Sertão é
termo comum entre nós que parece vir de “desertão”, referência
à imensa região desabitada do interior do país - interior dos estados de São Paulo, Minas,
Goiás, Mato Grosso e Nordeste. Um lugar onde o que conta é a tradição, o
costume ou, em outras palavras, a tal da "lei do sertão".
Sugere uma região árida, com pouca vegetação e pouca chuva
(água basicamente nas cisternas e açudes, quando há). A figura característica e
habitante local é o sertanejo: homem sisudo, de poucas palavras, endurecido pela lida
cotidiana, espécie de herói (ou anti-herói) mítico que sobrevive nessa terra
árida. No Brasil colonial, o "interiorzão" ou sertão era destino dos
bandeirantes que para lá se dirigiam para buscar riquezas, aprisionar e
escravizar índios, para dizer o mínimo. Hoje mais restrita, sua localização
geográfica inclui o chamado Semiárido Nordestino - Polígono das Secas - e a região do vale do Jequitinhonha, no
Norte de Minas. O Rio São Francisco é
elemento-chave para os dois lugares, porta de entrada do sertão
nordestino e esperança de vida para os sertanejos.
O sertão
e os sertanejos serviram como cenário e personagens de grandes escritores da
Literatura Brasileira: Euclides da Cunha (“Os Sertões”), Graciliano Ramos
(“Vidas Secas”), Afonso Arinos (“Os Jagunços” e “Pelo Sertão”) e Guimarães
Rosa (1920-1999) (“Grande Sertão: Veredas”), entre outros e sem esquecer João Cabral de Melo Neto, que faria 100 anos em 2020, e a saga de Severino fugindo do sertão, em Morte e
Vida Severina. Os
Sertões, de Euclides da Cunha (RJ, 1866-1909), é uma grande
reportagem sobre a Guerra de Canudos, ocorrida no interior da Bahia, em 1896-97. Mostra a vida do sertanejo e sua luta diária pela sobrevivência. Porém, há discussão quanto às características dadas pelo autor ao
Conselheiro. Segundo alguns críticos, o autor não pesquisou os chamados Sermões de
Antônio Conselheiro, que mostravam uma figura diferente da retratada na
obra.
Vidas
Secas do alagoano Graciliano Ramos (1852-1953), inspirado nas experiências do
autor e publicado em 1938, já desde seu título forte e simbólico, traz o drama de uma família de retirantes
nordestinos (o pai Fabiano, a mãe Sinhá Vitória, os filhos - o mais novo e o mais velho - e a cadela Baleia) tentando fugir da miséria
e da seca do Nordeste, do descaso e da exploração, em busca de uma vida melhor.
Nascido em Paracatu (MG), Afonso Arinos (1868-1916) tem dois livros sobre o tema: Os
Jagunços e Pelo Sertão (1898). O primeiro também tem como pano de fundo a Guerra de Canudos e valoriza o homem do sertão como autêntico brasileiro, pois embora se declarasse monarquista, o autor não via
o sertanejo como um bárbaro e busca inseri-lo no projeto nacional. A obra impressionou
o peruano Mário Vargas Llosa, que recriou parte dela em seu romance
La Guerra del Fin del Mundo (1981). Já em Pelo
Sertão, Arinos mostra a
contradição entre a cultura urbana e a rural, em 12 contos sobre
figuras e eventos populares do interior de Minas e de Goiás, como vaqueiros,
escravos fugidos, vinganças políticas, lugares históricos e veredas
sertanejas.
Em Grande
Sertão: Veredas, outro mineiro, Guimarães Rosa (1908–1967), de Cordisburgo,
eleva o sertão a uma nova dimensão. Trazendo a história de Riobaldo e
Diadorim, narrada pelo primeiro, o autor retrata a aspereza da vida sertaneja, os
espaços, as escolhas, as lutas, os coronéis, as dúvidas, a dualidade presente, a existência de Deus e do diabo. O sertão, como pano de fundo e elemento central da
história, também assume um papel duplo, continente e conteúdo, cenário e personagem, a vida e o viver, o caminho e o percurso do caminhar. Muito já
foi escrito sobre o sertão ou os sertões, com ou sem veredas: artigos, pesquisas,
teses, dissertações, resenhas. Mas o ser-tão de
Guimarães Rosa ficou marcado como um lugar simbólico de enfrentamento,
crescimento e coragem para mergulhar na solidão e lidar com a verdade. Lugar
de estar, percorrer, seguir adiante e crescer. Travessia pura, inexorável e transformadora. O genial Guimarães Rosa sugere que o livro seja lido em voz alta, guardando as falas, a sonoridade, a rima, a poética das palavras buscadas, costuradas e recriadas. Não resisti e reuni
aqui algumas de suas frases singulares:
- O “gerais” corre
em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o
senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a
parte.
- Pois não sim? Viver
é negócio muito perigoso.... Explico...
- O real não
está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia.
- O correr da
vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
- O senhor
tolere...isso é o sertão ... O sertão não é para os fracos... o sertão é um personagem que
força uma ação dos que ali ousam penetrar ...
- Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.
Enfim, o sertão é e não é; parece imenso, infindável, confuso,
mas nada maniqueísta. Não permite acomodação, retrocesso ou desânimo; não
perdoa os pactos faustianos, nem as más escolhas. Como uma entidade, o sertão anota tudo e, um dia, premia as boas
escolhas porque, como sugere o título dessa obra-prima da nossa literatura, cada
sertão esconde suas veredas.
Então, que cada um conquiste e faça a
travessia do seu próprio sertão, comprometendo-se corajosamente com a busca da verdade, da justiça e da ação correta; não
se iludindo, não se apequenando e tampouco se vendendo, mas vestindo o manto da força, da coragem e da coerência, sabendo-se
parte atuante de uma imensa rede. Sem desânimo, sem
desconsiderar o outro, sem hipocrisia. Apesar de...
Referências:
https://escola.britannica.com.br/artigo/sert%C3%A3o/487860
https://www.infoescola.com/geografia/sertao/
http://www.geocities.ws/ail_br/oromanceosjaguncos.htm
http://www.academia.org.br/academicos/afonso-arinos/biografia
https://anitadimarco.blogspot.com/2019/10/ecos-literarios-humanidade-em-guimaraes.html