Capa com bordado do Grupo Teia de Aranha |
A princípio, li sobre a sua carreira, assisti a palestras e discussões sobre a proposta de traduzir Guimarães Rosa e a conheci na FLIP-2017 em Paraty. Depois participei de uma oficina, em Belo Horizonte, justamente sobre a tradução de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1908-1967). A oficina foi proposta pelo Itaú Cultural, que apoiou a tradução do livro. Depois, fiz outras oficinas, agora on-line, porque, durante a pandemia de Covid-19, ela e a família voltaram para sua terra natal. O fato de ter morado no Brasil por cerca de 25 anos, sem dúvida, foi decisivo para ela entender os jogos de palavras do autor: neologismos, assonâncias, aliterações e outras invenções linguísticas do mineiro de Cordisburgo.
Nas aulas semanais das oficinas estudamos teoria e prática, trocamos ideias e traduzimos em conjunto, ou seja, é um ambiente rico, desafiador e divertido. Em grupo, aprende-se e trabalha-se muito, no caso, sempre com a orientação sensível da generosa professora. Generosa, sim, porque além de brilhante profissional ela nos envolve em propostas, concursos e premiações. Já mencionei, em algum lugar, que, em duas ocasiões, sob sua mentoria, seus grupos já conseguiram dois prêmios: o terceiro lugar na tradução de um poema de Ana Martins Marques, pelo Stephen Spender Prize- UK, em 2022 e o primeiro lugar na tradução de um conto de Adriana Lisboa, pela Australasian Association of Writing Programs - AAWP, 2024. Aliás, Alison foi a premiada, na edição de 2022 desta mesma associação com a tradução de um trecho de Grande Sertão: Veredas.
Alison Entrekin, IEB-USP. Foto Anita Di Marco |
O nome em inglês? Vastlands: The crossing.
Escolhido depois de muita conversa entre os editores e a tradutora, o novo título tem tudo a ver com as ideias de Rosa: criou um neologismo em inglês (Vastlands = Vast + Land, no plural), mantém os dois pontos, sempre defendidos por Rosa, e o termo The crossing (travessia), tão presente na obra original, representando as travessias, as veredas, os meandros da vida. Tudo isso mostra o preparo, a criatividade linguística, o cuidado e o respeito da tradutora com relação ao original. Aliás, mais que uma tradução, esta é uma recriação, uma reescrita criativa, uma transcriação. Haroldo de Campos e Guimarães Rosa devem estar aplaudindo e se deliciando com o resultado!
Daniela, Alison e J.Miguel Wisnik, IEB-USP. Foto: Anita Di Marco |
Amparada pelas cartas de Rosa
para os tradutores dos diversos idiomas para os quais a obra foi traduzida, pelos estudos, teses, dissertações e toda a fortuna
crítica conseguida desde o lançamento do romance em 1956, a
hercúlea travessia da tradutora, ao longo de dez anos, será recompensada, com certeza, com muitos convites para palestras, entrevistas, aulas, homenagens e prêmios.
Agora em outubro, Alison Entrekin esteve no Brasil para algumas palestras e discussões relativas a esse grande feito: na PUC-Rio e na FLIP Paraty, Rio de Janeiro, e em São Paulo: primeiro na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e, depois, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo. Claro, nós estivemos lá, a prestigiamos e aplaudimos, bem como à sua colega Daniela Travaglini, que, aqui no Brasil, foi a ponto de apoio preciso e certeiro, ao longo dessa empreitada de uma década.
Aos alunos, amigos e admiradores, só resta ficar no gargarejo para aplaudi-la de perto e sempre! Um trabalho que muitos acreditavam não ser possível. Não só foi possível, mas, mais que isso, será um marco na divulgação da literatura brasileira no exterior. Que bom que Guimarães Rosa encontrou Alison Entrekin! Bom para ele, para o livro, para os brasileiros e para o mundo anglófono, que vai conhecer essa obra monumental. Torcemos para que, logo, ela consiga se recuperar da maratona e reunir ou destrinchar em livro, didático ou não, tudo o que viu, descobriu, aprendeu e vivenciou nesse processo. Será um fechamento dessa travessia com chave de ouro, uma alegria e um presente para nós, tradutores e interessados; será, com certeza, a proposição de um novo patamar a ser alcançado pelos tradutores literários.
Referências
https://jornaldapuc.vrc.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?amp%3Bsid=29&infoid=14415&sid=29
https://www.itaucultural.org.br/secoes/noticias/traducao-de-grande-sertao-veredas-ganha-premio