sexta-feira, 21 de junho de 2024

Ecos Culturais | Teko Porã

Aqui, no blog Anita Plural, já se falou de conceitos importantes de outros povos como o africano ubuntu (eu sou porque nós somos) e o japonês ikigai (entusiasmo por um ideal). Agora trago um conceito dos povos originários, dos guaranis, em especial: Teko Porã, traduzido como o belo caminho, o bem viver, que fala da inter-relação de todos os seres.

O conceito está profundamente enraizado na cosmologia dos povos indígenas, que jamais se colocam como proprietários e, sim, como parte do todo. Como tal, quando houver necessidade, eles têm permissão para usar algo do meio ambiente, mas sempre se lembrando de, antes, agradecer e pedir permissão à mãe natureza, entendendo que tudo está interligado, entrelaçado e, dessa maneira, buscando construir, coletivamente, uma nova forma de bem viver para todos.

Na região de Parelheiros, zona sul de São Paulo, existe um território com o maior número de lideranças femininas do povo guarani. Uma delas é Jerá (pronuncia-se Dirá). Pedagoga pela Universidade de São Paulo, há anos ela luta pela demarcação das terras de seu povo. Diz que o modo de vida dos homens brancos está errado, pois eles acumulam demais, mesmo sem necessidade, desequilibram a vida planetária e não respeitam a natureza que, segundo a cosmologia guarani, surgiu primeiro e, portanto, deve ser respeitada e reverenciada. Diz Jerá: 

“É preciso cuidar daquilo que nos mantém vivos; ter uma cultura de respeitar a natureza, de lidar com a terra, de ter só o suficiente. [...] Não tem guarani proprietário do agronegócio, destruindo terra, envolvido nessa ideia de riqueza, então, esse termo do Teko Porã vai um pouco nessa linha de despertar o homem branco (juruá, em guarani) para essa reflexão, de lembrar-lhe que, a cada dia, temos uma oportunidade de agir diferente, de construir, de consertar."

Daniel Munduruku, outra grande liderança indígena, escritor, ativo difusor da literatura e da cultura dos povos originários, ganhador de inúmeros prêmios, dentre eles o Jabuti de 2017, também nos falou desse conceito na palestra Ancestralidades Indígenas e Dilemas Contemporâneos, proferida em evento promovido pela Universidade Federal Fluminense - UFF, em 2019. 
Por sua vez, a psicanalista Suely Rolnik, escritora e professora da Pontifícia Universidade Católica - PUC-SP, fala aqui do Teko Porã, desse caminho belo, do bem viver e dessa almejada união também no âmbito urbano, sobretudo nos espaços públicos. Afinal, nunca é demais lembrar da complexidade, como nos lembra Edgar Morin em sua Teoria da Complexidade, da diversidade das línguas, das falas, dos saberes, dos modos de vida, tradições e culturas, do conhecimento, do trabalho no campo e na cidade, mas sempre num mesmo e único mundo, com a mesma finalidade, objetivando o todo, o coletivo.

Como conceito, o bem viver abarca quatro dimensões interconectadas: a do indivíduo consigo mesmo (dimensão subjetiva e espiritual); a do indivíduo com os outros (dimensão comunitária); a dele com a natureza (dimensão ecológica) e, por fim, a dele com as forças da vida (dimensão cósmica). Para integrar essas dimensões é preciso questionar o desenvolvimento a qualquer custo, a opressão e a violência da colonização; é preciso reaprender a viver em comunidade com todos os seres, com todas as forças naturais, com a Vida.  Porque, por mais que a meritocracia afirme e queira provar que só depende de “você”, o fato é que ninguém existe sozinho; precisamos uns dos outros, da natureza, das águas, da chuva, dos ventos, da Terra, da nossa Pachamama! O respeito a essas relações de reciprocidade com todas as forças da vida é o que reforça o bem viver, fortalecendo os fios de uma trama que dão sentido à vida, já que a alma é feita do mesmo tecido do mundo em que habita, como mencionado pelas Upanishads, parte final dos Vedas, livros sagrados mais antigos do mundo.    

Referências

https://www.fiquebem.org.br/julho2022/teko-por%C3%A3%3A-a-filosofia-do-bem-viver-na-sabedoria-guarani

https://outraspalavras.net/blog/bem-viver-indigena-caminho-para-reinventar-a-democracia/

https://www.brasildefato.com.br/2018/01/30/cosmovisoes-comunidades-e-resistencias-na-america-latina-o-tecido-vivo-do-bem-viver/   

https://www.youtube.com/watch?v=_0iDKO8I-f8 

https://thegoddessgarden.com/pachamama/     

https://anitadimarco.blogspot.com/2022/04/ecos-imateriais-ikigai.html   

https://anitadimarco.blogspot.com/2018/10/ecos-imateriais-ubuntu.html  

https://anitadimarco.blogspot.com/2020/12/ecos-humanos-dna-e-filosofia-ubuntu.html   

6 comentários:

  1. Já está preparando um livro com esses textos? Bom pensar nisso. Bjs. Eneida

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu quero, com certeza... Tenho mais uns 6 ou 7....Se alguém se dispuser... Obrigada, querida...bjs

      Excluir
  2. Muito bom Anitinha! Sempre uma aula.Bebel

    ResponderExcluir
  3. TUTTO QUELLO CHE CI CIRCONDA NON è PROPRIETA' PRIVATA MA è UN BENE COMUNE CHE TUTTI DOVREMMO PRESERVARE VISTO CHE CI LEGA L'UNO ALL'ALTRO .UN GRANDE ABBRACCIO

    ResponderExcluir
  4. Anita , obrigada, cada reflexão tua, nos chama para a Vida , amplia nossos horizontes, nos conecta ao momento …IsaRe

    ResponderExcluir