quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Ecos Tradutórios| Grande Sertão: Veredas, em inglês

Em tudo na vida, parto de duas premissas: a primeira é que a gente nunca para de aprender e a segunda é uma frase do mestre Paulo Freire, “Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar”. Assim, apesar de já ter traduzido dezenas de artigos e livros, a maioria sobre minha formação inicial, 
arquitetura e urbanismo, depois de conhecer Alison Entrekin, tradutora literária australiana, resolvi fazer alguns cursos com ela e aprender mais. Premiada, ela já traduziu dezenas de autores brasileiros para o inglês como Chico Buarque, Daniel Galera, Clarice Lispector, José Mauro de Vasconcellos, Eva Furnari, Adriana Lisboa, Paulo Lins, Cristóvão Tezza, Tatiana Salem Levy, Drauzio Varella etc...

 Capa com bordado do Grupo Teia de Aranha

A princípio, li sobre a sua carreira, assisti a palestras e discussões sobre a proposta de traduzir Guimarães Rosa e a conheci na FLIP-2017 em Paraty. Depois participei de uma oficina, em Belo Horizonte, justamente sobre a tradução de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1908-1967). A oficina foi proposta pelo Itaú Cultural, que apoiou a tradução do livro. Depois, fiz outras oficinas, agora on-line, porque, durante a pandemia de Covid-19, ela e a família voltaram para sua terra natal. O fato de ter morado no Brasil por cerca de 25 anos, sem dúvida, foi decisivo para ela entender os jogos de palavras do autor: neologismos, assonâncias, aliterações e outras invenções linguísticas do mineiro de Cordisburgo. 

 

Nas aulas semanais das oficinas estudamos teoria e prática, trocamos ideias e traduzimos em conjunto, ou seja, é um ambiente rico, desafiador e divertido. Em grupo, aprende-se e trabalha-se muito, no caso, sempre com a orientação sensível da generosa professora. Generosa, sim, porque além de brilhante profissional ela nos envolve em propostas, concursos e premiações. Já mencionei, em algum lugar, que, em duas ocasiões, sob sua mentoria, seus grupos já conseguiram dois prêmios: o terceiro lugar na tradução de um poema de Ana Martins Marques, pelo Stephen Spender Prize- UK, em 2022 e o primeiro lugar na tradução de um conto de Adriana Lisboa, pela Australasian Association of Writing Programs - AAWP, 2024. Aliás, Alison foi a premiada, na edição de 2022 desta mesma associação com a tradução de um trecho de Grande Sertão: Veredas.

Alison Entrekin, IEB-USP. Foto Anita Di Marco
Por isso, imaginem nossa alegria ao sabermos que, finalmente, depois de dez anos de imersão nesse trabalho, a obra-prima de Rosa será publicada em inglês, em 2026, pela editora americana Simon & Schuster. A primeira tradução para o inglês, feita pelos tradutores Harriet de Onís e James Taylor, saiu em 1963, pela Alfred A. Knopf, com o título The devil to pay in the backlands. Muito contestada, essa versão já saiu de circulação, porém há que se pensar que os tradutores não dispunham do material e da tecnologia de hoje. Para diferenciar as duas versões, a editora informou que vai citar o título da tradução anterior, feita há mais de 60 anos, esclarecer que o lançamento é de uma nova tradução e, merecidamente, colocar o nome da tradutora na capa
 

O nome em inglês? Vastlands: The crossing.   

Escolhido depois de muita conversa entre os editores e a tradutora, o novo título tem tudo a ver com as ideias de Rosa: criou um neologismo em inglês (Vastlands = Vast + Land, no plural), mantém os dois pontos, sempre defendidos por Rosa, e o termo The crossing (travessia), tão presente na obra original, representando as travessias, as veredas, os meandros da vida. Tudo isso mostra o preparo, a criatividade linguística, o cuidado e o respeito da tradutora com relação ao original. Aliás, mais que uma tradução, esta é uma recriação, uma reescrita criativa, uma transcriação. Haroldo de Campos e Guimarães Rosa devem estar aplaudindo e se deliciando com o resultado!

Daniela, Alison e J.Miguel Wisnik, IEB-USP. Foto: Anita Di Marco

Amparada pelas cartas de Rosa para os tradutores dos diversos idiomas para os quais a obra foi traduzida, pelos estudos, teses, dissertações e toda a fortuna crítica conseguida desde o lançamento do romance em 1956, a hercúlea travessia da tradutora, ao longo de dez anos, será recompensada, com certeza, com muitos convites para palestras, entrevistas, aulas, homenagens e prêmios. 

Agora em outubro, Alison Entrekin esteve no Brasil  para algumas palestras e discussões relativas a esse grande feito: na PUC-Rio e na FLIP Paraty, Rio de Janeiro, e em São Paulo: primeiro na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e, depois, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo. Claro, nós estivemos lá, a prestigiamos e aplaudimos, bem como à sua colega Daniela Travaglini, que, aqui no Brasil, foi a ponto de apoio preciso e certeiro, ao longo dessa empreitada de uma década.    

Aos alunos, amigos e admiradores, só resta ficar no gargarejo para aplaudi-la de perto e sempre! Um trabalho que muitos acreditavam não ser possível. Não só foi possível, mas, mais que isso, será um marco na divulgação da literatura brasileira no exterior. Que bom que Guimarães Rosa encontrou Alison Entrekin! Bom para ele, para o livro, para os brasileiros e para o mundo anglófono, que vai conhecer essa obra monumental. Torcemos para que, logo, ela consiga se recuperar da maratona e reunir ou destrinchar em livro, didático ou não, tudo o que viu, descobriu, aprendeu e vivenciou nesse processo. Será um fechamento dessa travessia com chave de ouro, uma alegria e um presente para nós, tradutores e interessados; será, com certeza, a proposição de um novo patamar a ser alcançado pelos tradutores literários.    

Referências

https://jornal.usp.br/cultura/no-brasil-australiana-fala-sobre-a-decada-traduzindo-grande-sertao-veredas/

https://www.publishnews.com.br/materias/2022/09/21/tradutora-radicada-no-brasil-ganha-premio-internacional

https://jornaldebrasilia.com.br/entretenimento/literatura/grande-sertao-veredas-vai-ganhar-nova-traducao-nos-estados-unidos/

https://jornaldapuc.vrc.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?amp%3Bsid=29&infoid=14415&sid=29

https://www.itaucultural.org.br/secoes/noticias/traducao-de-grande-sertao-veredas-ganha-premio

sábado, 26 de outubro de 2024

Ecos Urbanos | Casa flutuante na Colômbia

Fotografia do Jornal El Tiempo - Bogotá

Falando do post recente sobre casas flutuantes, muitas pessoas me escreveram desejando que eu ainda pudesse realizar meu sonho. Agradeço de coração, mas a gente vai seguindo o fluxo da vida e o que vier é lucro, então, vejam só a coincidência. Na mesma semana, recebi de um colega da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o arquiteto e paisagista colombiano Ernesto Guáqueta, uma reportagem e um vídeo de um projeto seu: uma casa flutuante, autossuficiente e sustentável.

A casa Flutuante e o arquiteto Guáqueta

Guáqueta destaca que, estável, a casa foi pensada não só para projetos turísticos, mas também como uma solução para o problema de habitação social no país, sobretudo para os “que vivem em armários para pessoas” ou em áreas sujeitas a inundações. O projeto de 70m2, além dos 7m2 de varandas, tem uma ampla sala de estar/jantar, cozinha, quarto e banheiro. A construção leva uns 90 dias e seu custo gira em torno dos 200 milhões  pesos, ou seja, +-270 mil reais. 

A  casa flutua graças ao isopor recoberto com poliestireno, excelente isolante de umidade e elemento de flutuação, recicla a água que utiliza, usa um biodigestor para processar os sólidos suspensos nas águas negras, produz biogás e gera eletricidade devido a seus painéis solares. As paredes são de blocos de argila, a estrutura, de aço e as janelas, de alumínio. Jardineiras nas varandas atuam como filtros. O jornal menciona que é um sonho de mais de 40 anos do arquiteto. Ponto para Guáqueta! Congratulaciones, mi amigo!

Referências

ASG-Proyectos para un futuro sostenible: https://www.youtube.com/watch?v=JD6Kepxq31M 

https://www.eltiempo.com/vida/medio-ambiente/asi-es-la-casa-flotante-y-autosustentable-disenada-por-un-arquitecto-colombiano-flota-gracias-a-icopor-recicla-el-agua-que-usa-genera-gas-con-sus-desechos-y-obtiene-electricidad-de-paneles-solares-3366284

https://www.portafolio.co/mis-finanzas/vivienda/casa-flotante-la-opcion-creada-por-el-colombiano-ernesto-guaqueta-para-quienes-viven-en-armarios-para-personas-y-en-zonas-rurales-613967

https://gestionynegocios.co/casa-flotante-la-revolucionaria-fusion-de-paisajismo-y-sostenibilidad-que-humaniza-la-arquitectura/

https://www.eje21.com.co/2024/09/casa-flotante-con-sello-colombiano-alternativa-de-vivienda-en-regiones-mas-necesitadas/

https://www.youtube.com/watch?v=XTBvMf67dmM&feature=youtu.be

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Ecos Humanos | Ansiedade etc.

Ansiedade, desatenção, dificuldade de concentração, irritabilidade, depressão, déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) são termos cada vez mais usados no diagnóstico de crianças e adolescentes. Que as telas têm influência nisso não é segredo para ninguém e muitos psicólogos, pedagogos, médicos, professores e pais têm lutado contra essa dependência, como o pediatra carioca Daniel Becker. Há tempos, Becker vem alertando sobre esses e outros perigos. Ele lembra que antes das telas, as pessoas brincavam juntas, conversavam, conviviam em grupo e se movimentavam mais, na rua, na praça, na natureza, mas hoje, as telas imperam e os perigos às nossas crianças aumentam exponencialmente. Felizmente, muitas escolas já proíbem o uso de celulares, inclusive no recreio, momento de fazer conexões, criar laços e desenvolver a sociabilidade. Muitas vezes, porém, o que falta é o bom senso integrado dos pais, das escolas e da sociedade. Sem um trabalho conjunto e consciente sobre esses males, o futuro se revela sombrio.

Quanto aos sintomas acima mencionados, é evidente que a medicação é necessária em muitos casos, mas será que não há alternativas? Será  que não poderiam ser tratados de  forma mais natural, sem essas drogas, por vezes viciantes e com tantos efeitos colaterais? Trabalhos manuais, música, dança, arte, exercícios físicos, respiração, yoga, atenção plena e meditação, por exemplo, são práticas recomendadas por especialistas, desde que realizadas regularmente.

O número de estudos científicos a esse respeito cresce a cada dia, sempre comprovando o quanto essas práticas auxiliam o foco e a concentração. Há anos, universidades brasileiras (Unifesp, USP, Unicamp, UFMG etc.) e mesmo internacionais (Yale , Harvard, Princeton etc.), vêm demonstrando que uma abordagem não medicamentosa também pode ser eficaz, por exemplo, para reduzir sintomas da ansiedade.

Respire, apenas respire...

Vivian Garcia, psicóloga com especialização em Infância, Educação e Desenvolvimento Social pelo Instituto Singularidades | SP, demonstrou a redução significativa nos níveis de TDAH em escolas que trabalham, de forma regular, a respiração e a meditação, além de auxiliar a capacidade de aumentar a concentração e o foco dessas crianças.

Para quem pratica e leciona yoga há décadas, eu me pergunto: alguém ainda duvida dos benefícios dessas práticas?  Felizmente, a ciência está aí para os negacionistas de plantão.

Referências

https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Daniel-Becker-Pediatria-integral/noticia/2022/08/uma-crianca-exposta-ao-tiktok-esta-sujeita-prejuizos-fisicos-mentais-emocionais-e-sociais-serissimos-diz-pediatra-daniel-becker.html

https://www.inteligenciadevida.com.br/pt/conteudo/pediatra-daniel-becker-debate-riscos-do-uso-excessivo-de-telas/

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c5yd0d2vplno

https://www.bbc.com/portuguese/geral-58709363

https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2023/05/o-que-e-meditacao-e-como-ela-pode-melhorar-a-saude-mental

https://institutosingularidades.edu.br/

https://mapaosc.ipea.gov.br/detalhar/1054513

http://www.culturadapaz.com.br/meditar-em-vez-de-medicar-uma-alternativa-as-criancas-com-sintomas-de-tdah/