Em vários lugares,
no mundo todo, mais pessoas circulando a pé, mais turistas, mais serviços,
patrimônio cultural e espaços públicos bem cuidados vêm inspirando a
transformação das ruas tradicionais dos centros urbanos em áreas exclusivas
para pedestres. E, é claro, todo mundo admira
aquelas belas áreas de calçadas, calçadões e calçadinhas, com equipamentos
urbanos lindamente projetados - lixeiras,
bancos superconfortáveis e bem desenhados, iluminação pública de primeira, piso
regular, árvores bem tratadas, etc. Isso qualifica os usos cotidianos do local, cria espaços agradáveis para a circulação e permanência das pessoas e traz maior vitalidade à área. Mas é bom lembrar que isso não é a rotina,
nem lá nem cá. Claro, isso vem mudando, mas muitos locais, sobretudo em áreas
não tão turísticas, apresentam calçadas que deixam muito a desejar...
O pedestre, o cidadão e os moradores merecem mais. Afinal, a lei garante, a todos, o direito constitucional de ir e
vir por calçadas seguras. Na teoria, a faixa
por onde o pedestre caminha (não a destinada à arborização e aos equipamentos urbanos) deve oferecer ampla acessibilidade, ser segura, nivelada e contínua sem obstruções de
qualquer natureza e pavimentada com material resistente, antiderrapante, de fácil manutenção e, de preferência, drenante, para uma melhor permeabilidade e drenagem do solo.
Quando bem executadas, com largura adequada, sem os terríveis degraus (que, por vezes, avançam na faixa de rolamento dos carros), desníveis ou obstáculos, as calçadas devolvem a cidade aos pedestres.
Tornam-se áreas de convivência, salas de estar das cidades. As pessoas têm mais segurança e se deslocam sem problemas, caminham
mais e melhor, melhoram sua saúde e o bom humor, conversam mais com outros, mães saem confiantes com seus carrinhos de bebês, idosos caminham sem sustos e temores. Isso aumenta o uso do
espaço público e quanto mais gente nas ruas mais segura a cidade fica. É o
que admiramos e buscamos.
Bom, em princípio, quaisquer calçadas deveriam
permitir uma caminhada segura. Parece
óbvio, não? Infelizmente, não é o que se vê por aí, seja nas cidades pequenas cidades seja nas grandes
capitais. Há bairros e bairros, vizinhanças e vizinhanças. Não me perguntem o motivo. Só relato o que meus olhos de urbanista veem nas minhas andanças (e olhem que só selecionei poucas fotos). Hoje em
dia, quilômetros e quilômetros de calçadas, são verdadeiras pistas de
obstáculos, obrigando o pedestre a caminhar inclinado nas calçadas, quase escorregando na direção da rua e, o tempo todo, desviando dos "n" objetos estranhos espetados aqui e ali, ou a andar pela via pública, correndo o risco de
ser atropelado e ainda atrapalhar o próprio fluxo de veículos.
As causas? Variadas e repetidas: largura ridícula (isso é o que mais se vê, sobretudo em
cidades menores e mais antigas), calçadas irregulares com alturas variadas, obstáculos como buracos, piso rebaixado e semidestruído por raízes de
árvores, obstrução do percurso por postes, pontos de ônibus, placas de propaganda, lixeiras,
materiais de construção, pisos escorregadios, bueiros sem tampa, degraus e desníveis de todas as cores e tamanhos que
complicam a vida do usuário etc.
E quanto à manutenção e execução de reparos?
Bom, quando se
trata de vias principais, ou áreas diante de bens municipais, não há grandes
problemas. Bem ou mal, sabe-se quem é o responsável - as concessionárias de serviços públicos ou a prefeitura. O problema surge quando as
calçadas em questão ficam nos bairros, em lotes particulares vazios ou
edificados. Aí é um 'salve-se quem puder'. A cidade e as calçadas ficam muito, mas muito feias, além de perigosas! E olhem que estou falando só de calçadas, questões como a fiação aérea e a arborização urbana ficam para outra oportunidade.
QUEM É O
RESPONSÁVEL?
De modo geral, no Brasil, as calçadas, pavimentos e manutenção não são padronizados. Quer
dizer, cada morador é responsável pelos cuidados com a calçada em frente
ao seu imóvel. Mas, nem sempre: em outros casos, o poder público é responsável pelas calçadas ou esse dever é compartilhado, mas, e geral, a maioria das cidades passa a responsabilidade aos proprietários dos lotes
adjacentes.
Em outros lugares é diferente. Em Nova York, por exemplo,
os proprietários dos lotes são responsáveis por instalar,
reparar e manter a calçada limpa. O poder público fiscaliza e notifica os
responsáveis e, caso o conserto não seja realizado, a cidade pode resolver o
problema e enviar a conta ao proprietário.
Desde 2007, Los Angeles deveria realizar os reparos nas calçadas, mas hoje a maioria deles fica por conta dos moradores. Washington
D.C. se responsabiliza pela manutenção das calçadas, mas diz que reparos permanentes dependem de recursos. Londres se ocupa de 1.500
quilômetros de calçadas por ano, investindo mais de um milhão de libras, mas também avisa que reparos permanentes podem demorar até quatro anos. Em outras cidades, a responsabilidade é compartilhada,
a depender de quem causou o estrago nas calçadas. Há também aqueles que acreditam que essa
responsabilidade deveria ser do poder público municipal, argumentando que a
calçada é extensão da via pública.
O fato é que calçadas seguras e transitáveis não deveriam ser exceção, mas a regra absoluta. Talvez, fosse necessária mais padronização para se conseguir calçadas bem cuidadas, dentro
de um projeto urbano abrangente, seguindo diretrizes básicas e de bom senso, como a pavimentação com placas de concreto [facilmente removidas e repostas em caso de intervenções nas instalações, sem danificar o piso], materiais sustentáveis e, logo, economia de
custos. Cria-se, assim, um espaço urbano integrado pelo piso, e essa visão conjunta é o que dá a sensação agradável de amplidão, conforto e continuidade
que sentimos em calçadas e áreas de pedestres bem projetadas e acessíveis.
No Brasil, muitas prefeituras têm disponibilizado, em
seus sites, guias e cartilhas que orientam o morador sobre a
importância de um passeio acessível, bem feito e bem cuidado. Alguns exemplos são as prefeituras de São Paulo, São José dos Campos, Vitória, Goiânia, Rio, Belo
Horizonte e Porto Alegre. São Paulo, entre outras coisas, desenvolve um programa de
requalificação dos calçadões, definindo características como piso drenante de
alta resistência e fácil manutenção; mobiliário urbano de qualidade; boa iluminação; acessibilidade e prioridade para transporte de pedestres, etc. Áreas estratégicas como a Avenida Paulista, Itaim Bibi e jardins, e Rua
Oscar Freire (esta última, com projeto do arquiteto Héctor Vigliecca), além de outras áreas comerciais da cidade já têm
calçadas padronizadas em termos de largura, materiais, piso e mobiliário
urbano.
No entanto, a questão também é séria nos novos bairros e loteamentos que propõem uma calçada ridícula, quando o fazem. Há que se pensar também no pedestre, e não apenas nas faixas de rolamento dos carros. Afinal, quem dirige os carros são pedestres que estão atrás do volante e, para terem acesso aos carros, é imperativo utilizar algum trecho de calçadas.
No entanto, a questão também é séria nos novos bairros e loteamentos que propõem uma calçada ridícula, quando o fazem. Há que se pensar também no pedestre, e não apenas nas faixas de rolamento dos carros. Afinal, quem dirige os carros são pedestres que estão atrás do volante e, para terem acesso aos carros, é imperativo utilizar algum trecho de calçadas.
São José dos Campos inovou nesse quesito lançando mão
de 15 agentes comunitários com idades entre 61 e 70 anos, que mostravam as dificuldades de locomoção causadas por uma calçada mal construída. Conseguiu-se a conscientização e o programa teve sucesso total! No Rio, o calçadão
de Copacabana com a padronização do uso do mosaico português (ainda que sua manutenção seja cara e trabalhosa) é reconhecido no
mundo todo. Não há como negar que esses locais assim são agradáveis,
confortáveis e convidam o pedestre a caminhar.
Mas, qualquer que seja o responsável, poder público, proprietário ou inquilino do lote em questão, mais do que cumprir a lei, construir uma calçada segura e confortável é dever de todos e um exercício de cidadania. Todos têm o direito de circular em segurança e livremente pelas calçadas. Todos sentem prazer em caminhar em um lugar assim. Assim, o benefício será para a sociedade e para a cidade, como um todo.
Isso (também) é yoga na prática, já que a ética do yoga aplica-se a tudo, sem exceção. É dever de cada um fazer o melhor que puder para não atrapalhar a vida do outro. Isso também é asteya, o terceiro yama do código de ética do yoga de Patanjali: não roubar do outro...o direito, no caso, a uma caminhada tranquila e sem riscos nas calçadas do mundo.
Acidadequequeremos:https://cidadequequeremos.wordpress.com/adote-uma-calcada/
Goiânia: http://www.goiania.go.gov.br/portal/home.asp?s=1&tt=con&cd=4349
The City Fix: http://thecityfixbrasil.com/2015/04/01/nossa-cidade-os-oito-principios-da-calcada/ ; Paula Santos Rocha in http://thecityfixbrasil.com/2015/04/15/nossa-cidade-a-calcada-e-seus-varios-donos/
Referências
e Imagens:
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