segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Ecos Imateriais | Espiritualidade nas mãos

Não é de hoje que temos conhecimento de técnicas que utilizam a energia das mãos, sempre associando-a a intenções, propósitos e preces para aliviar dores, energizar, equilibrar nossos centros de força, acalmar e propiciar o caminho da cura. Quando falo desse tipo de energia, a primeira imagem que me vem à mente é uma mãe acariciando seu bebê, esteja ele com cólica, resfriadinho, febre ou qualquer outro desconforto. É óbvio que aquelas mães só querem levar amor e conforto para seus filhos, mas existe energia maior que a do amor? Ou seja, ainda que de forma inconsciente, elas estão transmitindo puro amor, por meio dos chamados passes magnéticos.

 

Essa técnica vem de tempos imemoriais, de um conhecimento ancestral usado na Índia, no Egito, na Grécia e na antiga Roma, na China, na África. Parte de diversas tradições espirituais, é aplicada pelas mãos de profetas, xamãs, pajés e curadores em geral. A própria Bíblia, no Antigo e no Novo Testamento, relata o emprego dessa técnica milenar da imposição das mãos para transmitir energia, diminuir dores, abençoar ou curar. Mas além do passe magnético espírita, mais comum e bem explicado nos livros de Allan Kardec, muitas outras técnicas trabalham com a energia das mãos, como uma simples massagem, o Reiki e o Johrei, por exemplo. 
 

Em 1986, a Organização Mundial da Saúde incluiu a "espiritualidade", não obrigatoriamente ligada à religião, no conceito de saúde, ampliando o conceito de saúde integral do ser humano para além do aspecto físico, incluindo as dimensões emocionais e espirituais. Assim, surgiu um modelo de tratamento que incluiu o “cuidado multidimensional”, antes apontado, pejorativamente, como terapia alternativa. O próprio Sistema Único de Saúde (SUS), desde 2006, aceita abordagens terapêuticas, as chamadas práticas integrativas e complementares em saúde (PICS), como yoga, Reiki, acupuntura e dança circular, entre outras. 

 

De qualquer forma, as mãos são instrumentos que transmitem energia. Melhor quando é a energia do amor, como o fazem as mães, porque essa energia equilibra, acalma e cura. Mas a partir dos sentimentos e pensamentos daquele que trabalha com as mãos, outras energias também podem ser transmitidas, daí a atenção que precisamos ter, por exemplo, com quem faz e como faz nossa comida. Filmes como Comer, Beber, viver (1994), Pegando fogo (2015)Ratatouille (2007), Julie & Julia (2009), Como Água para Chocolate (1992), A Festa de Babette (1997) e tantos outros mostraram isso de forma clara. Até aí, nada de novo.  

 

Então, pergunto: se sempre foram feitos estudos e pesquisas sobre essa energia sutil e seu impacto sobre corpo e mente, por que a dúvida? Um dos mais recentes estudos é o do pesquisador, terapeuta e professor de Técnicas Integrativas da Fundação A.C.Camargo, em São Paulo, Ricardo Monezi. Em seu mestrado na Universidade de São Paulo, sua pesquisa demonstrou, cientificamente, um aumento expressivo na atividade das células de defesa de camundongos (60). No doutorado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Monezi ampliou o estudo para seres humanos (44 idosos com estresse), avaliando os efeitos psicológicos da imposição de mãos. Concluiu que a técnica reduziu sintomas de estresse, ansiedade e depressão, promovendo calma, bem-estar e uma sensação profunda de equilíbrio interno.  De qualquer forma, o pesquisador deixa claro, em seus estudos, que essas técnicas servem como apoio e complementação, e não como substitutas dos tratamentos convencionais. 

 

Hoje, finalmente, a ciência começa a aceitar e confirmar o que era conhecimento corrente entre os antigos: “que o ser humano é um canal vivo de energia, cura e luz”. Pura Física Quântica! Ora, se somos esse canal vivo, se somos pura energia condensada, imaginem a frequência e a força dessa energia de amor multiplicada e espalhada por todo o globo, na mesma época do ano, no Natal. Que a recebam, em seus corações aflitos, aqueles que dela mais precisam! Feliz Natal!  

Referências

https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/cura-pelas-maos-tecnica-baseada-na-transferencia-de-energia-melhora-saude-fisica-e-mental-diz-estudo-da-usp-e-unifesp-724090/

https://www.instagram.com/p/DRa8PUNjIuF/?igsh=MWlieXNrc2R5aWo3dw%3D%3D

https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/religiao-e-espiritualidade-influenciam-indices-de-qualidade-de-vida/  

www.ricardomonezi.life

https://espiritismodaalma.wordpress.com/2020/04/04/um-estudo-sobre-o-passe-espirita/

https://pt.slideshare.net/slideshow/o-passe-na-histria-7649360/7649360

https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/pics

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_praticas_integrativas_complementares_2ed.pdf 

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Ecos Culturais | O horror em imagens

Partindo de um panorama histórico crítico da representação de imagens de guerra, sofrimento e dor, a escritora e crítica estadunidense Susan Sontag (1933-2004) questionou o papel de imagens, fotografias e vídeos de tragédias humanas em seu texto Regarding the pain of others (1996), lançado em português com o título de "Diante da dor dos Outros" (2003) em tradução de Rubens Figueiredo. O argumento básico da autora era descobrir se o que era mostrado nas imagens, desde o final da I Grande Guerra até o presente, e hoje em tempo real, escancarando o horror das guerras, tragédias, massacres, genocídios e diversos tipos de sofrimento humano, teria algum efeito ou apelo moral sobre os indivíduos. Ou seja, se as imagens acabavam por gerar indignação e empatia, assim instigando à ação solidária, ou se, ao contrário, geravam indiferença e apatia, o que seria uma triste prova de que a sociedade se acostumara com imagens de angústia, de morte, de barbárie e de dor... Prova de que a sociedade ficara anestesiada e inerte ao sofrimento dos outros e, de certa forma, acabara por banalizar ou normalizar algo que nunca foi e nunca será banal, tampouco normal. 

Em seu texto, Sontag lembrava que a reprodução continuada dessas imagens, pelos veículos de comunicação, acabava por transformar a dor em lugar-comum, em fato comezinho, esvaziando a força da própria ilustração. Mais ainda: dependendo de como eram (são) feitos os textos e/ou legendas, haveria (há) uma mudança no que essas imagens queriam (querem) transmitir, o que poderia (pode) denunciar, suavizar ou até justificar o que havia sido retratado.  

S.Salgado. Série Gold. Divulgação

Para mim, que tenho prazer em fotografar, admiro e me emociono com a arte da fotografia, que busco o detalhe, foco meu olhar além do momento capturado e procuro entender o que está por trás do que vejo, algumas imagens sempre me vêm à mente: as que me chocaram, à época, me causaram e ainda me causam sentimentos de tristeza, desânimo, descrença e indignação, como:

--- As absurdas, cruas e doloridas imagens do mestre Sebastião Salgado para suas mostras, em especial, Êxodos, TrabalhadoresSerra Pelada e Gold (ver aqui);

Divulgação


--- A gritante diferença entre duas fotos tiradas pelo mesmo fotógrafo (Steve McCurry) da mesma garota afegã refugiada (Sharbat Gula), em um intervalo de menos de duas décadas: a foto tirada em 1985, quando Sharbat tinha de 12 a 15 anos, mostrava uma linda jovem de olhos verdes vivos, expressivos, curiosos e brilhantes; a outra foto da mesma Sharbat, em 2002, trazia uma mulher com olhos ainda verdes, traços de uma beleza discreta, mas em um rosto cansado, apagado e sofrido (ver aqui);  

Imagem do texto de L. Boff
--- A trágica e dolorida imagem do corpo do pequeno garoto refugiado sírio de três anos, Ayslam Kurdi, morto por afogamento no mar Egeu e encontrado numa praia, perto do balneário turco de Bodrum. A foto causou consternação geral, correu mundo, gerou protestos, movimentos, textos indignados de várias entidades e personalidades, como o teólogo e escritor Leonardo Boff (ver aqui) cobrando uma solução para o drama dos refugiados;

--- A surreal e terrível imagem de uma criança magérrima no chão, corpo curvado, cabeça sobre o braço, à beira da morte, vitimada pela fome e observada de perto por um abutre. A imagem, de 1993, é do fotógrafo Kevin Carter, no Sudão, país que, havia décadas, vivia em meio a uma violenta guerra civil (Ver aqui);

--- As revoltantes imagens mostrando como eram e como ficaram as cidades e regiões afetadas pelo rompimento de barragens de resíduos da Vale em Brumadinho e Mariana, além das tristes fotos mostrando o efeito destrutivo de outras tragédias climáticas (ver aqui); 

--- As imagens, fotos e vídeos atuais que, em tempo real, mostram o antes e o depois de cidades, povoados e regiões inteiras em zonas de guerra.

Horror em imagens! É inevitável: ações, atitudes, pensamentos, sentimentos, palavras e imagens produzem efeitos e têm consequências. É como se nos alimentássemos desse horror, e não só com os olhos. Kevin Carter, autor da dolorida foto da criança sudanesa, conseguiu-a meio por acaso, assim que chegou ao Sudão com a tarefa de fazer imagens para chocar a opinião pública e, talvez com isso, interromper aquele conflito de décadas. Carter era parte do “Clube do Bangue-Bangue”, formado por quatro fotojornalistas sul-africanos que vinham alcançando notoriedade mundial na cobertura de zonas de conflito e tensões, sobretudo na África do Sul. Além dele, faziam parte do grupo João Silva, Greg Marinovich e Ken Oosterbroek. De tão chocante, a imagem levou a um debate ético: é válido fotografar antes de ajudar? A partir daí, tendo como fundadores o próprio grupo Bangue-Bangue e Robert Capa, criou-se um movimento defendendo um fotojornalismo ético e artístico, argumentando que só teria sentido fotografar o horror, qualquer que fosse ele, se a imagem contribuísse para acabar com a situação que a gerou. 

A arte da fotografia tem seus mestres que dão dicas sobre a captura da "melhor" imagem. Se lembrarmos o que Roland Barthes falava sobre o "olhar fotográfico", o olhar que enquadra algo e elimina o entorno, pode-se dizer que o "olhar fotográfico" de Carter gerou o tal "enquadramento específico" e excluiu o contexto maior, destacando, em primeiro plano, aquela cena terrível. Naquela e em outras fotos, Carter também deve ter vivenciado um dos tais “momentos decisivos”, mencionados por Henri Cartier-Bresson, outro mestre do ofício. Mas esses olhares e enquadramentos cobraram um preço muito alto. Com o peso da tristeza por tantas lembranças de dores e danos, deprimido, com dívidas e uma imensa sensação de impotência, o fotógrafo suicidou-se em 1993, aos 33 anos.

Voltando à escritora Susan Sontag. No livro mencionado, ao cobrar responsabilidade dos que veem o sofrimento alheio, por meio de imagens, a autora lançou a pergunta fatal: como essas imagens nos atingem, que impacto têm em nós e qual seu efeito - elas nos deixam revoltados ou indiferentes? São perguntas a serem respondidas, com honestidade, por todos: os que capturam essas imagens, os que veem o resultado final desses cliques e os que se alienam do mundo. Que sentimentos despertam em nós? Porque, como dizia Sartre, não escolher também é uma escolha. 

Por fim, ela ainda esclarece que a fotografia também é documento e, como tal, tem o poder de registrar e formar a memória coletiva de tudo, inclusive de tragédias, para a sociedade conscientizar-se do que deve ser sempre lembrado, para não deixar que essas situações sejam esquecidas e para que nunca mais se repitam. 

Referências

CARVALHO, Bruno Leal P. de Carvalho. O abutre e a menina: a história de uma foto histórica (Artigo). In: Café História. Publicado em 27/fevereiro/2012.  Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/o-abutre-e-a-menina-a-historia-de-uma-foto-historica/.

SILVA, Arlenice Almeida da. Diante da dor dos outros (artigo). In: Carta Capital. Publicado em 15 de dezembro de 2014. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/diante-da-dor-dos-outros/.

SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros’. Tradução: Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2025. 

TRIGUEIRO, Gabriel. Em livro, Susan Sontag apresenta iconografia do sofrimento humano (artigo). In: O Globo. Publicado em 17 de abril de 2015. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2025/04/17/em-livro-diante-da-dor-dos-outros-susan-sontag-apresenta-iconografia-do-sofrimento-humano.ghtml

https://www.nationalgeographicbrasil.com/sharbat-gula/2017/12/famosa-menina-afega-finalmente-consegue-um-lar-capa-historica-refugiado-afeganistao  

https://anitadimarco.blogspot.com/2024/10/ecos-culturais-sebastiao-salgado.html

https://anitadimarco.blogspot.com/2024/12/ecos-ecologicos-terra-que-chora.html