A mudança de uso de edifícios históricos, inclusive religiosos, e as muitas e necessárias adequações para acomodar o novo uso já foram tema aqui no blog Anita Plural. Se ainda não leu, leia aqui, aqui e aqui, por exemplo, três pequenos textos sobre o
tema. As várias intervenções de retrofit, na área central de muitas capitais brasileiras, só para citar uma modalidade, são práticas atuais. Ao redor
do mundo, essa mudança de uso ocorre, basicamente, em função do alto custo de
manutenção dos imóveis e da diminuição da intensidade de uso. Na Europa, a justificativa é a diminuição do uso religioso de templos, igrejas e
santuários. Alemanha, Países Baixos, Bélgica, Estados Unidos e Coreia do Sul, por exemplo, estão entre os países que, apesar de cuidar de
seu patrimônio religioso, não hesitam em mudar o uso para preservar o bem
histórico. Segundo amigos holandeses, é totalmente normal modificar o uso de edifícios
religiosos naquele país, uma vez que muitos não mais acreditam em nenhum deus. Os novos usos são os mais variados e incluem bibliotecas, centros culturais, livrarias, moradias, lojas, clínicas, cafés e até piscinas.
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Cortesia de © MVRDV, Zecc Architecten. |
Um caso bem recente vem justamente do Sul dos Países Baixos, de Heerlen, cidade com cerca de 90.000 habitantes. Trata-se da igreja de São Francisco
de Assis que irá abrigar uma piscina pública. Construído há pouco mais de um século, o edifício é tombado e sua estrutura, muito bem conservada. Como os serviços religiosos foram diminuindo até serem interrompidos em 2023, surgiu a proposta de transformar seu uso para, ao mesmo tempo, garantir uma utilização ativa e proteger o patrimônio. Aliás, a proposta é parte
de um projeto mais amplo de transformação do centro histórico da cidade. A prefeitura instituiu um concurso para escolher um novo uso comunitário para o
imóvel e a proposta vencedora foi a dos escritórios MVRDV e Zecc
Architecten. Apelidado de Água Santa, o projeto propôs manter a função
social do imóvel e preservar seus elementos históricos, a partir de uma abordagem moderna que
respeitasse e integrasse passado, presente e futuro. O prazo para a entrega é final de 2027.
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Cortesia de © MVRDV, Zecc Architecten.
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Os desenhos divulgados pelo escritório mostram como ficará a proposta: o púlpito, por exemplo, será usado como lugar
do salva-vidas e, além de utilização da nave central e das laterais, os arquitetos propuseram a inserção de um piso móvel. Bem, nunca vi piso móvel; até agora eu conhecia teto móvel, como o da Sala São Paulo (ver aqui). Enfim, o novo piso trará flexibilidade ao uso do antigo edifício e irá adequar-se às atividades
propostas: se elevado, o piso esconderá a água, criando uma superfície para
eventos culturais e sociais; se rebaixado, criará uma fina lâmina d'água
dando a impressão que os usuários caminham sobre a água.
O fato é
que a mudança de uso, quando bem fundamentada, aumenta a vida útil de qualquer
imóvel e, este é um princípio da boa arquitetura: busca-se utilizar bem os recursos existentes, sobretudo os ambientais, preservar as
estruturas em bom estado e priorizar a adequação do imóvel a novos usos, em
vez de optar pela pura e simples demolição. Assim, trabalha-se em prol do meio ambiente, os custos são reduzidos, aumenta-se a eficiência ambiental e garante-se uma vida útil mais longa à estrutura em questão.
Referências:
ttps://anitadimarco.blogspot.com/2023/08/ecos-arquitetonicos-espacos-de-adoracao_11.html
https://anitadimarco.blogspot.com/2023/08/ecos-arquitetonicos-espacos-de-adoracao.html
https://anitadimarco.blogspot.com/2015/03/paisagem-construida-sala-sao-paulo.html
https://anitadimarco.blogspot.com/2022/02/ecos-urbanos-o-palazzo-que-virou.html
https://mymodernmet.com/heerlen-church-pool-mvrdv-zecc/
https://www.euronews.com/culture/2025/04/19/dutch-architecture-studios-design-a-church-turned-pool-where-you-can-walk-on-water
https://www.dezeen.com/2025/04/17/holy-water-swimming-pool-mvrdv-zecc-architecten-church-netherlands/
https://www.archdaily.com/1029185/mvrdv-and-zecc-architecten-to-transform-vacant-church-into-public-swimming-pool-in-heerlen-the-netherlands?utm_medium=email&utm_source=AD%20EN&kth=539,924
https://www.archdaily.com/915700/rethinking-sacred-spaces-for-new-purposes?ad_medium=widget&ad_name=related-article&ad_content=1029185
https://www.archdaily.com/927944/restoration-of-abandoned-church-connects-man-nature-and-god?ad_medium=mobile-widget&ad_name=related-tags-article-show
https://commonedge.org/what-would-jane-jacobs-do-toward-a-new-model-for-houses-of-worship/
Antonia Piñeiro. "MVRDV and Zecc Architecten to
Transform Vacant Church into Public Swimming Pool in Heerlen, the
Netherlands" 17 Apr 2025. ArchDaily. Accessed 6 May 2025. <https://www.archdaily.com/1029185/mvrdv-and-zecc-architecten-to-transform-vacant-church-into-public-swimming-pool-in-heerlen-the-netherlands>
As imagens são
cortesia dos escritórios © MVRDV, Zecc Architecten.
Bom dia, Anita!
ResponderExcluirQue bela travessia de reflexões você nos proporcionou. Percorremos, guiados por suas palavras, desde a ternura dos conselhos de mãe — esses sopros de sabedoria que atravessam gerações — até a lúcida denúncia das mentiras e das sutis armadilhas ideológicas que, como sombras, se infiltram nos meios de comunicação.
E, como quem semeia futuro, você nos convida a olhar para os espaços esquecidos, subutilizados, e enxergá-los não mais como vazios, mas como possibilidades vivas, prontas para acolher as urgências e os desejos de um mundo que se reinventa a cada amanhecer.
Parabéns pela sensibilidade, pela coragem e pela beleza de suas reflexões, que tocam, provocam e inspiram.👍👊
Napoleão Peixinho, você não assinou, mas sei que foi você. Suas palavras e sua leitura atenta me incentivam muito e sempre. Muito obrigada por participar e comentar. Grande abraço!
ExcluirNunca tinha pensado nisso, Anita. Genial. E o bispo deixa?...rs O que me apaixona na arquitetura das igrejas é a combinação perfeita entre ambientes agradáveis, com pé direito gigantesco e acústica divinal. Imagino um show de Paulinho da Viola numa das igrejas de Ouro Preto. Um causo bom . Na USP de Ribeirão tinha uma capela que o bispo interditou. Virou capela cultural. Maravilha.
ResponderExcluirImagino que seja o Zé Marcelino falando, já que falou de Ribeirão. Pois é, na Europa vi muitos concertos em igrejas....e a acústica é literalmente divina ..... Não sei nada sobre a questão de permissões ou não ... Abração..
ExcluirImagino que seja o Zé Marcelino falando, já que falou de Ribeirão. Pois é, na Europa vi muitos concertos em igrejas....e a acústica é literalmente divina ..... Não sei nada sobre a questão de permissões ou não ... Abração..
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