segunda-feira, 27 de março de 2017

Paisagem Construída | Grafite, patrimônio e memória

Grafite de Eduardo Kobra. Av. Pedroso de Moraes em São Paulo.Foto: Anita Di Marco

A polêmica decisão do novo prefeito de São Paulo, João Dória, de pintar de cinza os grafites da Av. 23 de maio, tem sido considerada como mera ação cosmética e midiática para tirar a atenção de problemas urbanos reais. Muitos apoiaram a discutível iniciativa. Outros, nem tanto. Nos muros da cidade, em protesto àquela iniciativa, surgiram novos desenhos, frases e manifestações defendendo os artistas de rua.  

As críticas não vêm apenas de artistas e pichadores, mas de membros da sociedade civil. A Revista ARTE!Brasileiros entrevistou a especialista em arte urbana e curadora Lilian Amaral, o urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Renato Cymbalista e o grafiteiro Alexandre Órion sobre o tema. Acreditam eles que tanto o grafite quanto a pixação são manifestações artísticas legítimas incorporadas à paisagem de São Paulo. Órion, por exemplo, critica a ação do novo prefeito dizendo que ela encobre “problemas mais urgentes”. 
Grafite em São Paulo. Imagem: http://www.brasilescola.com/artes/grafite.htm

Grafite em Olinda. Imagem: Wikipedia.


Como processos dinâmicos que são, a cultura e suas formas de expressão se modificam com o tempo, segundo a especialista em arte urbana, a curadora Lilian Amaral, que afirma: "Manifestações artísticas que causaram estranhamento no passado hoje são bem recebidas”, afirma ela, destacando o caso do próprio grafite, surgido nos anos 1960, como forma de protesto. Diz ela que hoje essas manifestações já fazem parte da vida da cidade, mesmo que nem todos gostem ou se identifiquem com a estética própria de cada grafite. "Assim, as intervenções devem ser consideradas patrimônio público, fazem parte da cidade e de sua história e, portanto, limpar os grafites é apagar uma memória”, afirma a curadora.


Av. 23 de maio. Antes e depois da intervenção do atual prefeito de SP. Foto: Divulgação
 Por outro lado, vários segmentos defendem que tanto o grafite quanto a pichação (ou ‘pixação’, como diferencia o artista gráfico e professor universitário Gustavo Lassala) não devem ser totalmente livres e institucionalizadas. Segundo Lassala e Amaral, ‘pixação’ com "x" é um fenômeno típico da capital paulista associado a grupos marginalizados das periferias que querem deixar sua marca, chamando atenção da sociedade para sua existência. 
 
De minha parte, não gosto de todo e qualquer grafite nem tampouco de toda e qualquer pichação (ou pixação), mas confesso que vejo exemplos bem interessantes e criativos e consigo rir e me admirar das habilidades de seus autores. Igualmente, também não sou fã de todas as obras de arte de todos os tempos.  

Ocorre que há grafites e grafites.  Todos são formas de comunicação muito antigas, existentes desde os tempos da Antiguidade. Alguns são mais artísticos, sensíveis, divertidos e agradáveis de se olhar; outros beiram a agressividade e a loucura. Alguns mereceriam continuar naqueles espaços; outros, nem tanto. Difícil é estabelecer os critérios para isso.  Como distinguir entre o que deve ou não ser poupado? Ou o que deve ou não ser autorizado? Sobre que suporte? Tema espinhoso para o qual não consigo imaginar uma solução conciliadora possível. Talvez o melhor seja preservar alguns deles nos muros da cidade e esquecer-se dos demais, documentando-os, porém, em livros, fotos ou arquivos digitais. Mas, novamente a mesma pergunta: quais os critérios para esta seleção?

Parece-me que a solução a este impasse passa por um longo caminho que garanta educação ampla e de qualidade, com oportunidades iniciais iguais para todos. Aliás, esta é a solução para muitos dos nossos males, senão todos. O mais provável é que tais manifestações não desapareçam. Apaga-se uma aqui, surge outra ali; esconde-se uma intervenção aqui, brota outra acolá e assim por diante. 
Museu Aberto de Arte Urbana de São Paulo. Imagem: http://www.archdaily.com.br/br/01-10406/1o-museu-aberto-de-arte-urbana-do-mundo-sao-paulo-sp 
No entanto, São Paulo já é (ou era) mundialmente conhecida como uma das cidades com maior número de intervenções de grafite e arte urbana (ver o post Arte Urbana, publicado em agosto de 2015 no blog Anita Plural). Apesar disso, as colunas do metro, em seu trecho elevado na zona norte da cidade, abrigam o primeiro Museu de Arte Urbana da cidade, colorindo a dura paisagem da Avenida Cruzeiro do Sul e reunindo dezenas de artistas naquele primeiro projeto, que propunha trocas anuais dos desenhos. Apesar disso, São Paulo parece seguir na contramão de outras cidades mundiais que adotam medidas para diminuir a velocidade nas vias urbanas, desencorajar o uso do automóvel particular, criar espaços públicos de convivência e chamar artistas de rua, muito brasileiros, para cobrir e colorir painéis, muros e empenas de suas cidades. 

"Soluções" alternativas propostas como a criação de jardins verticais já vêm recebendo críticas de grupos ambientais e questionamentos sobre os trabalhos de manutenção, por exemplo. Enfim, longo tempo, dose considerável de energia e de recursos gastos em assuntos não tão primordiais ao morador da cidade.   

Referências:
Lassala, Gustavo. Pichação não é pixação. São Paulo: Altamira, 2010
brasileiros.com.br/2017/01/limpar-os-grafites-e-apagar-nossa-memoria-afirma-pesquisadora/

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