- ‘Por que temos
prazer em passear por cidades urbanisticamente bem conformadas e continuamos a construir
cidades espacialmente desestruturadas?
A propósito, um dos últimos livros que traduzi, junto com a colega tradutora e jornalista Anita Natividade, foi Cidade Caminhável, de autoria do urbanista norte-americano Jeff Speck. Fiz um texto sobre o livro no blog da Editora Perspectiva (ler aqui ou abaixo). O lançamento está previsto para breve. Aguardem...
Caminhar nas cidades
Por
Anita Di Marco.
Tradutora
| arquiteta e urbanista (FAU-USP, 1976, Especialização em Conservação
Arquitetônica pelo ICCROM-Roma).
Cidades representam,
hoje, o principal habitat do ser humano, no mundo todo, sobretudo a partir de
meados do século 20. Na América Latina, 75% da população vivem hoje nas áreas
urbanas e o Brasil não é exceção. 85% de nossa população já estão nas cidades,
segundo o censo de 2010. Fatalmente, este ritmo de crescimento traz
consequências e por isso mesmo, já há tempos, profissionais que estudam as
cidades, organizações não governamentais, órgãos públicos e outras instituições
vêm tentando desenvolver estratégias para promover cidades mais sustentáveis:
com menos poluição e menos congestionamentos, mais segurança e vitalidade,
maior densidade e diversidade de uso, criando comunidades integradas e
sustentáveis, do ponto de vista econômico, social e ambiental.
Afinal,
as cidades deveriam ser feitas em prol e para os homens, mas parecem, cada vez
mais, feitas para os carros. Nessa linha, buscando contribuir para criação de cidades
mais agradáveis, chega ao mercado editorial o livro Cidade Caminhável pela Editora Perspectiva, com tradução de duas Anitas: a arquiteta Anita Di Marco e a
jornalista Anita Natividade. O autor, o urbanista americano Jeff Speck,
defende a necessidade de criar cidades mais caminháveis, destaca os benefícios
dessa ação e ilustra suas afirmações com o Placar de Caminhabilidade, o Walk Score, que indica as melhores
cidades do mundo para se caminhar. O livro é um manifesto de como se criar
cidades voltadas para o pedestre, incentivando os deslocamentos a pé, de
bicicleta e em transporte público.
Bastante informal, o autor dirige-se ao público como se estivesse
falando com amigos.
De início, Speck
vincula a prática do caminhar à economia em geral, através da melhoria da
saúde, diminuição da obesidade, da poluição ambiental, do número de sinistros,
do número de acidentes cardiovasculares por estresse no trânsito e,
consequentemente, gerando menos gastos para os sistemas de saúde em geral. Além
disso, salienta o autor, que caminhar pelo bairro fortalece as relações de
vizinhança, o que melhora a segurança em geral. Critica o uso excessivo dos
carros e a pouca preocupação das autoridades com os pedestres, já que o carro
parece ser o senhor absoluto das aglomerações urbanas, sobretudo quando se
refere aos subúrbios americanos.
Na segunda parte do
livro, enumera dez passos para criar cidades mais caminháveis, que incluem:
diminuição do número das faixas de alta velocidade, repensar uma largura
adequadas das vias em função da segurança dos pedestres, cruzamentos, semáforos,
arborização, desestímulo à criação de novas vagas para automóveis, melhoria do
transporte público, incentivo ao uso de bicicletas e sua infraestrutura
(bicicletários, paraciclos, ciclovias, ciclofaixas) etc. Quanto ao dilema carros versus bicicletas, Speck
defende o uso diário das bicicletas, alegando que representam um fator de
segurança aos próprios ciclistas, porque o trânsito tende a ser mais lento e a
direção do motorista mais prudente, em função da presença das bicicletas. Bom, resta saber a qual país ele se refere
quando faz essa afirmação.
Fala muito dos
engenheiros de trânsito e um pouco do alto
custo dos estacionamentos, sobretudo o considerado ‘gratuito’, ao longo do meio
fio das ruas. Afirma que tal estacionamento, além de diminuir a rotatividade
das vagas, é uma falácia pois não existe estacionamento gratuito: todos pagam
por ele, mesmo aqueles que não têm carro. Citando Jane Jacobs, nossa velha conhecida,
salienta a importância do uso misto nas ruas e, por fim, lembra que se
deve delimitar criteriosamente a área a ser tornada caminhável, uma vez que os
investimentos não são ilimitados e nem mesmo todas as áreas se prestam às
mesmas soluções. Enfim, com uma série de
exemplos e apesar de algumas afirmações discutíveis, o livro chama a atenção
sobre o tema.
Até aí, concordamos
todos. A cidade deve ser vista sob outra ótica, que não a do automóvel. Todos
queremos cidades mais agradáveis, seguras, práticas, acessíveis, arborizadas,
com motoristas menos neuróticos, com um transporte coletivo eficiente e espaços
urbanos agradáveis e aconchegantes. Talvez o mais difícil hoje, seja fazer frente
à pressão do automóvel particular. Algumas das medidas sugeridas já vêm sendo aplicadas
por cidades no mundo todo, inclusive São Paulo: criação de ciclovias e sua
infraestrutura, corredores exclusivos para ônibus, investimento pesado no
transporte de massa, adensamento populacional nas áreas mais centrais,
sobretudo junto aos eixos de transporte. Londres, Paris, Madrid, Oslo,
Copenhagen e tantas outras vêm, há tempos, implantando ciclovias e limitando a
velocidade e a área de acesso dos carros.
Paris e Londres, por exemplo, já estabeleceram que o centro da cidade
deverá ficar livre de carros particulares até 2020. É só uma questão de tempo,
de costume e de opção pelo coletivo.
O importante é lembrar
que não existe receita de bolo. Cada cidade deve criar a sua. Claro, as cidades
são diferentes, têm histórias diferentes, climas e relevos diferentes, propostas
e modos de vida diferentes, mas o denominador comum é que nelas moram pessoas e
todos querem uma cidade mais agradável, sem congestionamentos e com
possibilidades de, simplesmente, caminhar. Podemos tomar ideias emprestadas, mas
não soluções. Cada ideia deverá ser pensada, sopesada e repensada em função de
sua população, sua identidade, cultura, dos recursos disponíveis e, sobretudo,
em função dos objetivos que movem essas decisões. O que vale lembrar é que a
cidade é de todos.
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