueça de deixar seu nome. Um abraço
ExcluirAnita