quinta-feira, 1 de julho de 2021

Ecos Culturais | Arte e Ciência

Até pouco tempo, acreditava-se que a Loba Capitolina, escultura símbolo da fundação de Roma, fosse obra do período etrusco,~500 anos antes da era cristã. Leia aqui sobre a lenda da loba que teria alimentado os gêmeos Rômulo e Remo. O post chegou à Bahia e de lá recebi um generoso comentário que gerou este novo post. Foi da querida amiga Silvia La Regina, que conheci há muito tempo em Roma e reencontrei há poucos anos aqui no Brasil em um evento de tradução. Hoje tradutora, como eu, e professora universitária, Silvia me encaminhou um artigo do jornal italiano La Repubblica falando sobre a idade real da obra, bem mais recente do que se imaginava até então. Nada como ter ter amigos atentos, antenados e muito bem informados. Silvia sabia de tudo isso e me falou da recente descoberta feita pelos arqueólogos e pesquisadores italianos: o fato é que a famosa Loba Capitolina é, na verdade, da Idade Média, provavelmente do século XIII da nossa era.  

La Regina.(Gregorio Borgia) 
Anna Carruba. (Daniela Cogliani)

Atribui-se a definição da origem etrusca ao alemão Johann J. Winckelmann em meados do século XVIII; a data foi aceita por séculos, até que os pesquisadores italianos Anna Maria Carruba e Adriano La Regina chegaram à data real, a partir de pesquisas e sofisticados recursos tecnológicos atuais, impensáveis na época de Winckelmann. Segundo Carruba, historiadora e pesquisadora também responsável pela restauração da peça entre 1997 e 2000, vários testes e pesquisas constataram que a escultura havia sido feita com uma base em cera persa fundida em só jato. Tal técnica era característica do período medieval e, portanto, inexistente em épocas anteriores. Além disso, o professor La Regina, que era o superintendente arqueológico de Roma quando morei na cidade eterna, em 1982, e o coordenador das novas pesquisas, destaca que a superfície da peça não apresentava os sinais dos bronzes antigos. Os estudos foram a origem do livro de Carruba, La Lupa Capitolina. 

A reportagem do jornal La Repubblica diz que a notícia contrariou diversos setores, embora dúvidas sobre a origem da loba já tenham surgido anteriormente. O primeiro a duvidar de sua antiguidade teria sido Emil Braun (1854), secretário do Instituto Arqueológico de Roma. Depois, foi a vez do técnico em conservação do Museu do Louvre Wilhelm Fröhner (1878) que percebeu na peça características da era carolíngia e, mais tarde, Wilhelm Bode (1885), diretor do Museu de Berlim, que também incluía a escultura no rol das obras de arte medievais. Ao longo de todo o século XX, porém, essas observações foram deixadas de lado e caíram no esquecimento. Os estudos continuam, mas já se sabe que a terra para a fusão vinha do vale do rio Tibre, região de Roma a Orvieto e já se reconhece essa técnica adotada na época medieval, documentada a partir do século XII. Além disso, testes de carbono 14 e termoluminescência realizados e repetidos muitas vezes, nos últimos anos, indicam um período bem pontual do século XIII.

É só uma mentirinha, diriam muitos, talvez escondida para não destruir mitos confortáveis, pseudoverdades estabelecidas e interesses outros, mas que se prolongou por séculos. Ocorre que a verdade é a verdade. Ela sempre chega. Aliás, nada como a ciência, não? E ver pessoas que ainda duvidam dela, em pleno século XXI, é inacreditável. Basta pensar no que a ciência nos trouxe hoje - vacina em tempo recorde para uma doença até então desconhecida e uma imensa rede de cabos de fibra óptica que permitem que bilhões de bits de dados digitais percorram imensas distâncias em instantes. Enfim, a questão das "mentirinhas" é tema para outro post, mas na verdade, não sei se terei espírito para fazê-lo.  

Referências

https://roma.repubblica.it/dettaglio/la-lupa-del-campidoglio-e-medievale-la-prova-e-nel-test-al-carbonio/1485581
http://www.pangea.news/anna-maria-carruba-intervista/
https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2008/07/080710_roma_loba_dg

8 comentários:

  1. Muito interessante para nosso conhecimento. Sempre ouvimos falar sobre essa história que nos é contada através de anos.Muito bom Anitinha!!

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  2. A Ciência estraçalhando a mentira... muito bom!
    Obrigada, Anita, por mais essa informação.
    Depois de tanto tempo, a gente fica sabendo a verdadeira idade da obra.

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    1. Sim, a pesquisa em arqueologia é fantástica, né? Viva o Carbono 14, viva a Ciência! Obrigada. Meu bem, bjs

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