Verter
um texto é traduzir de seu idioma para uma língua estrangeira. O dicionário
aceita o termo, muitos profissionais ainda contestam. Não importa. Versão e
tradução são atividades que possibilitam a divulgação de trabalhos de outros
povos e culturas para um número muito maior de pessoas. Grandes
obras científicas, literárias ou religiosas só chegaram até nós pelas mãos de
tradutores. E vice-versa. Por isso, a tradução
tem sido representada, aqui e ali, de maneira bastante feliz, como uma ponte
entre culturas.
No
outro sentido, clássicos de
nossa literatura também nascem em outras línguas devido ao trabalho de profissionais
habilidosos, brasileiros ou não, que merecem nosso respeito e aplauso por verterem
obras de autores que dominam incríveis recursos linguísticos, terminologia
própria ligada a contextos inusitados, jargões e linguajar de cantos escondidos e
singulares, culturas e mundos distintos dentro da mesma língua, universos
distantes, míticos e desconectados e que, dificilmente, se cruzam neste nosso
imenso Brasil. Junte tudo isso e você terá um assombroso desafio ao tradutor
que se dispuser a verter tais obras para outros idiomas.
Aqui também, temos excelentes tradutores,
profissionais brilhantes e admiráveis. De cabeça, me lembro de pioneiros, já
falecidos ou não, e de alguns atuais: Monteiro Lobato, Machado de Assis, Paulo
Rónai, Boris Schnaiderman, Haroldo de Campos, Antonio Houaiss, Paulo Mendes Campos, Haroldo de Campos, Augusto de
Campos, Ivo Barroso, Paulo Henriques Brito, Mário Quintana,
Clarice Lispector, Boris Schnaiderman, Mário
Laranjeira, Haroldo Netto, Cláudia Berliner, Lia Luft, Lia Wyler, Lenita
Esteves, Caetano W.Galindo, Mamede Mustafa Jarouch, Ivone Benedetti, Isa Mara
Lando, Renato Aguiar, Beatriz Medina, Silvio Levy, Denise Bottman e tantos
outros nomes que permitiram que obras de outras culturas chegassem até nós.
Agora
imaginem verter para línguas cujas raízes e cultura são totalmente diferentes
das do Português. Imaginem o que é explicar a leitores da Inglaterra, de Nova
York ou de Frankfurt o vocabulário utilizado nas favelas, nos cortiços ou no
sertão mineiro, o linguajar do povo nordestino e dos coronéis do cacau.
Imaginem verter para o inglês ou alemão um Jorge Amado, Guimarães Rosa, um Paulo Lins, um
Mário de Andrade, um Raduan Nassar, um Milton Hatoum, um Chico Buarque. Imaginem traduzir o lirismo de Cecília Meirelles, de Adélia Prado, de Drummond.
Sem dúvida, são trabalhos de fôlego e coragem que, além de conhecimento, exigem
muita pesquisa, bom senso, empenho e sensibilidade.
Sim, porque além da dificuldade de traduzir o texto
em si, há toda uma diferença de sintaxe, de construção de frases, de estrutura
da língua, de pontuação. Não! Não deve
ser nada, nada fácil!
O fato é que o mundo conhece uma mostra, pequena é
verdade, de nossa Literatura pelas mãos de tradutores respeitados. Não vou
elencar nomes, por dois bons motivos: 1) por, com certeza, não conhecer todos
os nomes desses tradutores e correr o risco de, injustamente, deixar muitos de
fora e 2) pelo fato de saber que uma lista dessas mereceria uma considerável pesquisa, o que não é o
caso do texto neste blog. Assim, dos tradutores estrangeiros de obras brasileiras vou nomear apenas três, também como leitora e tradutora, por admirar
as obras a serem traduzidas e aplaudir a coragem e esforço dos profissionais envolvidos em sua tradução. Dos bravos tradutores que se aventuram nessa insana tarefa de
mergulhar em outro universo cultural, através de uma investigação ampla e
minuciosa, e um parto muitas vezes sofrido, cito:
- Alison
Entrekin. Premiada tradutora australiana que moradora do
Brasil há duas décadas e dona de uma simplicidade admirável, mesmo depois de já
ter traduzido quase meia centena de títulos, entre eles: Cidade de Deus de Paulo Lins; Budapeste e Leite
Derramado de Chico Buarque; O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza; além de trechos de obras de Luiz
Ruffato, Mário Sabino e a recém-concluída versão
para o inglês de 'Meu pé de laranja lima', obra de José Mauro de Vasconcellos,
que iluminou a infância de muitos de nós. Há pouco tempo, Entrekin iniciou uma empreitada mais difícil ainda: fazer
uma segunda tradução para o inglês do clássico de Guimarães Rosa Grande Sertão: Veredas, em substituição
à tradução anterior, considerada falha, em alguns aspectos. (The Devil to Pay in the
Backlands), feita em 1960.
-
Berthold Zigly. Professor-doutor pela
Universidade Livre de Berlim onde é professor de Língua Portuguesa e Literatura
Latino-Americana, Zigly também já morou no Brasil, já traduziu obras de Adélia Prado,
Mário e Osvald de Andrade. Também traduziu para o alemão o clássico de
Guimarães Rosa,
prestes a ser lançado, na Alemanha, e a obra-prima de Euclides da Cunha, Os
Sertões, em 1994, ‘Krieg im
sertão’ (‘Guerra
no sertão’), num
trabalho que levou 10 anos. Entre os autores que ele traduziu estão ainda Raduan Nassar, Machado de Assis e
Lima Barreto, entre outros grandes.
- Katrina
Dodson. Premiada pela sua tradução dos contos de Clarice
Lispector, a tradutora americana de origem vietnamita enfrenta outro espantoso desafio:
verter para o inglês nada mais nada menos do que Macunaíma, o herói brasileiro
sem nenhum caráter, obra de 1928 de Mário de Andrade, também na tentativa de
reduzir os danos por uma tradução anterior contestada. Dodson também já
morou no Rio de Janeiro e tem um doutorado da Universidade da Califórnia, em
Berkeley, sobre a obra de Elizabeth Bishop no Brasil.
John Gledson
e Cliff Landers, tradutores americanos que traduziram Machado de Assis, Jorge Amado, José de Alencar,
João Ubaldo Ribeiro, Nélida Piñon, Moacyr Scliar e Rubem Fonseca, por exemplo, dizem que
traduções malfeitas acabam depondo contra os próprios autores e a literatura do
país em questão. Quando isto ocorre,
uma nova tradução para consertar o estrago demora a ser feita, tendo em vista
os custos de edição, impressão e distribuição da obra.
Uau! Uau! Uau! Para mim, algo enlouquecedor, mas fascinante, como disse, com precisão,
a jornalista Eliane Brum ao entrevistar a tradutora Alison Entrekin (aqui). Fico
me perguntando como recriar a fluidez da leitura e proporcionar, ao leitor
de outro universo cultural, a mesma experiência do original? Como explicar o linguajar de uma favela carioca, do nosso sertão - mineiro ou nordestino -, dos infinitos recantos de nosso país a leitores da
Inglaterra, de Nova York, de Sidney ou de Frankfurt? Como discorrer sobre as características
brasileiríssimas de Macunaíma a um europeu? Como traduzir os neologismos criados por Guimarães
Rosa?
De fato, traduzir tais monstros da nossa literatura
é uma tarefa de fôlego e coragem a exigir, além de conhecimento profundo das
duas línguas, muita pesquisa, empenho e sensibilidade.
Gostaria
muitíssimo de ver reunidos, em um livro, seminário ou discussão, os embates, as
dúvidas, as dificuldades e as soluções encontradas por eles. Seria uma aula e
tanto. Um aprendizado inigualável. Desejo saúde e boa sorte a todos para a
hercúlea tarefa, porque talento eles têm de sobra.
Referências:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI163315-15230,00-ALISON+E+A.html
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/9/25/mais!/11.html
Nossa, quanta informação! E o autor sempre revisa a tradução feita? Como deixa passar uma coisa que desmerece sua obra? ???
ResponderExcluirIone? Pois é! alguns autores são mais acessíveis e conseguem acompanhar a tradução, mas nem sempre conseguem abranger todo o processo. Com outros, o contato é mais difícil ou é só através da editora... Cada caso é um caso e nem sempre é fácil.... Mas é sempre um desafio... obrigada pela visita! beijos
ResponderExcluirComo deve difícil traduzir de nossa língua tendo esse imenso Brasil o seu vocabulário as vezes tão regional de cada estado.Foi mesmo um aprendizado esta leitura.Bebel
ResponderExcluirOi, Bebel... Você nem imagina. As pessoas leem um livro e se esquecem de que não estão lendo um original em outra língua, mas um texto traduzido por alguém... O trabalho de tradução é gratificante, é verdade, mas é difícil e requer conhecimento profundo das línguas envolvidas, pesquisa, estudo, seriedade, curiosidade e compromisso. Obrigada, querida, por estar sempre por aqui... bjs
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