terça-feira, 2 de março de 2021

Ecos Imateriais | O recado das estações

Celebrações calcadas em tradições e significados profundos são sempre bem-vindas. Os povos antigos celebravam suas tradições com festividades, rituais, cultos e danças:  as estações, o movimento cíclico da natureza, os solstícios (sol parado), os equinócios (noites iguais aos dias), as colheitas, os nascimentos, as uniões, as vitórias. Com relação à natureza, nós também deveríamos comemorar essas mudanças de forma mais consciente, pois refletem o equilíbrio do cosmos, das forças universais que carregam ciclos completos de vida: nascer, crescer, frutificar, envelhecer, morrer, renascer. Sim, a morte, como transformação, faz parte do ciclo da vida.

As estações influenciam o clima, o regime de chuvas, a vegetação (plantio e colheitas), as marés e a nossa vida. Cada uma traz uma mensagem para nós, os habitantes do planeta e parte integrante da natureza. Basta observar, sentir e aprender. A cada nova estação, temos a chance de observar a natureza e reavaliar o modo de conduzir nossas vidas. Como a rotina, que parece sempre igual, a cada dia temos uma nova oportunidade de realizar algo - talvez a mesma coisa - de forma diferente, melhor. Nada é estático, tudo está em contínua transformação, por mais sutil que pareça. A mudança faz parte da vida, como lembrava em sua obra "Metamorfoses" o poeta latino Ovídio (43 a.C--18 d.C), que influenciou tantos artistas e autores. A cada ano, vivemos quatro estações em dois ciclos: outono-inverno, tempo de recolhimento e preparação, e primavera-verão, tempo de florescimento e expansão. 

O outono (do latim autumno, tempo da colheita) era a época das grandes colheitas, armazenamento de comida e preparação para o inverno. No outono, dias e noites têm a mesma duração, mas os dias vão ficando cada vez mais frescos. Coberto de folhas, o chão avisa que é tempo de desapegar-se do que não serve mais, desprender-se do que passou e usar as experiências vividas para aprender... Com a redução da luminosidade do sol, o outono pede repouso, uma forma de se preparar para o grande recolhimento do espírito no inverno. A beleza, no entanto, continua presente: nas cores das folhas, no azul do céu, no calor cálido do sol, na brisa fresca. Contemplar o espetáculo das folhas amareladas e douradas caindo para transformar-se em adubo é de uma beleza inigualável, plena de encanto e de vida, já que não há perda, apenas transformação e renovação.

https://www.revide.com.br/noticias/clima/inverno
O inverno (do latim hibernu, tempus hibernus, tempo hibernal) traz dias mais curtos e noites mais longas. Guarda o repouso do outono e o aprofunda, preservando o essencial; nutre a semente recolhida, protegendo-a do frio, esperando que ela brote, quando chegar o tempo. Apesar da aparente imobilidade, porém, tudo pulsa seguindo o ritmo natural do ciclo da vida – inspirar-expirar e expandir-contrair. O ciclo outono-inverno ensina que a aparência é transitória, que é preciso preservar o essencial, porque sem as folhas caindo, misturando-se ao solo, sem chuva que transforma tudo em húmus, a terra não se tornaria fértil. É um tempo que convida ao recolhimento e à introspecção, leva o indivíduo a reconectar-se com seus ancestrais e com sua luz interior. O inverno convida-nos a uma tranquila espera. 

Já no ciclo primavera-verão tudo se renova. Como diz a música, quando setembro vier trazendo a primavera (do latim primo vere, começo do verão), os dias serão mais longos e agradáveis; o céu, mais azul, tons de verde, multiplicados e a terra, pontilhada de flores coloridas. É tempo do aumento gradual das chuvas, de abelhas, beija-flores e animais fazendo seus ninhos. Tudo o que estava recolhido irrompe e vem à luz. É tempo de deixar brotar, florescer e esticar os braços, vivendo a força da renovação. 
 
Fechando o ciclo, o verão (do latim veranum, veranuns tempus, tempo primaveril). A estação mais quente do ano, com dias mais longos que as noites e com o céu mais límpido do ano, no Hemisfério Sul. Tempo de mais chuvas, de tempestades limpando a atmosfera, de raios, trovões, de plena luz do sol na natureza, na pele e na vida; tempo do fruto maduro e abundante, de fartura e exuberância. Verão é tempo de frutificar e expandir alegria. 

O fato é que, eternamente, haverá dois ciclos; um está contido no outro, um depende do outro e ambos são necessários. Repetindo Albert Camus, o importante é lembrar que “no meio do inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível.” Observando a mudança das estações, fica evidente que é preciso celebrar a Vida e entregar-se com confiança ao eterno fluxo e refluxo da natureza, às fases da lua, ao dia e à noite, à vida e à morte, porque sempre haverá o tempo de plantar, o de colher, o de se transformar e o de renascer… O importante é saber que nada é permanente e aprender a viver com equilíbrio o privilégio e a plenitude de cada momento.

11 comentários:

  1. Maravilha de Texto!
    Naturalmente Belo!

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    1. Você sabe dessa transformação, né Isare? Obrigada por comentar, querida. Beijo

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  2. Uma poesia este texto. E a gente segue vivendo estás mudanças dentro de nós. Tem dia que somos outono inverno, outro primavera verão. Tudo em um grande aprendizado.

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    1. Com certeza! O importante é lembrar que o verão é invencível!!!!! Beijos, querida

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    2. Pois é, meu bem, com certeza, sempre dando tempo o tempo, estando presente e consciente...bjs

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  3. Apesar da natureza estar meio "cabreira" com o ser humano que em geral tem tratado muito mal o planeta que habita e que se continuar nesse processo terá respostas muito duras, também vejo dentro de cada um a poesia da eterna mudança e aprendizado. Mesmo que dolorido.
    Muito bom o texto.
    bjs.
    Carlos Sá

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  4. Desde sempre, né? Um aprendizado constante.....beijo e obrigada

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  5. Bonito texto! Todas as estações tem para nós um aprendizado. Precisamos amar mais e admirar mais cada uma delas,pois aprendamos com cada uma.Bebel

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  6. Lindo, Anita. Como sempre trazendo para nós uma nova reflexão. Bjs

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  7. Belo texto. Nos faz lançar um olhar mais apurado, sobre a natureza.
    Tudo está interligado, homem e natureza. Parabéns.

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