quarta-feira, 25 de maio de 2022

Ecos Literários | O mito da caverna

A alegoria ou mito da caverna, presente no livro de Platão, A República (Livro VII), até hoje, nos instiga a refletir. Estudiosos afirmam que essa foi uma forma de Platão homenagear Sócrates, seu mentor, que foi condenado à morte por desafiar os preconceitos da época, estimular o pensamento crítico e afirmar a necessidade vital de questionar, pensar, aprender pela reflexão e destacando que uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida. A alegoria é apresentada em um diálogo entre Sócrates e dois interlocutores, ambos irmãos de Platão. O tema principal é a procura do conhecimento e da verdade pelo filósofo, e a manutenção da ignorância pelo senso comum. O mito fala de indivíduos acorrentados em uma caverna e, há várias gerações, obrigados a viver de costas para a entrada, portanto, forçados a olhar para o fundo da caverna.  Atrás deles, uma parede e atrás da parede, uma fogueira. Qualquer movimento diante da fogueira, como o transporte de objetos, por exemplo, era visto pelos  prisioneiros como sombras refletidas no fundo da caverna. Assim, imaginavam que as sombras fossem o mundo real.  

Imagem: Wikipedia
Um dia, um deles conseguiu se livrar das correntes, venceu a parede e, com dificuldade, procurou a saída. Primeiro, a luz da fogueira agrediu seus olhos, mas pouco a pouco ele se acostumou e percebeu que as sombras eram apenas imagens de homens reais carregando objetos. Prosseguiu e notou uma luz mais intensa, além da fogueira. A luz exterior também feriu seus olhos, já que ele nunca tinha visto o sol. Pensou em retornar à escuridão da ignorância, ao conforto a que estava acostumado, mas insistiu, tentou compreender e, aos poucos, abriu os olhos, saiu e observou o mundo exterior. Finalmente, aprendera a diferenciar a luz das sombras, o real do irreal, a verdade da ilusão. Compassivo, lembrou-se dos outros ainda acorrentados e resolveu voltar para libertá-los, para falar-lhes do mundo real que existia muito além da caverna e muito diferente daquelas sombras que viam projetadas na parede. 

Nesse ponto do diálogo, Sócrates trazia sua questão filosófica e perguntava aos interlocutores "se aquele que se libertou e viu o mundo real teria dificuldades em comunicar o que tinha visto, se seria aceito pelos demais ou se seria considerado louco." Já sabemos a resposta. Acostumados à escuridão, os prisioneiros não acreditaram no seu relato e o consideraram louco.

A alegoria mostra aquele que abandona sua zona de conforto, de aparências, hábitos, costumes e senso comum, as correntes que o aprisionam no conhecido mundo ilusório de sombras. Saindo, ele encontra a luz do conhecimento e da verdade. Sair da caverna, portanto, significa romper com ideias preconcebidas, desenvolver um olhar crítico sobre a realidade, buscar o conhecimento - a luz que ofusca aquele não habituado -  e o Sol, a verdade que ilumina tudo o que existe. 

Tão antiga e tão atual, a alegoria nos impele a adotar uma atitude filosófica: questionar a realidade e o que nos é mostrado, exercer o pensamento crítico usando o crivo da razão antes de aceitar o que nos é passado. Mas no mundo de hoje, com toda a tecnologia que temos, parece que as pessoas têm preguiça de pensar e, como sempre repete a professora e filósofa Marilena Chauí, pensar leva tempo. Ou seja, é preciso dispor-se a ter tempo para pensar, o que definitivamente não ocorre nas redes sociais. Hoje, nunca foram tão celebradas a ignorância, a informação rasa e a superficialidade. Quem se aplica a essa busca da verdade é colocado na berlinda e é considerado louco pelos que ainda estão na caverna. Mas, citando o poeta português, até isso vale a pena se a alma não for pequena.  

Referências

Platão, A República (Livro VII).  

11 comentários:

  1. Muito bom, Anita. Livre pensar é só pensar, diria Millôr Fernandes.

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  2. Então, que sejamos loucos!

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  3. Eu , Célia Silva De Marco, sim louco somos. Quem não é?

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  4. Ser como Prometeu é metaforicamente ter o fígado comido pelos abutres. Conhecer pode doer, devido a isso a permanência na caverna ( zona de conforto) pode ser tão atraente... Um excelente convite para a reflexão faz o seu texto!

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  5. Questionar sempre é de suma importância!

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  6. Que lindo Anita, concordo com a Lizete sejamos loucos.

    "Sim sou muito louco, não vou me curar
    Já não sou o único que encontrou a paz"

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  7. Belo texto que nos leva a pensar o que viemos fazer aqui. Pra mim uma questão em que sempre me debruço.
    bjs.
    Carlos SA

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  8. Ótimo texto Anitinha! Pensar e pensar! Boa reflexão!

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  9. Sair da caverna, largar das pedras! É bem isto. Parabéns, amiga.

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  10. A preguiça de ler é perigosa. Desastrosa.
    E ainda temos que estar atentos para que, no dia a dia, revejamos tudo o que temos como verdade. É um trabalho sem fim pensar.
    Parabéns pelo texto, Anita. Abs

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