Certa vez li uma frase do escritor tradutor, linguista
e semiólogo italiano, Umberto Eco (1932-2016), que, na época, me pareceu um tanto agressiva. Hoje, não poderia estar mais de acordo
com o seu pensamento. Em uma entrevista ao jornal La Stampa, Eco disse que as
mídias sociais deram voz a uma legião de imbecis
(aqui).
I social media danno
diritto di parola a legioni di imbecilli che prima parlavano solo al bar dopo
un bicchiere di vino, senza danneggiare la collettività. Venivano subito messi
a tacere, mentre ora hanno lo stesso diritto di parola di un Premio Nobel. È l’invasione degli imbecilli.
[As redes sociais dão o direito de falar a uma legião de imbecis que
antes só falavam na mesa de bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a
coletividade. Eram rapidamente silenciados, mas agora têm o mesmo direito de
falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis.] Umberto Eco ao jornal La Stampa, 11 junho 2015.
Sim, porque manifestar sua "opinião", em frases que começam com o famoso "eu acho" atrás da tela de
um computador é fácil. Difícil é defender com argumentos sólidos o que fundamentou essas opiniões. Sabemos que uma imensa
quantidade dos comentários das redes sociais carece de verificação da veracidade da informação, de análise isenta, dimensão
histórica, pensamento crítico, visão abrangente, ética e por aí vai...
A esse respeito recomendo o excelente artigo de
Elenira Vilela, professora no Instituto Federal de Santa Catarina e líder
sindical. O artigo já começa com um questionamento: — Você precisa falar sobre
tudo? Você tem criticado o opressor mais do que critica as tentativas de
resistência e enfrentamento dos oprimidos?
Pronto. A
pergunta já mexe com nossos brios, mas refiro-me não só a
questões políticas (trágicas, por sinal), mas a qualquer assunto. Acho que todo
mundo conhece alguém que não consegue ouvir algo sem emitir uma opinião a
respeito, concordam? E o pior é quando esse alguém repete e divulga notícias enganosas.
Quando eu pergunto: — Onde você obteve essa informação? A resposta é: — No
Instagram, no WhatsApp ou no FB. Convenhamos, não
dá para levar isso a sério, né? O fato é que esse comportamento leva a diversas
formas de incompreensões, incitamento a violência e criação de alvos
fáceis nessa era de pós-verdades.
Em seu artigo,
Elenira Vilela recorda que aquele que quer opinar sobre movimentos sociais, por
exemplo, deve perguntar-se se tem direito, legitimidade e condições de falar
sobre aquele tema e com qual objetivo. Diz ela (e eu concordo) que além do
compromisso crítico e analítico que qualquer palavra escrita ou falada exige,
falta-nos o compromisso ético.
O mais triste
talvez seja perceber que, mesmo com uma pandemia que já levou dois anos da
nossa vida, a ficha ainda não caiu para muitos que acham que tudo voltará ao
“normal”. Que normal? Pois foi o “normal” que levou a isso tudo. Será que ainda
não ficou claro? Já passou da hora de mudar e mudar significa, para começar,
reexaminar-se, analisar-se, avaliar seu comportamento com isenção e transformar-se.
Vários autores já falaram sobre isso: Márcia Tiburi, Leandro Karnal, Mário Sérgio
Cortella, Leonardo Boff, Frei Betto, entre muitos outros. Do meu lado, sugiro a leitura de outro post aqui
no blog: a resenha de Gramática da Manipulação, livro de Letícia
Sallorenzo, jornalista e mestre em Linguística pela Universidade de Brasília.
No livro ela analisou como a grande mídia dá as notícias. O
leitor comum não percebe essas sutilezas e, de tanto ler as mesmas coisas do
mesmo jeito, na mesma ordem e com a mesma ênfase, acaba por aceitar aquela
versão dos fatos como verdade. E a replicar o que leu, sem questionar, sem checar a fonte, sem uma
leitura mais profunda e crítica, criando uma linha de
pensamento paralela, num processo que exige mais reflexão, mais empatia e mais
cuidado com a dor alheia.
Enfim, é bom
lembrar que existe vida fora das redes sociais e que a linguagem das redes
também pode ser (muito) violenta, preconceituosa e mentirosa. Conclusão: é
preciso ler com um pé atrás, buscar outras fontes, analisar outros dados
históricos e fazer as contas e as conexões devidas, pois ler é muito mais do
que entender o que está escrito.
Antes de
escrever e publicar sua opinião sobre qualquer coisa, vale avaliar: tenho
certeza absoluta do que vou dizer, tenho legitimidade para isso? E, mais,
humildemente vale perguntar-se por que sua opinião interessaria aos demais leitores.
Termino com uma frase singular do texto de Elenira Vilela:
Enfim,
a sabedoria popular vive nos lembrando que temos dois ouvidos e uma boca, que a
palavra é de prata e o silêncio é de ouro. Se, na maior parte das vezes, a única
atitude que te passa pela cabeça é opinar sem reflexão, talvez calar seja a
única opção realmente ética.
Referências:
https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/elenira-vilela-falta-etica-na-publicizacao-de-opinioes-de-muita-gente.html
https://anitadimarco.blogspot.com/2019/04/ecos-literarios-gramatica-da-manipulacao.html
https://www.lastampa.it/cultura/2015/06/11/news/umberto-eco-con-i-social-parola-a-legioni-di-imbecilli-1.35250428