domingo, 13 de março de 2016

Vida & Yoga | Ao mestre Hermógenes, com carinho



Um dos precursores do yoga no Brasil, com inúmeros prêmios, títulos e homenagens por sua contribuição para o desenvolvimento da cultura do yoga e da paz. Um homem de fala mansa, de andar suave, sorriso largo e abraço apertado. Dono de um respirar lento e profundo, um homem que, quando sorria acendia a esperança em nós e, quando falava, permitia que o silêncio surgisse dentro de cada um.
José Hermógenes de Andrade (1921-2015).  

Falecido em março de 2015, aos 94 anos, o prof. Hermógenes deu aula até quase seus 90 anos. E nesse meio tempo, também caminhava muito, ria um bocado, viajava, dava palestras e escrevia.... Ecumênico, dizia que sua religião era o amor.  Sua academia no Rio de Janeiro trazia imagens, fotografias e esculturas de homens e mulheres que espalharam amor: Jesus, São Francisco, Nossa Senhora, Madre Teresa, Buda, Sai Baba...  

Aos 40 anos, por causa de uma tuberculose, conheceu o yoga. Na época, o então capitão do exército José Hermógenes afastou-se da vida militar, ficou sedentário e engordou. Ao acaso, descobriu um livro (Yoga and Sports, E.Haich e S.Yesudian), que falava dos benefícios do yoga para a saúde física e espiritual e, a partir de então, começou a praticar diariamente as posturas. Depois de um ano, afirmava que sua vida e seu corpo mudaram: emagrecera, se curara e se fortalecera. Nunca mais abandonaria o yoga. 

Poucos anos depois, lançou seu primeiro livro sobre yoga: Autoperfeição com Hatha Yoga, que se esgotou em dois meses e faz história até hoje, com mais de 43 edições. Segundo o autor, o livro foi escrito por inspiração, intuição e amparo da misericórdia divina (segundo prefácio da 43ª edição). Em 1962, sem propaganda, abriu sua academia de yoga e nunca mais parou.

  
 Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece, diz um antigo ditado indiano. O discípulo Hermógenes estava pronto e seu mestre, o Yoga, apareceu. De discípulo para mestre e, por toda a vida, continuou a formar e orientar centenas de novos discípulos, hoje diletos amigos e professores. 

Como sempre se norteou mais pelos princípios filosóficos da ciência milenar do yoga do que pelas posturas psicofísicas, culpava a modernidade – e Madonna - por transformarem o yoga em mero exercício. “Dão ênfase ao que a ioga faz com o corpo, esquecendo-se do autoconhecimento e da integração do ser humano com o universo. É o que diz o nome ioga: união. E ainda paz, verdade, retidão, amor e não-violência”,afirma. Ressaltava ainda que “aquelas eram características próprias de uma sociedade desestruturada, de violência e intolerância. De muita informação e pouca educação.” (1)  
Frase verdadeira, ainda hoje, não?    

Era alguém diferente, que espalhava luz, tolerância e amor onde estivesse. Ninguém ficava indiferente à sua presença. Foi assim, quando o vi, pela primeira vez, em um congresso de yoga em Gramado, RS, no início da década de 1980. Na época, estava na companhia da minha primeira professora de yoga, Márua Pacce, do Centro de Estudos de Yoga Narayana. Mais tarde, em outras oportunidades e, anos depois, em Cambuquira, em um intenso e rico final de semana, quando alguns alunos de Varginha (Margareth, Noêmia, Liliam, Luiz Alberto) e eu pudemos acompanhar de perto uma vivência especial, seu olhar amoroso e suas palavras lúcidas e sábias. Só ganhei com essas oportunidades singulares, sempre. 
Ao mestre Hermógenes, deixo meu carinho e gratidão pelos encontros, pelas palavras sentidas e vividas, pelo exemplo de vida, pela coerência que nos serve de farol e pelo cuidado com que acolhia, indistintamente, a cada um de nós.  

Anita e o professor Hermógenes, durante encontro em Cambuquira, MG, 2001. Foto: Margareth Wilden.
Já li muitos textos dele e sobre ele; li e reli muitos de seus livros, me emocionei, concordei, me surpreendi, refleti, me modifiquei. Guardei no coração palavras de sabedoria, comparações singelas e analogias inspiradíssimas.... Mas o poema abaixo, a cada vez que leio, me leva às lágrimas. Mais verdadeiras do que nunca, suas palavras servem de alerta a todos nós. Que o lindo poema-mensagem ‘Se...’ consiga tocar fundo o coração de cada um. Namastê.

SE...
"Se, ao final desta existência,
Alguma ansiedade me restar e conseguir me perturbar;
Se eu me debater aflito no conflito, na discórdia...
Se ainda ocultar verdades para ocultar-me,
Para ofuscar-me com fantasias por mim criadas...
Se restar abatimento e revolta pelo que não consegui
Possuir, fazer, dizer e mesmo ser...
Se eu retiver um pouco mais do pouco que é necessário
E persistir indiferente ao grande pranto do mundo...
Se algum ressentimento, algum ferimento, impedir-me do imenso alívio
Que é o irrestritamente perdoar,
E, mais, se ainda não souber sinceramente orar
Por quem me agrediu e injustiçou...
Se continuar a, mediocremente, denunciar o cisco no olho do outro
Sem conseguir vencer a treva e a trave em meu próprio...
Se seguir protestando, reclamando, contestando,
Exigindo que o mundo mude sem qualquer esforço para mudar eu...
Se, indigente da incondicional alegria interior, em queixas, ais e lamúrias,
Persistir e buscar consolo, conforto, simpatia para a minha ainda imperiosa angústia...
Se, ainda incapaz para a beatitude das almas santas,
Precisar dos prazeres medíocres que o mundo vende...
Se insistir ainda que o mundo silencie para que possa embeber-me de silêncio,
Sem saber realizá-lo em mim...
Se minha fortaleza e segurança são ainda construídas com os materiais
Grosseiros e frágeis que o mundo empresta, e eu neles ainda acreditar...
Se, imprudente e cegamente, continuar desejando
Adquirir, multiplicar e reter
Valores, coisas, pessoas, posições, ideologias, na ânsia de ser feliz...
Se, ainda preso do grande embuste, insistir
E persistir iludido com a importância que me dou...
Se, ao fim de meus dias, continuar sem escutar, sem entender, sem atender,
Sem realizar o Cristo, que, dentro de mim, Eu Sou,
Terei me perdido na multidão abortada dos perdulários dos divinos talentos,
Os talentos que a Vida a todos confia, e serei um fraco a mais,
Um traidor da própria vida, da Vida que investe em mim,
Que de mim espera e que se vê frustrada diante de meu fim.
Se tudo isto acontecer, terei parasitado a Vida e inutilmente ocupado
O tempo e o espaço de Deus.
Terei meramente sido vencido pelo fim, sem ter atingido a Meta."  
- [José Hermógenes] 

Notas:
Referências:

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