quarta-feira, 24 de março de 2021

Ecos Culturais | A Loba de Rômulo e Remo


As lendas
, tradições e personagens ligados à origem dos povos costumam ser transmitidos de geração em geração, perpetuando-se com o tempo e constituindo sua identidade e seu patrimônio cultural. Além disso, não sendo discutidos ou questionados, acabam sendo aceitos como mitos. No entanto, muitos pesquisadores e curiosos questionam essas origens e buscam outras respostas. Em geral, são historiadores, mas também tradutores, antropólogos, folcloristas, estudiosos da literatura e das tradições culturais e identitárias dos diferentes povos, entre outros. 

Loba Capitolina (séc.XI e XII). Museu Capitolino, Roma
 
No meu caso, em várias ocasiões, cheguei a me perguntar quando, como e por que determinados hábitos e tradições teriam começado, mas nunca pesquisei a fundo, a não ser na minha própria área e, sempre, em casos específicos. Dou um exemplo: nas minhas andanças pela Itália, conhecendo a história, a arquitetura, a arte e a cultura local, cheguei a falar com meus botões sobre a origem da lenda da loba Luperca que alimentou os gêmeos Rômulo e Remo e impediu que os considerados fundadores de Roma morressem de fome. Segundo a lenda, os dois eram filhos do Deus Marte e da vestal Rea Silvia, mas como as vestais deveriam ser virgens, logo após o nascimento os bebês foram atirados no rio Tibre. A tal loba os encontrou e alimentou-os por um tempo até que foram encontrados por um pastor, Fáustulo, que os levou para sua casa e cuidou deles até crescerem. 
Aliás, acredita-se que a célebre escultura em bronze da Loba Capitolina, de 75 x 114 cm e criada entre os séculos XI e XII (foto acima), seja uma cópia medieval em bronze de uma escultura etrusca (os etruscos foram os habitantes da região do Lácio, antes dos romanos). Hoje a escultura faz parte do rico acervo dos Museus Capitolinos, no centro de Roma: três edifícios em torno da belíssima Praça do Campidoglio, redesenhada por Michelangelo, em 1536. 
 
Piazza do Campidoglio, Roma.
Mas voltando aos meus botões. Só questionei e, no máximo, conversei com arquitetos e historiadores da arte sobre a lenda. Nada além disso. Aceitei-a como folclore e segui adiante. Um belo dia, nas minhas leituras sobre história, deparei-me com uma explicação bastante lógica. Falo do blog História e outras Histórias, da historiadora (claro) Marta Iansen que foi pesquisar tal origem em textos antigos. Vale a pena ler Quem era a loba que alimentou Rômulo e Remo. Ocorre que, em suas buscas, a historiadora também identificou o termo loba (lupa) como eufemismo para prostituta, o que é bem plausível para mim. O que acham?  

Referências
https://martaiansen.blogspot.com
https://martaiansen.blogspot.com/2020/09/loba-que-alimentou-romulo-e-remo.html

14 comentários:

  1. Olá Anita,
    Com certeza você já sabe que as “lendas são narrativas que misturam fatos, lugares reais e históricos com acontecimentos que são frutos da fantasia. Elas procuram dar explicações para acontecimentos misteriosos e sobrenaturais”.
    Como você mesma nos informou ao passar de geração em geração algumas narrativas se transformam em patrimônio cultural intangível de um povo, que é uma categoria de patrimônio cultural e que foi definida pela “Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial”, adotada a partir de 2003, pela UNESCO.
    São exemplos de patrimônio imaterial: os saberes, os modos de fazer, as formas de expressão, celebrações, as festas e danças populares, lendas, músicas, costumes e outras tradições.
    No caso da lenda da loba capitolina realmente suas origens nos deixam muito curiosas, mas isto não acontece quando pensamos nas nossas lendas, pelo menos isto acontece comigo. Nunca parei para conferir quando foi a primeira vez que que o boto cor-de-rosa, animal semelhante ao golfinho e que vive nas águas amazônicas, se transformou, em uma noite de lua cheia, em um jovem belo e elegante... Aceitamos naturalmente que sendo um personagem sedutor e dono de um estilo comunicativo, o boto sempre escolhe uma moça solteira e bonita e a leva para o fundo do rio... Provavelmente o fato de conhecermos as lendas de nosso folclore desde os primeiros anos de vida, onde a ênfase da lenda é focada na riqueza e na pluralidade de nossa cultura, bem como, na valorização e formação de nossa identidade cultural, a questão de sua origem fica secundária.
    Na minha humilde opinião ao nos depararmos com uma lenda que não faz parte de nosso repertório cultural, ficamos surpresos e intrigados e tentamos entender suas origens para fazermos as conexões necessárias para compreendermos a sua importância e sua valorização na formação da identidade de um povo,no caso os romanos/italianos.
    Mais uma vez adorei sua reflexão sobre a lenda da loba e seus gêmeos, fato este que me ajudou a relembrar uma fase maravilhosa da minha vida. Confesso que também sempre tive curiosidade sobre este tema e foi uma bela viagem que fiz ao relembra-la.
    Beijos
    Mariângela

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    1. Obrigada pelo extenso comentário esclarecedor, Mariângela. Sim, por isso é tão importante observar, estudar, pesquisar e, sobretudo respeitar as lendas e tradições de todos os povos. São povos diferentes, com tradições diferentes, mas tão valiosas quanto as nossas. Viva o patrimônio, viva a cultura, viva a ciência, viva a Unesco! Um beijo, querida.

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  2. Obrigada pelas suas observações, Anita! De fato, Tito Livio (I,4) relata a lenda e sugere a identificação loba = prostituta. Mas eu não lembrava e graças a você voltei a Tito Livio. Pensando na estátua, trago esta referência (familiar): https://istoe.com.br/11252_A+IDADE+DA+LOBA/. Um beijo,Sílvia (I'm back)

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    1. Obrigada, querida. Sua informação e a carinha boa do seu pai, grande arqueólogo, me deram a ideia de um novo post. Viva a Ciência! Que bom que está de volta!!! Não suma! beijos

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  3. Parabéns Anitinha!Gostei de seu texto.Lenda ou história sempre ficamos curiosos com o que o passado nos apresenta.Bebel

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  4. Anita, gratidão por nos despertar a reflexão e curiosidade do simbolismo que está contido na história da civilização romana. É bem interessante ver além do que está dito. Enxergar e perceber que há muito no dito e no não dito no processo de valores e significados ao longo da jornada humana. Muito bem!

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    1. Obrigada, mas não se esqueça de deixar seu nome aqui no corpo da mensagem, senão não sei quem mandou. Abraços

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  5. Santas escravas, prostitutas e bruxas que embalam e alimentam nosso inconsciente coletivo com a força e luz da superação e da luta contra as injustiças e atrocidades humanas.
    Assim como Thomas Hobbes, vivemos em tempos de perceber que o lobo é lobo do homem e que alguns animais são mais racionais que outros.
    Amo acordar refletindo e aprendendo com vc!

    Abraços virtuais e até mais!
    Érica Resende

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    1. Érica, querida. Verdade... lutadoras e guerreiras para alimentar o inconsciente, nos inspirar e lutar contra as injustiças dos lobos humanos. Obrigada, querida, pelo carinho, ainda que à distância. Logo, logo, poderemos nos abraçar e sem virar jacarés..... beijo grande

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  6. Outro texto interessante da Anitaplural!
    Um guia turístico de Pompeia uma vez disse que "lupanar", termo que se generalizou, na verdade, só existia em Pompeia. Porque as prostitutas ficavam num promontório, se não me engano. Num lugar alto. E quando os marinheiros aportavam, elas uivavam como lobas, fazendo o convite para que eles procurassem o lugar, à noite. Lupanar, o lugar da loba. E as vestais que quebravam o voto de castidade eram enterradas vivas. Horrível!
    Então, a conclusão do seu texto é de que era mesmo uma mãe postiça lupa, prostituída. Muito bom! Grande abraço!

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    1. Oi, Valquíria, veja só que interessante... Não sabia das prostitutas de Pompeia. Tudo faz sentido, né? beijos e obrigada

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  7. Que belo. O post é os comentários compõe riquíssima aula.

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    1. Obrigada, Romanelli. Muito orgulho por ter você aqui. Abraços

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