quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Línguas & Tradução | Apontar o dedo

Imagem:destinywordoftheday.com

 Apontar o dedo para alguém denota atitude agressiva e até autoritária. Além disso, como já disseram por aí, também demonstra a existência de alguém que não percebe para onde apontam os outros três dedos. Tentando entender um pouco mais a questão da crítica pura e simples, aquela que não acrescenta nada de criativo e transformador, achei alguns pensamentos bem interessantes.
- Sêneca (4 a.C.-65) argumentava que os homens podem dividir-se em dois grupos: os que seguem em frente e fazem alguma coisa e os que vão atrás a criticar.
- Santo Agostinho (354-430) mencionava preferir a companhia dos que o criticavam (porque o corrigiam) aos que o elogiavam, porque o corrompiam.
- Goethe (1749-1832), mais incisivo, dizia que o mais duro dos críticos é o amador malogrado.
- Mark Twain (1835-1910), escritor norte-americano, lamentava que todos criticassem seu tempo, mas nada faziam para começar a melhorar a si mesmos, com coragem e honestidade.
- Abraham Lincoln (1809-1865) afirmava que só tem direito a criticar aquele que quer ajudar e que, antes de começar a criticar os defeitos de quem quer que fosse, o indivíduo deveria enumerar ao menos dez dos seus próprios. 
- Mohandas (Mahatma) Gandhi (1869-1948) dizia que devemos ser a mudança que queremos ver no mundo e que a mensagem a ser passada deve ser nossa própria vida.
- Mário Sérgio Cortella (1954), filósofo, educador e escritor, em seu livro Não ‘Nascemos Prontos!’ lembra que é necessário fazer outras perguntas, ir atrás das indagações que produzem o novo saber, observar com outros olhares através da história pessoal e coletiva, evitando a empáfia daqueles que supõem já estar de posse do conhecimento e da certeza. 
 
Enfim, o que não faltam são coleções de frases sobre o ato de criticar, por parte daqueles que acham que estão sempre certos. Na verdade, isso é o que mais vemos nos nossos tempos: críticas, críticas e críticas. Todos apontam o dedo para outros, julgam e já dão a sentença em lugar de identificar suas próprias limitações e fazer um exame das próprias ações, ou ainda das razões do outro e das explicações vindas de todos os lados.   
A regra de ouro também já existe, há milhares de anos, nas mais variadas filosofias: colocar-se no lugar do outro. Ou como, sabiamente, diziam minha avó e minha mãe, não se conhece uma pessoa e suas razões até que tenhamos comido um saco de sal com ela! 


 Como qualquer outro profissional que trabalha com línguas, tradutores também podem também errar: errinhos de interpretação, entendimento ou tradução, mesmo, pressão do tempo, digitação. Enfim, não deveria, claro, mas acontece. Em que pese sua atenção, habilidade e empenho, nem sempre o tradutor consegue encontrar, na língua de chegada, o melhor termo, a frase mais sonora ou a representação mais verossímil do texto original. Mas, acreditem, como (incorretamente) pode sugerir o célebre ditado italiano Traduttore traditore, o tradutor não é um traidor. Pelo contrário, seu trabalho consiste em pesquisar, garimpar e analisar seus achados, horas a fio, para descobrir a solução mais adequada. Em última análise, todo tradutor sofre de uma doença bem conhecida entre nós da área, conhecida como “angústia tradutória”.  Inevitável.

A colega tradutora Sheila Gomes, editora do blog Multitude, discorreu sobre o tema e, como ela sugere, seu entendimento pode ser alargado e sua aplicação, extrapolada para outros campos profissionais.  Agradeço à Sheila por permitir sua divulgação aqui.


Errar
Sempre podemos escolher entre errar repetidamente ou cometer erros novos para aprender mais. Quem gosta de errar? Eu não. Não gosto de perceber que errei, ou pior: que percebam que eu errei. Mas ainda prefiro mil vezes que alguém note, seja eu ou outrem, para poder consertar. E tento reforçar a minha ideia de que um erro do presente é uma garantia a mais de acertar no futuro, uma forma de atentar para algo que até então passava despercebido e uma oportunidade de aprendizado. Tento sempre agradecer quando apontam um erro meu, mas ainda acho muito chato quando isso acontece em público. Prefiro a política de elogiar em público, mas apontar erros privadamente, e sempre com cuidado e educação. Eu já fui bem mais insegura profissionalmente e tomei decisões desfavoráveis por terem apontado algum erro meu. O ataque à autoestima, que já não era grande coisa na época, foi o suficiente para me fazer duvidar da minha própria capacidade e pisar feio na bola, mais de uma vez: são fases que todos passam até se firmarem como profissionais.
Isso se torna ainda pior quando há trabalho colaborativo em questão: funcionar bem não significa não cometer erros, mas lidar com eles como uma equipe, aproveitando os pontos fortes de todos para compensar e lidar com os fracos. Recriminação não leva a lugar algum, mas encarar o problema e desenvolver táticas em conjunto para resolvê-lo, sim. Algo que pode ser aplicado em todas as atividades em grupo: fóruns, equipes de trabalho e coletivos profissionais. Se apontar erros alheios faz alguém se sentir melhor por perceber que ao menos esse erro não cometeria, perceber e guardar para si essa percepção ajuda duas pessoas: você e o outro, que talvez nem teria merecido recriminações, pois nem sempre os erros são cometidos pela pessoa que pensamos. Um bom exemplo são erros em legendas de filmes ou em livros traduzidos: muitos reclamam do tradutor, quando há vários outros profissionais envolvidos que poderiam ter errado também.  
E um risco grande que se corre ao ficar de olho nos erros dos outros é perder de vista os próprios. Aliás, esse já é um trabalho grande o suficiente para tomar nossa atenção e deixarmos os outros em paz. E nos faz economizar tempo para investirmos em formas de lidar com os erros que fatalmente cometeremos.
“Aprender a cair”, prestar mais atenção ao modo que nos expressamos para criar a impressão desejada, adotar formas de fala seguras e equilibradas. Tudo isso é útil e contribui ao nosso crescimento pessoal e profissional muito mais que prestar atenção aos erros alheios.
Todos queremos ter sucesso na carreira e um passo importante para isso é estabelecer uma reputação favorável não apenas entre clientes, mas também entre os pares. Isso contribui para futuras parcerias e para elevar o nível do mercado inteiro. Saber que fazemos parte de uma rede colaborativa nos impulsiona a participar de forma melhor e mais eficaz. Relações humanas baseadas na boa vontade favorecem os envolvidos e tendem a evoluir quando todos estão dispostos a:
  ceder de vez em quando;
 oferecer opiniões apenas quando solicitadas;
 não deixar o ego tomar conta das interações;
 não fazer escolhas apenas por conta própria, mas oferecê-las para uma decisão coletiva.
Afinal de contas, quem quer ser feliz e bem-sucedido sozinho? Para que não seja assim, é preciso abrir mão de algo. E quando fica difícil de entender ou interagir com o grupo, uma boa ideia é aprender a ler as pessoas a partir de outros pontos de vista.

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