Para relaxar a mente, seja no campo profissional ou não, todo mundo tem suas
idiossincrasias ou manias. Alguns escolhem a música; uns pintam, outros dançam, leem, fazem trabalhos manuais, atividade física, yoga, meditação...outros correm e, estranhamente, quando
esquecem o fone de ouvido, não conseguem correr!
Muitos escrevem, tomam nota, rabiscam e usam blocos, cadernetas ou cadernos de
referência, os chamados commonplace books, em inglês. Sua origem remonta aos tempos da Grécia e da Roma antigas; foram muito comuns no Renascimento e muito
usados por arquitetos, artistas e pensadores de todos os tempos. Suas páginas guardavam
linhas, traços, planos, ideias, desenhos, poemas, lembretes. Thomas
Jefferson, John Locke, Le Corbusier e Victor Hugo são alguns dos nomes
conhecidos que usaram esses livretos. Aliás, ainda não vi um único arquiteto que não tenha um desses caderninhos...
No meu caso, desde jovenzinha, gosto de escrever. Não que eu não tenha
tentado outras atividades como pintar, dançar, bordar e até costurar, mas meu negócio é a escrita, a linguagem, a rede de palavras e seus significados, e tudo o que acompanha
essa prática. Adoro lápis de todos os tipos e cores, penas, canetas e canetinhas, mas, principalmente,
blocos, bloquinhos, cadernos, cadernetas e caderninhos: de couro, de tecido, de moleskine, pintados à mão ou não, de papel artesanal, com ou sem pauta.
São delicados e
práticos, estão sempre por perto, na bolsa, no bolso, na mochila. Acolhedores silenciosos,
são espaços que recebem, sem questionar, minhas
reflexões, ideias momentâneas e dúvidas, meus lembretes, pensamentos, rabiscos, instantes de "eureka" e insights mais profundos, rascunhos de textos ou poemas.... Não se trata de um diário, não
fica trancado a sete chaves, nem vou ficar desesperada se alguém o ler, mas não
há dúvida de que é meu, é personalizado. É como se fosse o pré-roteiro de um
filme prestes a ser produzido, com a descrição do modo de ser e pensar de determinado personagem.
Afinal,
escrever pode ser bem mais fácil do que falar e, ao escrever, é possível ordenar os pensamentos, trazer mais foco e clareza ao pensar, e ter mais discernimento quando se trata de fazer uma análise crítica de algo ou mesmo uma autoanálise, o autoconhecimento. Ao colocar para fora o que se pensa ou sente, é possível entender determinadas atitudes e situações vividas, agora entendidas
sob outro ponto de vista. Ao escrever pode-se ressignificar experiências, mudar rotas, refazer a própria história ou lidar melhor com o novo, já que a
vida não acontece de forma linear.
Enfim, ao escrever e, depois, ler o que escrevemos podemos entender melhor os outros e entender melhor nosso próprio ser, porque nessa hora estamos longe do calor do ocorrido; podemos desenvolver um outro olhar sobre uma situação passada e esse novo olhar, com certeza, vai reverberar no seu dia a dia de outra maneira. Como sabiamente disse certo médico mineiro
que atravessou sertões e cruzou veredas:
O correr da vida
embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega
e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver
a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e
inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em
que se quer, de propósito ― por coragem. Será? Era o que eu às vezes achava. Ao
clarear do dia. (ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas, p.293).
Referências
http://desenhandopercursosurbanos.blogspot.com/2009/12/cadernos-de-croquis-de-le-corbusier.html
https://rhollick.wordpress.com/2021/10/29/commonplace-books/
http://papolie.com.br/