domingo, 18 de outubro de 2020

Ecos Literários | Centenário de João Cabral

No blog Anita Plural já existe um post sobre o autor de Morte e Vida Severina (ver aqui). Porém, como em 2020, comemora-se seu centenário, resolvi falar deste pernambucano arretado, um dos que admiro (sim, há vários outros): João Cabral de Melo Neto (Recife, 1920–Rio, 1999). Intelectual, poeta e diplomata, João Cabral ficou conhecido como poeta-operário, poeta-engenheiro ou poeta-arquiteto por sua valorização da técnica e da métrica. A racionalidade, musicalidade e a sonoridade de seus versos não dão lugar a sentimentalismos e mostram uma obra poética que perpassa o rigor estético,  a tradição, a memória do passado, a poesia popular, a temática e a crítica social. 
 
Um dos membros da terceira geração modernista e considerado um dos grandes poetas da geração de 1945, o autodidata João Cabral tinha berço, um berço cultural muito forte. Irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo, era primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre. Além desses, era ligado a Vinicius de Moraes, Ariano Suassuna, Carlos Drummond, Murilo Mendes, entre tantos outros. Interessava-se pela Literatura de Cordel e dizia sentir-se premido a escrever: “Escrever é estar no extremo de si mesmo”.

Recifense, viveu parte da infância em Minas. Aos 10 anos, voltou para para a cidade natal e, mais tarde, foi para o Rio de Janeiro. Na capital pernambucana, era assíduo frequentador do Café Lafayette, conhecido ponto de encontro de intelectuais locais e, hoje, é uma das figuras do Circuito da Poesia da cidade.  

Sua primeira coletânea, Pedra do Sono, foi publicada em 1942. Em 1945, publicou O Engenheiro e no mesmo ano ingressou na carreira diplomática, passando a viver em várias cidades do mundo. Só retornou ao Brasil em 1987. Ao longo da vida, recebeu inúmeros prêmios: Prêmio José de Anchieta, do IV Centenário de São Paulo (1954); Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras (1955); Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro; Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (1993); Bienal Nestlé, pelo conjunto da Obra, Prêmio da União Brasileira de Escritores, pelo livro "Crime na Calle Relator" (1988) e Luís de Camões entre outros. 

Dentre suas obras destacam-se O Cão sem Plumas (1950), Poemas Escolhidos (1963), A Educação Pela Pedra (1966) e Obra Completa, publicada em 1994 pela editora carioca Nova Aguilar. Eleito membro da Academia Brasileira de Letras (cadeira 37), tomou posse em 6 de maio de 1969. A escultura acima, localizada na Rua Aurora, em Recife, faz parte do chamado Circuito da Poesia, iniciativa da capital pernambucana para homenagear seus filhos.

Sua obra mais conhecida é o dramático auto de Natal pernambucano Morte e vida Severina, de 1956, encenado pela primeira vez, em 1965, com músicas de Chico Buarque de Holanda. Na obra regionalista e de caráter universal, já que mencionava o nascimento de Jesus, o nome próprio do protagonista - Severino - transmuta-se em adjetivo - severina - sinônimo da figura do retirante sofrido que foge da seca. Abaixo, um pequeno trecho dessa sua obra-prima, falando do espetáculo da vida. 

 Trecho de Morte e Vida Severina

...E não há melhor resposta que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão de uma vida severina.

João Cabral teve dois casamentos: com Stella Maria Barbosa de Oliveira, com quem teve cinco filhos, e com a poetisa Marly de Oliveira. Em 1992, desenvolveu um processo de cegueira progressiva que o levou à depressão. Morreu em outubro de 1999, aos 79 anos, de ataque cardíaco.  Assim como influenciou grandes nomes da literatura universal, como o escritor moçambicano Mia Couto, João Cabral de Melo Neto também teve influência de outros grandes, como o poeta Carlos Drummond de Andrade, como mostra, abaixo, o trecho do poema Difícil ser Funcionário, de 1943. 

Nesses tempos em que vivemos de pandemia, de dúvidas, de exclusão, retrocessos e hipocrisia é importante alimentar a alma com boa literatura e poesia.  Viva João Cabral! Um brinde a você por tudo o que nos deu!

 Difícil ser Funcionário  

 Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho... 

... ... ...

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

Extraído dos "Cadernos de Literatura Brasileira", nº. 01, publicado pelo Instituto Moreira Salles em março de 1996, p.60.

Referências

https://www.academia.org.br/academicos/joao-cabral-de-melo-neto/biografia
https://www.ebiografia.com/joao_cabral_de_melo_neto/
https://ims.com.br/tag/joao-cabral-de-melo-neto/
https://brasilescola.uol.com.br/literatura/joao-cabral-melo-neto-sua-engenhosidade-poetica.htm
http://www.releituras.com.br/joaocabral_bio.asp

10 comentários:

  1. Que beleza Anitinha!Brasil e seus brilhantes poetas,que merecem justas homenagens.Bebel

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Bebel, ainda mais nesse momento difícil, a literatura e a poesia são essenciais.Obrigada, meu bem, bj

      Excluir
  2. Muito bom texto! Um viva a ele e a essa vida, mesmo quando severina.
    Sou muito fã do João Cabral ♥️
    Beijos 😘😘😘

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Telma, querida! É sempre uma honra ler seus comentários aqui.. Viva a vida severina ou não. Beijo

      Excluir
  3. No Ensino Médio interpretei Morte e Vida Severina! Foi quando compreendi melhor esse poeta- quando penetrei em sua obra e a empatia se fez em mim!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Emanuela, o poema é marcante mesmo, nunca mais me esqueci... Beijo e obrigada

      Excluir
  4. Amiga,está na hora de você transformar todos estes ecos em livro. Brilhante! Parabéns!
    Bjs
    Ione

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querida, você é uma parceira que sempre me apoiou. Muito obrigada! Quem sabe, logo logo, isso vira realidade. Beijo

      Excluir
  5. Adorei suas palavras "racionalidade, musicalidade, sonoridade (...) não dão lugar a sentimentalismos".
    É uma grande verdade nesse poeta.
    E que geração, hein?
    Só ligação com escritores ótimos.
    Abraços pra vc, Anita.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Valquíria, pois é, o acúmulo de gênios naquele período foi surpreendente, né? beijos e obrigada

      Excluir