quinta-feira, 12 de março de 2015

Memória & Vida| Lembranças de Antanho: Aventuras de Adelinha 1

 Algo que já tinha em mente acabou se concretizando a partir da leitura do livro Memória & Sociedade: Lembranças de velhos, de autoria de Eclea Bosi, mencionado em postagem anterior: resolvi juntar aqui nesse espaço plural as lembranças, memórias e relatos de família - mãe, pai, irmãos, tios, primos, todos os que têm alguma ligação com minha vida.

Quanto aos avós, infelizmente, só os trago na minha memória e nas lembranças dos que ficaram... São as Lembranças de Antanho....e uma personagem assídua desse espaço será minha mãe, Adélia Portes, e suas aventuras. Assim, primeira postagem dessas Lembranças de Antanho narra um sonho da menina Adelinha, quando criança e caçula de 16 irmãos.



Aventuras de Adelinha – 1: Sonho de menina - Por Adélia Portes * 

Adelinha tinha sete anos, vivia muito feliz com os irmãos mais velhos e o pai. Perdera a mãe havia três anos, mas era cercada de muito carinho e proteção. A casa, nos limites da cidade de Araguari, tinha um quintal enorme, cheio de diferentes árvores e cada uma delas era especial para a garota.  Passeava pela horta, admirava os canteiros de verduras, os diferentes tons de verde, as folhas orvalhadas como gotas de cristal; se abaixava e apanhava uma folha entre o broto e as folhas mais velhas, dobrava outra, como um bilhete ou envelope e começava a mastigar devagarzinho descobrindo e sentindo seu sabor.   Aqui e ali, ia apanhando vagens novinhas, penduradas na cerca e recolhia, nos pés de jilós e pimentões, os frutos menores e mais macios. Enchia os bolsos largos de sua roupa, feitos especialmente para a “colheita” de jiló. Todos admiravam aquele jeitinho diferente de ser da menina, comendo legumes, folhas, raízes e tubérculos crus.
Depois, corria em direção às árvores, subia no galho mais alto e se balançava enquanto cantava. Fazia do galho um arco e vinha escorregando até o chão.  No alto da grande mangueira, uma casinha de madeira, que os irmãos haviam feito especialmente para a menina – a seus olhos, uma torre para resguardá-la dos perigos. Vivia sempre brincando, alegre. Amava e er
a muito amada. Passava horas naquele mundo só seu, naquele quintal imenso, só entrando para casa quando chamada.  Era muito obediente.
Apesar disso, Adelinha se sentia só e, às vezes, falava consigo mesma que, se fosse um menino, ela poderia brincar com os irmãos; ao menos uma vez, ela gostaria de ser menino. De tanto insistir, conseguiu que os irmãos a levassem a uma aventura: ficar pendurada nos dormentes de uma ponte enquanto o trem passava pelos trilhos acima, em alta velocidade. Parecia emocionante demais... tinha aquele sonho de participar daquela façanha com os irmãos. 
Naquela noite, Adelinha não conseguiu dormir de ansiedade. Na manhã seguinte, os irmãos e ela se levantaram mais cedo e saíram sem que o pai percebesse... E foram todos para a farra. No caminho, os irmãos se perguntavam se aquilo era certo, já que ela era tão pequena... Mas seu irmão Aírton respondia que já que ela queria tanto, ele iria fazer a vontade dela. Dizia: - “Vamos rápido que o trem logo vai passar”.  Ajudaram a pequena a descer nos buracos dos trilhos e lhe perguntaram se estava com medo, ao que ela respondeu feliz: - “Claro que não”! Ficaram aguardando o trem chegar e, finalmente, aconteceu: com uma mão, os meninos seguravam a dormente e com a outra a pequena aventureira, que estava vivendo seu dia de menino, há tanto tempo sonhado.  Foram dez minutos de pura emoção: seis perninhas penduradas, balançando no ar, e o trem passando acima de suas cabeças... badadá... badadá...badadá...  Quando o trem já tinha passado, subiram e se abraçaram felizes, por ter realizado o sonho da menina Adelinha!

* Adélia Portes [Adélia Portes Di Marco] nasceu em Uberlândia, Minas Gerais (1933), morou até os dez anos em Araguari e depois mudou-se para a cidade de São Paulo, onde se tornou adulta, se casou, teve filhos, netos e bisnetos. Considera-se, por isso, paulistana e ama a cidade que a acolheu. Curiosa e ativa, sempre dedicada e disponível, Adélia exercia os papéis que lhe foram atribuídos – dona de casa, esposa e mãe - trabalhando com o que lhe aparecia pela frente: enfermagem, decoração e confecção de bolos, bordados, bijuterias e, um belo dia, já depois dos 45 anos, com filhos praticamente criados, Adélia deu vazão à ânsia de se expressar e concretizou sua veia artística através da produção de desenhos, entalhes, esculturas e pintura e do canto coral. Suas telas são feitas com tinta a óleo e acrílica; suas esculturas, em madeira e papel machê, e seus desenhos, em pastel e lápis preto. Foi aluna de Djalma Urban (pintura expressionista), Rubens Zacarias (Rubenza) (espatulado) e Osman Said (abstrato), parceira de tantos outros pintores e amigos da arte. Participante assídua dos cursos livres do Liceu de Artes Ofícios de SP, Adélia expôs em galerias, feiras e salões de arte, tendo obtido várias premiações (medalhas de ouro, prata e bronze) e menções honrosas. Segue a vida cantando e curtindo suas grandes paixões: a família, suas plantas e o canto coral.




Nenhum comentário:

Postar um comentário