segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Ecos Culturais | Arte Kintsugi

Paulo Hatanaka (1950) era um jovem arquiteto, saído havia poucos anos da Universidade Mackenzie em São Paulo, quando o conheci em Roma, cursando Restauração na Faculdade La Sapienza. Tivemos contato logo que cheguei à capital italiana, no início dos anos 1980, para fazer um curso de pós-graduação no Iccrom, entidade ligada à Unesco, sobre Preservação do Patrimônio Cultural e Arquitetônico. Conversamos muito, estudamos, caminhamos, passeamos, viajamos, tomamos muito sorvete, vinho, chá e café, comemos muita pasta, muita bala de alcaçuz (liquirizzia) visitamos muitas igrejas, galerias, museus e exposições. Muitas...
 
Aprendemos muito da vida, da arte, da arquitetura, da história e de narrativas não contadas de todas as épocas. Os monumentos, as pedras, os calçamentos, o traçado urbano, as esculturas e as imagens nos falavam de fatos e acontecimentos, levando-nos a questionar passado, presente e futuro. 
O tempo passou, meu curso acabou e o dele continuou. Assim, voltamos para o Brasil, cada um numa época - eu para São Paulo, para meu antigo trabalho e ele para o Rio de Janeiro, onde trabalhou por um tempo com arquitetura e também com restauração de obras de arte, pintura e escultura. Tempos depois, mudou-se para São Paulo, continuou a trabalhar com arquitetura, mas seu foco já priorizava a restauração de objetos e obras de arte. 
 

Paulo Hatanaka reinventou-se, quase por acaso em 2012, após o falecimento da mãe, ceramista. Ao partir, ela havia deixado muitos objetos quebrados. Então, ele pesquisou e estudou métodos para restaurar essas peças e, nessa busca, descobriu um artigo sobre uma antiga técnica japonesa, denominada Kintsugi. Desde então, começou a restaurar peças de cerâmica e porcelana. 

Em japonês, Kin significa ouro e Tsugi, emenda, ou seja, o Kintsugi é uma técnica que recupera peças quebradas de cerâmica. A proposta é fazer emendas a partir da resina de uma árvore, laca ou cola, misturando-a a pó de ouro, prata ou platina. O Kintsugi, a arte da reparação, portanto, propõe recuperar o objeto danificado, sem negar-lhe os efeitos e marcas do tempo, mas acrescenta-lhe um toque artístico, o que acaba por valorizar o objeto, tornando-o único.   

Acredita-se que essa arte artesanal tenha surgido há cinco séculos, no Japão. Conta-se que, ao ver  que um estimado objeto de cerâmica, usado na cerimônia do chá, estava quebrado, o xogum Ashikaga Yoshimasa, enviou os cacos da peça à China para que voltassem a compor um único objeto. O resultado, no entanto, não o agradou e ele acabou recorrendo aos artesãos do seu país. Estes uniram os fragmentos com verniz polvilhado de ouro e os encaixaram no lugar certo. A peça ficou inteira novamente e, nas áreas de fratura, mostrava linhas douradas que não escondiam, mas destacavam as imperfeições. No velho objeto restaurado, havia uma nova dimensão de completude, mas também de beleza e originalidade, porque não mascarava a passagem do tempo e os sinais do uso. A peça mostrava suas cicatrizes, mas era única. A arte do Kintsugi recuperara e valorizara duplamente o objeto: com o trabalho artístico do restaurador e com o ouro.

Chamado de “carpintaria de ouro” e também utilizado em peças de cerâmica de outros lugares como China, Vietnã e Coreia, o processo transformou-se numa forte e sugestiva metáfora da importância de resiliência e da superação das adversidades. Os orientais, mais uma vez, nos ensinam valores: a valorizar o momento presente, mas sem apego ao que é seguramente impermanente.

 

Em São Paulo, o kintsugi e seus métodos de reparação têm sido tema de artigos e exposições, como a bem sucedida e bastante visitada A Arte da Imperfeição, realizada no Shopping D&D, em 2019, com o trabalho do restaurador e arquiteto Paulo Hatanaka, aquele amigo que conheci lá em Roma, no final do século passado. Em breve, a Japan House também vai expor seu trabalho. 

Abaixo, duas entrevistas com o arquiteto-restaurador-artista. A primeira, recém-divulgada pela Japan House e a segunda, pelo canal Arte é investimento, divulgada em agosto de 2019.

 
 
Parabéns, mio caro amico Paulo, por se reinventar, por não desistir, por nos fazer redescobrir a beleza mesmo nas marcas do tempo, por nos relembrar que nada é permanente, que a beleza está na essência e nos olhos de quem vê. Mais do que nunca, é preciso desconstruir mitos impostos de juventude eterna e externa
Viva a Arte que segue enchendo nossos olhos, nossos corações e nos fazendo refletir!  

Paulo Hatanaka
Restauração de obras de arte
Telefone: +55-11-94155-3636 | E-mail: phatanakap@gmail.com https://www.facebook.com/profile.php?id=100012733654990
https://www.instagram.com/hatanakapaulo/

Referências

Todas as imagens são de autoria de Paulo Hatanaka.
https://www.youtube.com/watch?v=AFir6N6g6cg&feature=youtu.be
https://reliquiano.com/2017/10/03/paulo-hatanaka-restauracao-de-ceramicas-porcelanas-tecnica-japonesa-kintsugi/
IMBROISI, Margaret; MARTINS, Simone. Kintsugi: Métodos de Reparação. História das Artes, 2020. Disponível em: <http://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/kintsugi-metodos-de-reparacao/>. Acesso em 04 Aug 2020.

21 comentários:

  1. Linda a arte de recuperação de peças com ouro , kintsugi , que eu não conhecia ainda , acrescida do significado da metáfora da importância das resiliência e superação de dificuldades. Obrigada Helena S.Giordano

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    1. Trabalho muito lindo, não é mesmo? Obrigada, helena, por comentar. apareça. abraços

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    2. Gostaria de cursos no Rio de Janeiro

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  2. Anita,curti muito esse post. Linda essa técnica de reparação.

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  3. Muito interessante essa técnica. Gosto demais da cultura oriental, que com essa arte nos ensina a beleza imensa que existe na imperfeição. É a partir dela que surge a mais bela perfeição!!

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    1. Com certeza, a cultura oriental é única, maravilhosa, tanto a nos ensinar... obrigada e um grande abraço

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  4. Oi, Marta... conceitualmente também, né? Obrigada por comentar, grande abraço...

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  5. Anita, parabéns pela sua iniciativa em divulgar o belo trabalho de recuperação de obras de arte e também de objetos de valor pessoal que nosso “amico” arquiteto Paulo Hatanaka vem realizando, utilizando uma técnica japonesa tão antiga. Saber se reinventar além de corajoso demonstra a capacidade de adaptação aos novos desafios, ou melhor ao novo normal. Congratulazioni Paolo!!

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    1. Não é? Você também conhece a fera.... Obrigada por estar sempre aqui... Beijos

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  6. É linda essa técnica. Trás vida a uma peça considerada perdida. Não sabia que alguém aqui no Brasil usava essa técnica

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    1. Acho que , aos poucos, ela vai se espalhando, né? beijos e obrigada por estar sempre aqui...

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  7. Adorei a ideia por trás da técnica. É como viver: podemos sofrer uns arranhões, umas rachaduras, até nos quebrar, mas vamos nos emendando. As marcas ficam, mas nos transformam em outras belezas únicas. Belíssimo texto.

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    1. Com certeza, e sempre o Oriente nós ensinando. Obrigada, querida por comentar. Beijos.

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  8. Ótimo artigo, Parabéns e obrigado por nos trazer conhecimento através de suas publicações.

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    1. Puxa, obrigada. Fico feliz pelo seu comentário, né? Mas como já disseram, conhecimento não ocupa espaço, então, vamos aprendendo a cada dia, certo. Todos nós . Triste daquele que acha que sabe tudo. Abraços.

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  9. Anita, fiquei impressionada com a trajetória de vocês, dois arquitetos brasileiros na Itália.
    E fascinada pela arte que aqui é revelada!!!
    Muito lindo.

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    1. Não é? Mundo muito pequeno, mas confesso que quando saí daqui já tinha o nome dele para entrar em contato, como referência. Depois, foi só alegria e viramos amigos... abraços e obrigada...

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  10. Parabéns pelo texto!Parabéns por esta arte de recuperação de peças e o método usado.A vida é uma arte!Bebel

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  11. Que interessante, não conhecia esta técnica de restauro.Bjs amiga

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