quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Ecos Literários | Dimensões variadas do sertão

Sertão é termo comum entre nós que parece vir de “desertão”, referência à imensa região desabitada do interior do país - interior dos estados de São Paulo, Minas, Goiás, Mato Grosso e Nordeste. Um lugar onde o que conta é a tradição, o costume ou, em outras palavras, a tal da "lei do sertão". 

Sugere uma região árida, com pouca vegetação e pouca chuva (água basicamente nas cisternas e açudes, quando há). A figura característica e habitante local é o sertanejo: homem sisudo, de poucas palavras, endurecido pela lida cotidiana, espécie de herói (ou anti-herói) mítico que sobrevive nessa terra árida. No Brasil colonial, o "interiorzão" ou sertão era destino dos bandeirantes que para lá se dirigiam para buscar riquezas, aprisionar e escravizar índios, para dizer o mínimo. Hoje mais restrita, sua localização geográfica inclui o chamado Semiárido Nordestino - Polígono das Secas - e a região do vale do Jequitinhonha, no Norte de Minas. O Rio São Francisco é elemento-chave para os dois lugares, porta de entrada do sertão nordestino e esperança de vida para os sertanejos.

O sertão e os sertanejos serviram como cenário e personagens de grandes escritores da Literatura Brasileira: Euclides da Cunha (“Os Sertões”), Graciliano Ramos (“Vidas Secas”), Afonso Arinos (“Os Jagunços” e “Pelo Sertão”) e Guimarães Rosa (1920-1999) (“Grande Sertão: Veredas”), entre outros e sem esquecer João Cabral de Melo Neto, que faria 100 anos em 2020, e a saga de Severino fugindo do sertão, em Morte e Vida Severina.  Os Sertões, de Euclides da Cunha (RJ, 1866-1909), é uma grande reportagem sobre a Guerra de Canudos, ocorrida no interior da Bahia, em 1896-97. Mostra a vida do sertanejo e sua luta diária pela sobrevivência. Porém, há discussão quanto às características dadas pelo autor ao Conselheiro. Segundo alguns críticos, o autor não pesquisou os chamados Sermões de Antônio Conselheiro, que mostravam uma figura diferente da retratada na obra.
 

Vidas Secas do alagoano Graciliano Ramos (1852-1953), inspirado nas experiências do autor e publicado em 1938, já desde seu título forte e simbólico, traz o drama de uma família de retirantes nordestinos (o pai Fabiano, a mãe Sinhá Vitória, os filhos - o mais novo e o mais velho - e a cadela Baleia) tentando fugir da miséria e da seca do Nordeste, do descaso e da exploração, em busca de uma vida melhor.

 

Nascido em Paracatu (MG), Afonso Arinos (1868-1916) tem dois livros sobre o tema: Os Jagunços e Pelo Sertão (1898). O primeiro também tem como pano de fundo a Guerra de Canudos e valoriza o homem do sertão como autêntico brasileiro, pois embora se declarasse monarquista, o autor não via o sertanejo como um bárbaro e busca inseri-lo no projeto nacional. A obra impressionou o peruano Mário Vargas Llosa, que recriou parte dela em seu romance La Guerra del Fin del Mundo (1981). Já em Pelo Sertão, Arinos mostra a contradição entre a cultura urbana e a rural, em 12 contos sobre figuras e eventos populares do interior de Minas e de Goiás, como vaqueiros, escravos fugidos, vinganças políticas, lugares históricos e veredas sertanejas. 


Em Grande Sertão: Veredas, outro mineiro, Guimarães Rosa (1908–1967), de Cordisburgo, eleva o sertão a uma nova dimensão. Trazendo a história de Riobaldo e Diadorim, narrada pelo primeiro, o autor retrata a aspereza da vida sertaneja, os espaços, as escolhas, as lutas, os coronéis, as dúvidas, a dualidade presente, a existência de Deus e do diabo. O sertão, como pano de fundo e elemento central da história, também assume um papel duplo, continente e conteúdo, cenário e personagem, a vida e o viver, o caminho e o percurso do caminhar. Muito já foi escrito sobre o sertão ou os sertões, com ou sem veredas: artigos, pesquisas, teses, dissertações, resenhas. Mas o ser-tão de Guimarães Rosa ficou marcado como um lugar simbólico de enfrentamento, crescimento e coragem para mergulhar na solidão e lidar com a verdade. Lugar de estar,  percorrer, seguir adiante e crescer. Travessia pura, inexorável e transformadora. O genial Guimarães Rosa sugere que o livro seja lido em voz alta, guardando as falas, a sonoridade, a rima, a poética das palavras buscadas, costuradas e recriadas. Não resisti e reuni aqui algumas de suas frases singulares:

- O “gerais” corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte.

- Pois não sim?  Viver é negócio muito perigoso.... Explico...

- O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia. 

 

- O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.

- O senhor tolere...isso é o sertão ... O sertão não é para os fracos... o sertão é um personagem que força uma ação dos que ali ousam penetrar ...

- Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.

Enfim, o sertão é e não é; parece imenso, infindável, confuso, mas nada maniqueísta. Não permite acomodação, retrocesso ou desânimo; não perdoa os pactos faustianos, nem as más escolhas. Como uma entidade, o sertão anota tudo e, um dia, premia as boas escolhas porque, como sugere o título dessa obra-prima da nossa literatura, cada sertão esconde suas veredas. 

Então, que cada um conquiste e faça a travessia do seu próprio sertão, comprometendo-se corajosamente com a busca da verdade, da justiça e da ação correta; não se iludindo, não se apequenando e tampouco se vendendo, mas vestindo o manto da força, da coragem e da coerência, sabendo-se parte atuante de uma imensa rede. Sem desânimo, sem desconsiderar o outro, sem hipocrisia. Apesar de...

Referências:

https://escola.britannica.com.br/artigo/sert%C3%A3o/487860
https://www.infoescola.com/geografia/sertao/
http://www.geocities.ws/ail_br/oromanceosjaguncos.htm
http://www.academia.org.br/academicos/afonso-arinos/biografia

https://anitadimarco.blogspot.com/2019/10/ecos-literarios-humanidade-em-guimaraes.html

6 comentários:

  1. Que apanhado lindo, você fez, Anita!..
    Das frases do Grande Sertões, nem falar...
    Os dois últimos parágrafos dizem tudo, síntese com a marca da linguagem que o sertão faz imperar. Pensamento, grandiosidade, solidão, força e por aí vai.

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    1. Olá, Valquíria! Sim, sertão é grandiosidade, também, como o deserto, né? Grandiosidade, solidão, silêncio, oração... Tão bonito o significado profundo do termo. Um beijo, meu bem, obrigada por suas palavras...

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  2. Ótimo Anitinha!Grande valor de nossos escritores e nossos sertanejos deste Brasil imenso.Espero que o nosso sertão não vire mar.Bebel

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    1. Como disse a música, né? Eu rbm.....Imensos valores do nosso povo brasileiro. Espero que não sejam dissolvidos... Bjs e obrigada, querida..

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  3. Belíssima trajetória de vida e das artes. Pluraríssima.
    Excelente o texto dos grandes, eternos e infinitos sertões. Históricos, literários e humanos.
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    Romanelli

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