quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Ecos Musicais | Choros, Chorinhos e Chorões

Um dos gêneros mais representativos da cultura brasileira, o chorinho é melodioso e alegre. Impossível não sorrir e começar a movimentar o corpo ao ouvir um chorinho. Sua origem urbana data do último quartel do século XIX, no Rio de Janeiro, quando a cidade ainda era a capital do país. A Corte Portuguesa, aqui desde 1808, havia trazido vários instrumentos musicais e ritmos de origem europeia. Assim, nos bailes da época, era moda tocar piano, violão, clarinete, saxofone, bandolim, cavaquinho e músicas de dança de salão como a valsa, quadrilha, modinha, mazurca, minueto, xote e, principalmente, a polca.

Junte a isso as reformas urbanas promovidas pela Corte, a proibição do tráfico de escravos, o surgimento de uma nova classe social (funcionários públicos, instrumentistas, comerciantes) nos subúrbios do Rio e pronto. Foi nesse cenário que surgiu o choro. A princípio, uma adaptação dos ritmos importados, o chorinho logo ganhou vida própria e só cresceu.    

O flautista carioca Joaquim Calado, considerado pai do choro, criou o grupo Choro do Callado, com dois violões, um cavaquinho e sua flauta. Além dele, outros nomes são indissociáveis desse ritmo: Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha, Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth, Patápio Silva, João Pernambuco, Luís Americano, Villa-Lobos, Radamés Gnattali, Waldir Azevedo, Abel Ferreiram, Jacob do Bandolim, Altamiro Carrilho, entre outros.

Desde que descobri o chorinho eu me apaixonei pelo ritmo e sempre ouvia com meus filhos ainda pequenos. Num belo dia, quando ainda comprávamos CDs, descobri um de Altamiro Carrilho (Rio, 1924-2012) chamado “ Clássicos em ritmo de choro”. Não acreditei no que eu vi e ouvi. Uma singeleza, uma maravilha, um domínio da flauta transversal de chorar tocando os clássicos de Beethoven, Chopin, Rubinstein, Bach, Tchaikovsky. Puro encanto e virtuosismo. Aliás, flauta (doce, não a transversal), foi o primeiro instrumento que meus filhos aprenderam a tocar no Conservatório Estadual de Varginha, uma verdadeira joia da cidade.

Uma pena que essas músicas tão melodiosas venham sendo esquecidas pelas rádios. Aplaudo os jovens músicos que buscam conservar suas raízes musicais e o chorinho, sem dúvida, é uma das mais belas partes de nossa mais herança musical e cultural. Viva o chorinho! 

Confira abaixo dois vídeos de Altamiro Carrilho. O primeiro é de um show, gravado em abril de 2010, pelo Programa Instrumental Sesc Brasil. O show dura 50 minutos.

O segundo, de 32 min., é justamente o Clássicos em Ritmo de Choro, de 1979, vídeo publicado em 20 de outubro de 2018.

Referências
http://www.candombe.com/html_port/hugo.html
https://www.infoescola.com/musica/chorinho/
https://musicabrasilis.org.br/temas/choro

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Ecos Literários | Dimensões variadas do sertão

Sertão é termo comum entre nós que parece vir de “desertão”, referência à imensa região desabitada do interior do país - interior dos estados de São Paulo, Minas, Goiás, Mato Grosso e Nordeste. Um lugar onde o que conta é a tradição, o costume ou, em outras palavras, a tal da "lei do sertão". 

Sugere uma região árida, com pouca vegetação e pouca chuva (água basicamente nas cisternas e açudes, quando há). A figura característica e habitante local é o sertanejo: homem sisudo, de poucas palavras, endurecido pela lida cotidiana, espécie de herói (ou anti-herói) mítico que sobrevive nessa terra árida. No Brasil colonial, o "interiorzão" ou sertão era destino dos bandeirantes que para lá se dirigiam para buscar riquezas, aprisionar e escravizar índios, para dizer o mínimo. Hoje mais restrita, sua localização geográfica inclui o chamado Semiárido Nordestino - Polígono das Secas - e a região do vale do Jequitinhonha, no Norte de Minas. O Rio São Francisco é elemento-chave para os dois lugares, porta de entrada do sertão nordestino e esperança de vida para os sertanejos.

O sertão e os sertanejos serviram como cenário e personagens de grandes escritores da Literatura Brasileira: Euclides da Cunha (“Os Sertões”), Graciliano Ramos (“Vidas Secas”), Afonso Arinos (“Os Jagunços” e “Pelo Sertão”) e Guimarães Rosa (1920-1999) (“Grande Sertão: Veredas”), entre outros e sem esquecer João Cabral de Melo Neto, que faria 100 anos em 2020, e a saga de Severino fugindo do sertão, em Morte e Vida Severina.  Os Sertões, de Euclides da Cunha (RJ, 1866-1909), é uma grande reportagem sobre a Guerra de Canudos, ocorrida no interior da Bahia, em 1896-97. Mostra a vida do sertanejo e sua luta diária pela sobrevivência. Porém, há discussão quanto às características dadas pelo autor ao Conselheiro. Segundo alguns críticos, o autor não pesquisou os chamados Sermões de Antônio Conselheiro, que mostravam uma figura diferente da retratada na obra.
 

Vidas Secas do alagoano Graciliano Ramos (1852-1953), inspirado nas experiências do autor e publicado em 1938, já desde seu título forte e simbólico, traz o drama de uma família de retirantes nordestinos (o pai Fabiano, a mãe Sinhá Vitória, os filhos - o mais novo e o mais velho - e a cadela Baleia) tentando fugir da miséria e da seca do Nordeste, do descaso e da exploração, em busca de uma vida melhor.

 

Nascido em Paracatu (MG), Afonso Arinos (1868-1916) tem dois livros sobre o tema: Os Jagunços e Pelo Sertão (1898). O primeiro também tem como pano de fundo a Guerra de Canudos e valoriza o homem do sertão como autêntico brasileiro, pois embora se declarasse monarquista, o autor não via o sertanejo como um bárbaro e busca inseri-lo no projeto nacional. A obra impressionou o peruano Mário Vargas Llosa, que recriou parte dela em seu romance La Guerra del Fin del Mundo (1981). Já em Pelo Sertão, Arinos mostra a contradição entre a cultura urbana e a rural, em 12 contos sobre figuras e eventos populares do interior de Minas e de Goiás, como vaqueiros, escravos fugidos, vinganças políticas, lugares históricos e veredas sertanejas. 


Em Grande Sertão: Veredas, outro mineiro, Guimarães Rosa (1908–1967), de Cordisburgo, eleva o sertão a uma nova dimensão. Trazendo a história de Riobaldo e Diadorim, narrada pelo primeiro, o autor retrata a aspereza da vida sertaneja, os espaços, as escolhas, as lutas, os coronéis, as dúvidas, a dualidade presente, a existência de Deus e do diabo. O sertão, como pano de fundo e elemento central da história, também assume um papel duplo, continente e conteúdo, cenário e personagem, a vida e o viver, o caminho e o percurso do caminhar. Muito já foi escrito sobre o sertão ou os sertões, com ou sem veredas: artigos, pesquisas, teses, dissertações, resenhas. Mas o ser-tão de Guimarães Rosa ficou marcado como um lugar simbólico de enfrentamento, crescimento e coragem para mergulhar na solidão e lidar com a verdade. Lugar de estar,  percorrer, seguir adiante e crescer. Travessia pura, inexorável e transformadora. O genial Guimarães Rosa sugere que o livro seja lido em voz alta, guardando as falas, a sonoridade, a rima, a poética das palavras buscadas, costuradas e recriadas. Não resisti e reuni aqui algumas de suas frases singulares:

- O “gerais” corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte.

- Pois não sim?  Viver é negócio muito perigoso.... Explico...

- O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia. 

 

- O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.

- O senhor tolere...isso é o sertão ... O sertão não é para os fracos... o sertão é um personagem que força uma ação dos que ali ousam penetrar ...

- Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.

Enfim, o sertão é e não é; parece imenso, infindável, confuso, mas nada maniqueísta. Não permite acomodação, retrocesso ou desânimo; não perdoa os pactos faustianos, nem as más escolhas. Como uma entidade, o sertão anota tudo e, um dia, premia as boas escolhas porque, como sugere o título dessa obra-prima da nossa literatura, cada sertão esconde suas veredas. 

Então, que cada um conquiste e faça a travessia do seu próprio sertão, comprometendo-se corajosamente com a busca da verdade, da justiça e da ação correta; não se iludindo, não se apequenando e tampouco se vendendo, mas vestindo o manto da força, da coragem e da coerência, sabendo-se parte atuante de uma imensa rede. Sem desânimo, sem desconsiderar o outro, sem hipocrisia. Apesar de...

Referências:

https://escola.britannica.com.br/artigo/sert%C3%A3o/487860
https://www.infoescola.com/geografia/sertao/
http://www.geocities.ws/ail_br/oromanceosjaguncos.htm
http://www.academia.org.br/academicos/afonso-arinos/biografia

https://anitadimarco.blogspot.com/2019/10/ecos-literarios-humanidade-em-guimaraes.html