quarta-feira, 11 de março de 2015

Paisagens Construídas | Lina e o SESC–Pompeia

Aquarela: Lêda Brandão de Oliveira.  
Há poucos dias, o IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tombou o SESC Pompeia, em São Paulo, projeto da arquiteta Lina Bo Bardi.  Para quem não está familiarizado com o termo, tombamento é um instrumento legal para preservar um bem histórico, cultural, arquitetônico, artístico, arqueológico ou paisagístico, com o intuito de preservar seus traços e sua presença para a posteridade, uma forma de proteger e registrar a os saberes e fazeres de uma dada sociedade. O emblemático prédio representa um ponto de ruptura na história da arquitetura brasileira. A aquarela ao lado é de Leda Brandão, amiga, arquiteta, desenhista e aquarelista de primeira.

Foto: Anita Di Marco, 2021
Em meados dos anos 1970, logo que foi convidada a assumir o projeto de criar um centro de convivência, em uma antiga fábrica de tambores no bairro da Pompeia, Lina revolucionou o conceito e a prática usual de projetar. Seu escritório era no próprio canteiro de obras, onde atuava, desenhava e discutia com operários, técnicos, arquitetos e engenheiros. Em 1982 (eu morava em Roma, nessa época e, infelizmente, não participei da inauguração), São Paulo ganhou um presentão, único e singular: o Centro de Lazer Fábrica da Pompeia, ou simplesmente o SESC Pompeia, cuja proposta era criar, sem qualquer tipo de discriminação, um espaço de convivência inclusiva entre todos, de todas as classes sociais, etnias e idades. Seu logotipo, uma chaminé-torre-caixa d’água que soltava flores. Precisa dizer mais?  

Dos moradores da cidade de São Paulo, e mesmo visitantes, não conheço quem não guarde uma boa recordação do SESC Pompeia - suas exposições únicas e criativas, sua imensa lareira, suas poltronas de madeira com estofado verde, o espelho d’água de fundo de seixos, as peças de teatro, a biblioteca, a brinquedoteca, e depois, o deque, as passarelas, a flor de mandacaru, os vãos singulares das janelas, as treliças à guisa de fechamento e proteção, as cores, os detalhes de drenagem, as texturas, tudo, tudo, tudo. Absolutamente tudo, não há um detalhe naquela obra que não chame a atenção do mais leigo dos usuários. É um prédio que convida a entrar, a permanecer, a descobrir e a sonhar.  É uma obra que me impressiona e emociona até hoje. 

Depois, já de volta a São Paulo, todas as vezes que recebia visitantes, nacionais ou internacionais, ir ao SESC Pompeia era, para mim, passeio obrigatório, pois cada vez mais o edifício se afirmava como centro de convivência de várias gerações da cidade de São Paulo que, até hoje e lindamente, reúne netos, filhos, pais e avós. 
 
Vivo minha vida aprendendo sem parar, às vezes dói, às vezes encanta. Nunca me lembro de, num pedaço de tarde, ter aprendido tanto. O Brasil precisa ver este centro de lazer, que é uma árvore, para fazer dele semente.  
- Darcy Ribeiro, livro de visitas do SESC Pompeia, 1983. 
 
 Livros de Lina. Foto: Anita Di Marco.
Na exposição Êxodos, do fotógrafo Sebastião Salgado, toda a família esteve lá, inclusive meu pai, hoje não mais conosco. Na exposição sobre o Sítio do Pica-pau Amarelo, as crianças faziam a festa e os adultos se deliciavam com as próprias lembranças. Na primorosa exposição da fantástica Maria Clara Machado, os brinquedos-personagens faziam as crianças tremerem e pularem de emoção e ansiedade. Além de Design no Brasil, Mil brinquedos, Caipiras e capiaus, Entreato para crianças e outras mais...   


 • • • No fundo, vejo a arquitetura como serviço coletivo e como poesia. Alguma coisa que nada tem a ver com arte, uma espécie de aliança entre dever e prática científica.
- Lina Bardi.

Enfim, montagens nunca vistas e de uma riqueza impressionante. Incontáveis os sentimentos e emoções proporcionados pelas atividades lá realizadas, desde as exposições, ao bate-papo ao pé da lareira, às aulas de mímica, às oficinas, às peças,  ou ao simples café na chopperia. Com certeza, é um lugar que merece ser celebrado por mais de uma geração. Não, por acaso, é um dos meus prédios favoritos na cidade.  E o que proporcionou tudo isso? Claro, uma equipe dedicada e empenhada, mas também a apropriação da população, o carinho e o respeito que se tem pela obra e sem dúvida, o olhar sensível, solidário e criativo daquela arquiteta (que gostava de ser chamada de arquiteto)...
Se você não conhece, não perca tempo: na sua próxima ida a São Paulo, não tem desculpa. Vá até lá e depois me conte.

Fontes:
Cidadela da Liberdade. Lina Bo Bardi e o SESC Pompeia. Org. André Wainer e Marcelo Ferraz. Ed. SESC, São Paulo: 2013.
Imagens: Livros de Lina (Foto: Blog Anita Plural)
Aquarela: Lêda Brandão de Oliveira. http://ledabranoliv.blogspot.com.br/  

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