O grito, do pintor norueguês Edvard Munch. 1873 |
É triste perceber a falta de profissionalismo
das pessoas, no dia a dia, nas mais variadas situações. Mais triste ainda e
mesmo inadmissível é perceber isso em órgãos e profissionais que deveriam zelar
pelo bem público. Lamentável notar a persistência do jeitinho brasileiro, de
forma equivocada e desrespeitosa. Desanimador constatar as decisões inadequadas
e caricatas de pessoas que deveriam dar o exemplo de consideração pelo que é de
todos – de cidades a bens públicos. São pessoas que agem inadvertidamente, como
se todos os demais membros da comunidade fossem tolos, inocentes úteis, seres
ineptos e ignorantes quanto a qualquer que seja o assunto.
Ninguém pode saber tudo, é evidente. Porém, quando não se sabe como
proceder em determinadas situações, técnicas ou não, deve-se ter a humildade de buscar informações
com quem domina o assunto; deve-se consultar os órgãos competentes em outras
instâncias. Deve-se estudar, pesquisar e agir de acordo com os cânones específicos
do tema. Aliás, isso não é o que se aprende a fazer na escola? Pesquisar, analisar
e refletir? Deveria ser.
Qualquer bem material ou imaterial que constitua
parte do patrimônio cultural de um povo deve ser sujeito a um tratamento respeitoso
e correspondente à sua condição de “bem componente do patrimônio cultural”. Além
disso, esta classificação deve atender a determinados critérios técnicos que
justifiquem sua inclusão naquela lista de bens protegidos: valor artístico, afetivo,
arqueológico, arquitetônico, paisagístico, ambiental etc., ou seja, qualquer
bem só deve ser tombado ou protegido (sim, há vida e outras instâncias além do tombamento)
quando, de fato, atender a um destes critérios, decisão que cabe aos profissionais
da área. Nenhum bem pode servir como mero
coadjuvante no sentido de fazer número e, consequentemente,
mais verbas, junto às instituições superiores de defesa do patrimônio cultural.
Um caso tem alcançado repercussão
na mídia. Trata-se de antiga liteira do século XIX, utilizada pela família do primeiro prefeito de Varginha, Major Matheus
Tavares (1841-1906). À época, carregada por escravos ou animais, por meio de
varões nas suas duas laterais, o veículo servia para o transporte de senhoras. Para
que coubesse nas novas instalações do Museu Municipal de Varginha, a peça teve seus varões serrados. Duas fotos publicadas no link abaixo não
deixam margem a dúvidas. Na primeira foto, a
liteira aparece com os varões intactos, no antigo endereço do Museu, na Praça Matheus
Tavares, perto da estação ferroviária.
Já nesta foto, no novo endereço, na
Praça Benedito Valadares, liteira aparece com os varões serrados.(Imagens: Blog do Madeira).
Ações do Ministério Público, investigações internas da própria prefeitura e explicações são necessárias e bem-vindas.
Ações do Ministério Público, investigações internas da própria prefeitura e explicações são necessárias e bem-vindas.
O presidente
da Academia Varginhense de Letras, Artes e Ciências, José Roberto Sales, decidiu redigir uma nota sobre o
assunto:
NOTA À IMPRENSA DA
ACADEMIA VARGINHENSE DE LETRAS, ARTES E CIÊNCIAS SOBRE OS DANOS OCASIONADOS À
LITEIRA DA FAMÍLIA DE MATHEUS TAVARES DA SILVA SOB A GUARDA DA FUNDAÇÃO
CULTURAL DO MUNICÍPIO DE VARGINHA E ALOCADA NO MUSEU MUNICIPAL ONEYDA ALVARENGA
A ACADEMIA
VARGINHENSE DE LETRAS, ARTES E CIÊNCIAS – AVLAC fundada em 21 de fevereiro
de 1960 é uma associação cultural da sociedade civil, sem fins lucrativos, e de
declarada utilidade pública municipal e estadual.
A AVLAC tem sido instada pelos meios de comunicação social
do município e pelos cidadãos varginhenses a declarar publicamente seu
posicionamento em relação ao dano sofrido pela liteira exposta no Museu
Municipal Oneyda Alvarenga o que faz pela publicação da presente Nota à
Imprensa.
CONSIDERANDO que a referida liteira é uma peça histórica de
relevância para a história municipal, tendo pertencido à família de Matheus
Tavares da Silva (1841-1906), presidente da Câmara Municipal de Varginha
(prefeito) na primeira administração municipal iniciada em 1882,
CONSIDERANDO que a liteira é uma peça museológica rara por
sua originalidade, autenticidade, integridade física e dimensões, com
capacidade de transportar em seu interior quatro pessoas sentadas,
CONSIDERANDO que a liteira é uma peça única composta por
duas partes: a cabine e dois varões de sustentação com 446 centímetros cada,
CONSIDERANDO que, por sua função, esses varões são
indissociáveis do conjunto da peça uma vez que era necessário atrelá-los a
burros ou a cavalos conduzidos por escravos para que a liteira pudesse ser
utilizada como meio de meio de transporte,
CONSIDERANDO que a liteira estava intacta com sua cabine e
varões quando se encontrava exposta no edifício sede anterior do Museu
Municipal, localizado na Praça Matheus Tavares da Silva, nº 178, centro, até o
início de outubro de 2013, conforme incontestáveis provas documentais
constantes das fichas cadastrais do Museu Municipal e da ficha de inventário do
COPAC – Coordenadoria do Patrimônio Cultural de Varginha, provas iconográficas (fotografias
e audiovisuais produzidos por órgãos públicos, particulares e emissoras de
televisão) e provas testemunhais representadas pelas declarações de dezenas de
munícipes,
CONSIDERANDO que, atualmente, a liteira encontra-se
danificada por ter tido os varões de sustentação serrados,
CONSIDERANDO, portanto, que não há dúvida nenhuma de que a
liteira sofreu grave dano em sua estrutura estando sob a guarda e
responsabilidade do poder público municipal e que qualquer negação das
autoridades públicas municipais é um atentado aos fatos,
CONSIDERANDO que os órgãos públicos responsáveis pela
guarda, manutenção e preservação da liteira são a Fundação Cultural do
Município de Varginha e o Museu Municipal Oneyda Alvarenga sob sua gestão,
CONSIDERANDO que é de competência do poder público
municipal zelar pela conservação e manutenção dos objetos históricos sob a sua
responsabilidade e guarda legal,
CONSIDERANDO que os servidores públicos municipais,
funcionários terceirizados ou ocupantes de cargo público comissionado por
indicação política têm a responsabilidade legal, ética e funcional de zelarem
pela manutenção e conservação dos bens públicos sob a sua guarda,
CONSIDERANDO que existe uma comprovada materialidade do
dano causado, mas que sua autoria ainda não foi identificada,
CONSIDERANDO a possibilidade da ocorrência de novos danos
ao patrimônio histórico e cultural do município sob a responsabilidade do poder
público municipal,
CONSIDERANDO os recentes avanços civilizatórios da nossa
sociedade, a maior consciência de cidadania dos brasileiros, e que a população
brasileira não tolera mais autoridades públicas que se envolvam com práticas de
gestão que possam ocasionar qualquer tipo de dano aos bens públicos,
A ACADEMIA
VARGINHENSE DE LETRAS, ARTES E CIÊNCIAS sugere:
QUE a PREFEITURA MUNICIPAL DE VARGINHA determine a imediata
instauração de uma Sindicância Administrativa Investigatória para apurar a
responsabilidade da autoria do dano ocasionado à liteira por ter tido serrados
seus varões de sustentação,
QUE a PREFEITURA MUNICIPAL DE VARGINHA dê ciência do feito
(dano ao patrimônio público municipal) ao Ministério Público para a tomada das providências
legais cabíveis,
QUE em todas as instâncias de apuração haja celeridade, transparência
e lisura na investigação dos fatos para que o(s) responsável(is) seja(m) identificados(s)
e punido(s) na forma da lei,
QUE, após a conclusão das investigações, a PREFEITURA
MUNICIPAL DE VARGINHA providencie a restauração da peça danificada.
Varginha, 31 de janeiro de 2017
José Roberto Sales
Presidente
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