terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Ecos Culturais | Lembrando antigas comemorações

Desde criança, eu gostava da comemoração de certas datas do ano, como o Natal, a Páscoa, a passagem do ano. Tudo tinha um significado especial, no meu caso bastante associado às celebrações religiosas (sobretudo porque sempre acompanhava “Vó Rosária”, minha avó italiana), mas também às festas e refeições familiares daquelas ocasiões. Não que fôssemos comilões, pelo contrário, éramos até bem simples, como irão perceber. Outra data especial para mim era o início das aulas. Eu ficava em êxtase!  

O Natal era comemorado com um almoço de família, no dia 25 de dezembro.  Não me lembro de ceias, como as que vemos hoje e, não tenho certeza de quando começamos a tradição da ceia para celebrar o Natal na passagem do dia 24 para o dia 25. Enfim, naquela época, o jantar era servido às 21h30-22 horas, na casa da minha avó. Morávamos no mesmo lote: ela, na frente com meu avô e minha família e eu, na parte posterior. A casa era igualzinha, só que rebatida. Entre as duas, um pequeno espaço e a área da lavanderia. Era só atravessar esse espaço e pronto. Minha mãe comprava os ingredientes e ela e minha avó preparavam o jantar. O jantar do dia 24, que nunca tinha carne, começava com um bolinho de bacalhau, depois uma bela sopa (minestra) de feijões verdes debulhados no mesmo dia das respectivas vagens, peixe frito, batata cozida e depois frita (ah, as batatas da minha avó...um sonho!) e uma fritada bem tostadinha de berinjela (melanzana) e pimentão (peperone) rodeando as batatas. Eu adorava...  

Os poucos presentes só eram conhecidos na manhã seguinte, quando acordávamos e víamos os pacotes - cada um só recebia um presente, lindamente enfeitado - debaixo da árvore de Natal natural que minha mãe fazia questão de montar. Não sei dizer o tamanho, talvez a distância no tempo tenha enganado minha memória, mas eu me lembro de um pinheirinho natural, grande e cheiroso, com chocolates de pendurar, comprados religiosamente todo ano na loja da Kopenhagen da rua Direita, Centro de SP. Minha mãe, bordava, fazia bolos, bijuterias e economizava para comprar essas delícias em forma de chocolate. A regra era comer um só por dia, até o Natal. Sem drama e aproveitávamos cada bocado.

Além dos chocolatinhos a árvore era enfeitada com aquelas delicadas bolas de vidro colorido. Aliás, um perigo para as crianças se elas (as bolas, não as crianças) caíssem no chão e se quebrassem. Hoje isso não acontece. Nada como a tecnologia, não? Ah, havia também flocos de algodão, à guisa de neve. Na verdade, até hoje não sei por que colocar neve. Ok, o bom velhinho vinha da gelada Lapônia, mas nós morávamos num país tropical e nosso Natal era em pleno verão. Enfim, coisas estranhas da tradição... Ah, e outra tradição era visitar o presépio de mais de 500 peças do meu tio Mário e ver sua imensa árvore de Natal. Claro, os flocos de algodão, digo neve, estavam lá...

 No dia 25, era outra história. Havia a reunião da bela família italiana, com meus avós paternos da Basilicata, quase Calábria, seus três filhos - Pascoal ou Pasquale, meu pai, e meus dois tios (Vicente e Mário), as tias e os primos, cada um exibindo seu único presente. Reuniam-se para o almoço 15-16 pessoas ao redor de uma longa mesa montada com três tábuas justapostas sobre cavaletes de madeira. No final da festa, as tábuas eram guardadas no barracão de ferramentas, no fundo do lote, para a próxima celebração. No começo, o novo encontro ocorria também na Páscoa (a história dos ovos escondidos fica para outro post) e no ano Novo; com o tempo, só no Natal e depois...nem isso. Os tempos mudaram.  

Mas nesses almoços daquela bela e barulhenta família, para os primos (Celina e Célia; Marlene, Luis e Rosária; minha irmã Regina, eu e meu irmão Francisquinho, o caçula do grupo), o momento de glória acontecia quando meu avô nos dava um pouco de sua sangria "à brasileira". Explico. Ele costumava tomar vinho no Natal, aquele de garrafão mesmo e, para nossa alegria, ele pingava algumas gotas daquele vinho na nossa gasosa (soda limonada) que assumia um lindo tom rosado. Para completar, uns pedacinhos de frutas. Era um sonho!

Última corrida noturna, 1988

Outra comemoração especial em família acontecia na passagem do ano. Costumávamos assistir à corrida de São Silvestre que, na época, começava à meia noite do dia 31, bem na passagem do ano, comendo pastéis feitos em casa. A foto ao lado, do Jornal GGN, mostra a última edição noturna da corrida, em 1988. No dia 01 de janeiro, repetíamos o ritual da longa mesa com os tios e os primos. Minha mãe e minha avó também se superavam no almoço do primeiro dia do ano. Era praxe fazer um divino cuscuz paulista, cuja tradição eu continuo seguindo, uma super maionese dentro de um abacaxi e uma linda salada de frutas em uma melancia oca, cuja polpa era usada no ponche.   

 A sobremesa era a segunda etapa: uvas recém-colhidas pela "vó" Rosária, em sua velha bacia de alumínio, diretamente da parreira existente no fundo do quintal. Aliás, o delicioso sabor daquelas uvas não me sai da memória... Depois, retirava-se a toalha e entravam nozes, castanhas e martelinhos espalhados sobre a mesa. Pronto! Fazíamos a festa, mas não por muito tempo, porque a terceira etapa era a mais divertida: o jogo de tômbola ou víspora. Um saquinho vermelho com as peças, cartelas quadriculadas em verde e branco com os números em preto e feijões ou favas para marcar os pontos. Acho que nunca ganhei o jogo, mas só me lembro que era muito divertido. Meu avô Francesco, ou "seo" Chico, adorava organizar a festa e fazia questão de "cantar" as pedras escolhidas...  Bingo! Depois do jogo, as crianças brincavam com os presentes. 

Lembro-me da simplicidade, da alegria e dos sorrisos francos daquelas reuniões. As comemorações em família são únicas, deixam marcas e doces lembranças que aquecem o coração. Devemos valorizá-las sempre, mas neste momento da pandemia, melhor será reunir-se só com os de casa, para poder comemorar com todos em 2021. Afinal, o Natal está dentro de nós, não? 

21 comentários:

  1. Talvez essa abundância de hoje não faça as crianças mais felizes do que éramos.
    Belas lembranças, Anita!

    Eneida

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    1. Também acho. As comemorações eram simples, profundas, alegres, sem essa obrigatoriedade consumista. Obrigada, querida por estar sempre por aqui...beijos

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  2. Que beleza Anitinha!Recordei tudo isto lembrando da casa da minha avó Isabel e meu avô Antônio. Que saudades!Que texto lindo e saudoso!!

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    1. Que bom, Bebel. Acho que a gente não pode se esquecer de certas coisas especiais, não é? Senão corremos o risco de deixar tudo muito pasteurizado. beijos e obrigada, querida

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  3. Adorei, Anita!
    Quanto eram tipicamente italianas as comemorações da sua família!
    As casas da minha avó e da minha mãe eram (ainda são estão lá!) assim também, bem próximas, um corredor cimentado separando.
    Dezembro é o mês que mais gosto, por causa dessas comemorações.
    Abs

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    1. São lembranças que ficam, né? O piso cimentado... Olha aí outra lembrança chegando...obrigada, querida. Beijos

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  4. Lindo relato...viajei nas suas lembranças...

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  5. Você sempre muito inspirada! Viajei ao passado com sua história.

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  6. Que boas lembranças! Me fez lembrar do Natal da minha infância na casa dos meus avós. Saudade daquela simplicidade autêntica.

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  7. Que texto lindo! Nos faz viajar no tempo e recordar a infância. 👏👏👏👏👏

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  8. Minha prima querida
    Quanta saudade. Suas palavras me fizeram lembrar de um tempo,tão lindo, especial, que deixou lindas recordações na minha memória. Você relatou nossa história com muito amor e carinho. Grata.

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    1. Com certeza, a união das famílias, o estar junto, o valorizar cada pessoa... Também tenho saudades, beijo grande3 e obrigada

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  9. Como nossa infância era gostosa. Tudo feito em casa pela família. A criançada a correr dentro de casa. E o ponche 🤩 então

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  10. Sim, o Natal está dentro de nós! O menino Jesus - símbolo de fé e esperança nos homens - está em nós e cabe a nós fazê-lo nascer em cada coração e em cada lar! Amei ler sua história sobre o natal e a passagem de ano! O bonito está no simples!

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  11. Anita, esse seu texto me marcou muito. Gosto do Natal. As "casa rebatidas" no mesmo lote... me lembra a proximidade das casas da minha avó e da minha mãe. A riqueza do seu texto, com todas as lembranças, reside nessa curiosa cultura italiana, que foi peculiar na sua família, em S. Paulo. Muito lindo.

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  12. Pois é, Valquíria, e cada vez mais a memória vai dando as caras e lembrando o que parecia totalmente esquecido... Um viva a essas tradições que coloriram nossa infância. abraços

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