Gentileza parece uma mercadoria que anda em baixa, ultimamente, não só nas relações interpessoais, mas também nas cidades.
Segundo dados recentes das Nações Unidas Mais de
metade da população mundial (54%) mora em cidades(1). E assim, por princípio,
todos querem usufruir as coisas boas que a cidade nos oferece, sobretudo, a
convivência e o estar junto das pessoas, caso contrário ainda estaríamos morando na área
rural e afastados uns dos outros. Para aproveitar esse 'estar junto', nada como ambientes e espaços
públicos bem construídos, bem projetados, confortáveis, seguros e agradáveis.
Só que quase sempre nos esquecemos de que somos
responsáveis também por esses espaços e pela cidade onde moramos. Hábitos
simples, aparentemente inócuos, se praticados por um só indivíduo, tornam-se
avalanche quando multiplicados: jogar um papel de bala na rua, pegar uma
mudinha daquela planta do jardim público, quebrar uma luminária, chutar um
banco ou uma lixeira, quebrar as placas com os nomes das ruas, ‘garimpar’
placas de sinalização, ocupar vagas de idosos ou de pessoas com necessidades especiais sem fazer parte desses grupos, nos ônibus e metrô ocupar assentos reservados a determinados grupos, como gestantes e idosos, estacionar mal ocupando o espaço de dois carros, etc... Isso só para lembrar situações quase
corriqueiras, mas que causam um estrago tremendo em longo prazo.
Falta de
sinalização, equipamentos urbanos depredados, bueiros entupidos, lâmpadas quebradas, e milhares de reais indo para o ralo são apenas algumas das consequências
desses atos, muitas vezes ‘justificados’ como molecagem e impertinência, mas
que revelam uma profunda falta de respeito, consciência e civilidade.
Todos
nós, sem exceção, somos responsáveis
pelo espaço público, pela cidade e pelas ruas, símbolos de troca e convivência.
Ser responsável significa cuidar daquilo que também nos pertence e o espaço
público pertence a todos nós.
Gentileza
Urbana
Desde 1993, o Instituto de Arquitetos do Brasil –
IAB-MG promove o concurso Gentileza
Urbana, visando promover e reconhecer intervenções do cidadão ou da
iniciativa privada que tragam um novo olhar sobre as cidades, promovam a
convivência e a melhoria da qualidade de vida urbana, em geral, ampliando o
conceito de cidadania, criando uma cidade mais amável e humana.
Em 2011, a arquiteta Eneida Ferraz Cruz e eu fomos
premiadas pela concepção, montagem e curadoria de uma exposição itinerante - Nosso Patrimônio vai às Escolas -,
levada às escolas públicas de Varginha, focalizando o patrimônio histórico e
cultural, em geral, e o da cidade, em especial, bem como a importância da preservação desse patrimônio para a consolidação de
nossa identidade.
Há alguns bons anos, ainda estudante de Arquitetura,
estagiei na Secretaria de Planejamento do Estado de SP, em departamento sob o comando do
professor e arquiteto Eduardo Yazigi. Em determinada ocasião, promoveu-se um concurso de fotografias com o título ‘A cidade é também sua casa’, cujo objetivo era expandir a noção de que as cidades
eram organismos vivos e, como tal, dependiam de todos, cidadãos e poder público.
O resultado foi surpreendente. Havia de tudo, mas as
fotos mais interessantes retratavam variadas atitudes de cuidado, gestos sutis
e simples, mas de um imenso carinho pelas cidades. Gestos que denotavam
apropriação de um espaço e, de novo, quem se sente também dono de algo cuida desse
algo. Objetivo alcançado.
Anos depois, quando visito algumas cidades, fico me
lembrando com saudades daquelas fotos. Onde estarão aquelas pessoas? Será que
se cansaram de ser gentis com suas cidades?
Nunca é tarde para lembrar que a cidade onde moramos é nossa casa
maior... A responsabilidade é a mesma, só que em outra escala, porque também
estamos lidando com a casa maior do ‘outro’.
Se gentileza no plano individual nos leva a uma
situação de mais satisfação e menos estresse, o que poderá causar uma situação
em que todos os habitantes são mais gentis com sua cidade? Sempre me lembro
daquela figura carioca folclórica, o Profeta Gentileza (1917-1996), conhecido por escrever
frases e poemas nos muros da cidade do Rio que chamavam a atenção para o
individualismo do homem, para a perda da capacidade de ouvir e sentir o outro... Gentileza gera gentileza era o seu mote.
Gentileza gera gentileza, em todas as dimensões de
nosso convívio, da família ao país. Só depende de nós.
Imagens: www.netmundi.org