terça-feira, 30 de março de 2021

Ecos Culturais | Mitologia, filosofia e ócio criativo

Desde criança gosto de mitologia. A culpa é de Monteiro Lobato, em seus dois volumes de “Os doze trabalhos de Hércules”, que despertou meu interesse pelo estudo dos mitos e pelos deuses humanos, demasiadamente humanos, como disse o filósofo alemão Nietzsche. E, por falar em Nietzsche, também sempre gostei de filosofia (amor à sabedoria, ao conhecimento), tanto é que, era aluna assídua nas aulas de filosofia no Ensino Médio e, depois de formada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP, prestei vestibular para Filosofia, na mesma universidade. Mas em razão de atividades profissionais, só consegui cursar algumas matérias, todas com rico conteúdo e boas discussões, sobretudo as aulas com a grande mestra, filósofa e pensadora Marilena Chauí, por exemplo, sobre Baruch Espinoza.

O Pensador (1904). Escultura em bronze. Auguste Rodin, Museu Rodin, Paris. 

Aliás, observar o que vem ocorrendo no nosso país (e no mundo) só confirma por que defendo a volta urgente do ensino de filosofia nas escolas, de onde nunca deveria ter saído. Ao contrário, deve ser incentivado e aplicado cada vez mais cedo, das séries básicas aos cursos superiores. A filosofia ensina a pensar, a relacionar e analisar fatos, ideias, conteúdos e valores e, assim, criar argumentos consistentes para o indivíduo se libertar de generalizações e repetições mecânicas.  

O pensamento filosófico está onde sempre esteve: na base da nossa capacidade de refletir. Contudo, o desenvolvimento do processo do pensar e do saber filosófico leva tempo. Não é um processo automático, rápido e tampouco acontece num passe de mágica. É preciso calma e tempo para pensar, compreender, analisar, comparar, refletir, sintetizar, chegar a uma conclusão e formar um pensamento próprio, uma ideia embasada.

Domenico de Masi. Divulgação
Esse tempo fora do trabalho dedicado à reflexão, ao pensamento e à criatividade é o chamado "ócio criativo", conceito citado pelo sociólogo italiano Domenico de Masi, autor do livro do mesmo nome. É aquele tempo necessário entre atividades de estudo, trabalho, lazer, mas não tem a ver com preguiça ou inatividade. Tem a ver com reflexão criativa e introspecção. De Masi lembra que sua aplicação em ambientes corporativos se traduz em produtividade para a empresa e  satisfação para os trabalhadores. 
 
Sem esse esse tempo para formar um pensamento crítico, acabamos sendo manipulados, usados como massa de manobra e aceitando, sem questionar, o que nos impõem por meio de mecanismos, diga-se de passagem, nada sutis. Acabamos desenvolvendo a intolerância, encerrando-nos em uma bolha onde só há iguais e negando a existência da realidade e da diferença. 

O conhecimento, portanto, é um processo único de libertação que só se dá ao longo do tempo. Por isso, quando me perguntam por que defendo a volta da filosofia nos currículos escolares, minha resposta é simples: porque só a filosofia nos torna livres para pensar criticamente. E isso não tem preço!

Referências: 

http://lounge.obviousmag.org/ideias_de_guerrilha/2016/06/a-importancia-do-ocio-criativo.html#ixzz6ml0XJUnd

quarta-feira, 24 de março de 2021

Ecos Culturais | A Loba de Rômulo e Remo


As lendas
, tradições e personagens ligados à origem dos povos costumam ser transmitidos de geração em geração, perpetuando-se com o tempo e constituindo sua identidade e seu patrimônio cultural. Além disso, não sendo discutidos ou questionados, acabam sendo aceitos como mitos. No entanto, muitos pesquisadores e curiosos questionam essas origens e buscam outras respostas. Em geral, são historiadores, mas também tradutores, antropólogos, folcloristas, estudiosos da literatura e das tradições culturais e identitárias dos diferentes povos, entre outros. 

Loba Capitolina (séc.XI e XII). Museu Capitolino, Roma
 
No meu caso, em várias ocasiões, cheguei a me perguntar quando, como e por que determinados hábitos e tradições teriam começado, mas nunca pesquisei a fundo, a não ser na minha própria área e, sempre, em casos específicos. Dou um exemplo: nas minhas andanças pela Itália, conhecendo a história, a arquitetura, a arte e a cultura local, cheguei a falar com meus botões sobre a origem da lenda da loba Luperca que alimentou os gêmeos Rômulo e Remo e impediu que os considerados fundadores de Roma morressem de fome. Segundo a lenda, os dois eram filhos do Deus Marte e da vestal Rea Silvia, mas como as vestais deveriam ser virgens, logo após o nascimento os bebês foram atirados no rio Tibre. A tal loba os encontrou e alimentou-os por um tempo até que foram encontrados por um pastor, Fáustulo, que os levou para sua casa e cuidou deles até crescerem. 
Aliás, acredita-se que a célebre escultura em bronze da Loba Capitolina, de 75 x 114 cm e criada entre os séculos XI e XII (foto acima), seja uma cópia medieval em bronze de uma escultura etrusca (os etruscos foram os habitantes da região do Lácio, antes dos romanos). Hoje a escultura faz parte do rico acervo dos Museus Capitolinos, no centro de Roma: três edifícios em torno da belíssima Praça do Campidoglio, redesenhada por Michelangelo, em 1536. 
 
Piazza do Campidoglio, Roma.
Mas voltando aos meus botões. Só questionei e, no máximo, conversei com arquitetos e historiadores da arte sobre a lenda. Nada além disso. Aceitei-a como folclore e segui adiante. Um belo dia, nas minhas leituras sobre história, deparei-me com uma explicação bastante lógica. Falo do blog História e outras Histórias, da historiadora (claro) Marta Iansen que foi pesquisar tal origem em textos antigos. Vale a pena ler Quem era a loba que alimentou Rômulo e Remo. Ocorre que, em suas buscas, a historiadora também identificou o termo loba (lupa) como eufemismo para prostituta, o que é bem plausível para mim. O que acham?  

Referências
https://martaiansen.blogspot.com
https://martaiansen.blogspot.com/2020/09/loba-que-alimentou-romulo-e-remo.html

quarta-feira, 17 de março de 2021

Ecos Imateriais | Refletindo com...

Com o início da pandemia do Coronavírus e a suspensão das atividades presenciais de yoga era preciso manter vivo o laço entre alunos e amigos nesse período de recolhimento forçado,
reafirmar os ensinamentos e as práticas e enfrentar, como comunidade, essa fase com mais energia e equilíbrio. Familiarizados, já sabemos que a prática não se resume a uma série de exercícios físicos ou respiratórios; que os asanas são a ponta do iceberg da ciência do yoga, ao mesmo tempo uma filosofia e um caminho de vida, e que era indispensável manter o equilíbrio físico e mental, apesar das circunstâncias externas. De março a maio de 2020, através do Espaço Dharma de Yoga, enviei mensagens diárias e videoaulas, sugerindo práticas simples e diárias. Porém, logo desisti da minha carreira de produtora e apresentadora de vídeos e mudei a forma, mas não o conteúdo. Investi nos áudios - três por semana - e mais pessoas foram incluídas. 

Aos poucos, outros amigos e alunos foram ingressando no grupo. Após três meses, todos tinham em mãos, para uso pessoal, um rico material que contemplava várias técnicas do yoga e meditações. Embora o indivíduo possa não perceber de imediato os efeitos do trabalho, todas essas técnicas atuam nos planos físico, mental, emocional e espiritual do praticante, trazendo equilíbrio, confiança, alegria interior e saúde, melhorando o funcionamento geral do organismo, em especial, do sistema imunológico. Destacava a importância de viver o momento com atenção plena para diminuir a agitação mental e reafirmava que meditar é estar presente, silenciar a mente para ouvir a alma, descansar da correria da vida e do turbilhão de pensamentos e emoções. Afinal, yoga é voltar-se para dentro, sentir a própria verdade e reunir-se com a essência, a nossa parte divina, da qual estamos tão afastados.

Com o crescimento do grupo, desativei os áudios e criei o grupo Refletindo com Anita, iniciando outro ciclo, agora apenas com palavras de grandes luminares da humanidade – yogues, estudiosos da alma humana, líderes espirituais, poetas, escritores, filósofos. Já contamos 12 meses de trabalho singelo, porém ininterrupto, de mensagens diárias que estimulam o autoconhecimento, o ânimo, a resiliência, a empatia e a esperança.  

Sou muito grata a todos pela confiança, pelo retorno recebido e pelas incontáveis manifestações de carinho. Selecionar, adequar e postar os exercícios e mensagens me trouxeram motivação, alegria e sensação de pertencimento pelo fato de ter contribuído, ao menos um pouco, para aliviar a ansiedade nesses tempos tão desafiadores. Que as mensagens sejam internalizadas e vivenciadas. Que logo possamos retomar os contatos, os abraços, os chás e os nossos satsangas. Termino com a saudação habitual dos nossos encontros, uma frase para ser vivida, mais do que falada: Deus que habita em mim saúda Deus que habita em você. Namastê!